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América Latina

Desesperança nos acampamentos de sobreviventes do terremoto no Haiti

1 mar 2013 - 14h43
(atualizado às 15h16)
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"Aqui temos todos os problemas do mundo", afirma Joceline Vilsen, de braços cruzados em frente a sua precária barraca rodeada de escombros e lixo, resumindo o horror que significa viver em Jean-Marie Vincent, o maior campo de desabrigados da capital do Haiti, que acolhe 26.000 pessoas três anos após o terremoto.

Com o olhar perdido, responde que "não" à pergunta sobre se comeu hoje. "É difícil conseguir a comida diariamente; quando não temos o que comer, ficamos de braços cruzados", admite resignada, descalça junto a sua filha de um ano que brinca distraída em meio à poeira.

As cerca de 8.000 famílias que vivem no gigantesco acampamento chegaram aqui após o terremoto que no dia 12 de janeiro de 2010 acabou com a vida de mais de 220.000 pessoas e que deixou 2,3 milhões sem abrigo.

Três anos depois, 347 mil pessoas ainda vivem em um dos 450 campos de desabrigados, segundo um censo recente da ONG CCCM (Camp Coordination and Camp Management).

O acampamento Jean Marie Vincent é um inferno de calor, poeira, escombros e esgoto lotado por milhares de barracas, construídas com paus e pedaços de sacos, muitas ao redor das carcaças de aviões e helicópteros do que foi uma base aérea, situada no centro da cidade.

"Quando chove, isto é uma catástrofe", explica James Saintlouis, presidente de um comitê de moradores do acampamento.

"É muito difícil encontrar trabalho: não há emprego e não há ajudas. Muitos saíram daqui pela violência, estupravam as mulheres, agora isso melhorou um pouco", afirma este homem de 30 anos que vive com sua esposa e três filhos de 7, 5 e 3 anos, e que veste orgulhoso uma camisa da seleção argentina com o número 10 de Messi.

O futebol o faz sorrir: "no Haiti quem não está com a seleção do Brasil, está com a da Argentina", explica.

Um grupo de crianças em trapos ou algumas até sem roupas segue a patrulha militar brasileira da missão de capacetes azuis da ONU, que percorre o acampamento para garantir a segurança.

"Acabou a comida", afirmam em português em frente a uma barraca que anuncia: "Eglise de Dieu, Nouvelle Vie" (Igreja de Deus, Nova Vida).

Pierre Mariciene, de 52 anos, se deixa pentear por sua filha em frente a sua barraca, na qual cabem com dificuldade duas camas e algumas poucas roupas e baldes velhos. São três da tarde e diz não ter comido nada hoje. Até água é um luxo por aqui.

Em dezembro, as tropas brasileiras e as organizações locais limparam um anfiteatro que durante três anos serviu de latrina ao ar livre, na falta de banheiros no local. Atualmente, as crianças têm um lugar para correr, quase como um parque, e em alguns dias as tropas passam filmes, explica orgulhoso o comandante do contingente brasileiro, Coronel Rogério Rozas.

Dieuna Lentant, de 34 anos, lava os sapatos puídos de seus cinco filhos, de 17, 14, 8, 5 e 2 anos. Apenas os dois mais velhos vão à escola porque não há dinheiro para enviar os outros, explica, e ela sobrevive vendendo o que encontra nas ruas.

"Não tínhamos esta miséria antes do terremoto, veja você como vivemos", lamenta. Seu marido faleceu no tremor, quando a loja na qual trabalhava desabou e ela acabava de ficar grávida.

Após o terremoto, o acampamento chegou a abrigar 60.000 pessoas.

A organização intergovernamental IOM, em colaboração com instituições locais, lançou em janeiro um programa que tenta ajudar as famílias de Jean Marie Vincent, e que consiste em entregar um subsídio de renda por um ano a cada família, explica à AFP a responsável de comunicação, Michela Macchiavello.

Cerca de 700 famílias já receberam os subsídios para ter acesso a uma casa, e o objetivo é esvaziar o acampamento em um ano.

"Os acampamentos que selecionamos foram definidos com uma lista de prioridades, são os que estavam em piores condições", explica a representante. A organização informa que, se tivesse mais financiamento, conseguira alcançar muito mais famílias em outros campos.

Muitas das famílias de Jean Marie Vincent sonham com uma vida melhor, embora surja uma pergunta comum: "se não vamos encontrar trabalho, o que acontecerá conosco?", questiona Naser Uselene.

Após o terremoto de 2010, o Haiti ainda viveu uma dramática epidemia de cólera e furacões devastadores.

Atualmente, este acampamento ainda é uma amostra de um país no qual 76% da população vive na pobreza, mais de 35% não tem acesso à água potável e 22% das crianças com menos de cinco anos sofrem de desnutrição crônica, segundo dados do Programa da ONU para o Desenvolvimento (PNUD).

AFP Todos os direitos de reprodução e representação reservados. 
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