Cassação de Lugo é "golpe de Estado disfarçado", diz Zelaya
23 jun2012 - 17h25
(atualizado em 25/6/2012 às 18h40)
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O ex-governante de Honduras, Manuel Zelaya, derrubado em 28 de junho de 2009, condenou neste sábado a cassação de Fernando Lugo da presidência do Paraguai e a definiu como "um golpe de Estado disfarçado". "No Paraguai ocorreu um golpe de Estado, mas foi disfarçado, não é um golpe militar tão claro como o que fizeram comigo", disse à agência EFE Zelaya. O hondurenho foi deposto e expulso do país quando promovia uma consulta popular com o propósito de reformar a Constituição, apesar de um impedimento legal.
Paraguai vota impeachment de Fernando Lugo; entenda a crise:
Lugo foi cassado na última sexta-feira pelo Senado após um julgamento político e em seu cargo lugar assumiu como chefe de Estado o vice-presidente Federico Franco. Zelaya, que retornou recentemente da República Dominicana onde foi internado no início de maio passado por uma fratura no fêmur condenou a cassação de Lugo. "Os setores políticos conservadores do Paraguai forçaram o presidente Lugo a se render, por isso condeno o atentado contra a estabilidade do Paraguai", ressaltou.
O ex-governante, quem promove a mulher, Xiomara Castro, como candidata presidencial pelo seu partido Liberdade e Refundação (Livre), disse que é "lamentável" que organismos internacionais tenham tão pouco poder para proteger uma democracia. Dessa forma, Zelaya pediu uma revisão a carta democrática da Organização dos Estados Americanos (OEA), e, além disso, dar força à Unasul (União de Nações Sul-Americanas) para respeitar as decisões dos povos ao elegerem um presidente.
Segundo Zelaya, por causa de casos como o do Paraguai é necessário "reforçar a democracia, as instituições e os organismos internacionais para que tenham algum tipo de posicionamento que permita atuar em consonância diante de atos deste tipo". Até o momento, o governo de Honduras, presidido por Porfirio Lobo, não se pronunciou sobre o ocorrido no Paraguai.
Vários países sul-americanos como a Argentina, Equador, Bolívia e Venezuela disseram que não reconhecerão Federico Franco como chefe de Estado do Paraguai por considerarem que a cassação de Fernando Lugo é um golpe de Estado.
Processo relâmpago destitui Lugo da presidência
No dia 15 de junho, um confronto entre policiais e sem-terra em uma área rural de Cuaraguaty, ligada a opositores, terminou com 17 mortes. O episódio desencadeou uma crise no Paraguai, na qual o presidente Fernando Lugo, acusado pelo ocorrido, foi sendo isolado no xadrez político. Seis dias depois, a Câmara dos Deputados aprovou de modo quase unânime (73 votos a 1) o pedido de impeachment do presidente. No dia 22, pouco mais de 24 horas depois, o Senado julgou o processo e, por 39 votos a 4, destituiu o presidente.
A rapidez do processo, a falta de concretude das acusações e a quase inexistente chance de defesa do acusado provocaram uma onda de críticas entre as lideranças latino-americanas. Lugo, por sua vez, não esboçou resistência e se despediu do poder com um discurso emotivo. Em poucos instantes, Federico Franco, seu vice, foi ovacionado e empossado. Ele discursou a um Congresso lotado, pedindo união ao povo paraguaio - enquanto nas ruas manifestantes entravam em confronto com a polícia -, e compreensão aos vizinhos latinos, que questionam a legitimidade do ocorrido em Assunção.
A reação da polícia provocou a morte de 11 camponeses e a consequente crise política e o pedido de impeachment do presidente. Ao aprovar o início do processo político, a Câmara dos Deputados alegou "mau desempenho de funções", um dos motivos pelos quais o presidente pode ser processado, de acordo com a Constituição do Paraguai
Foto: AFP
Fazendeiros e políticos de oposição denunciaram esses procedimentos violentos, próximos à ilegalidade. Na sexta-feira, 15 de junho, seis policiais desarmados foram mortos durante a desocupação de uma propriedade em Curuguaty, 250 km a nordeste de Assunção, possivelmente por franco-atiradores que estavam ao lado dos camponeses
Foto: AFP
Conduzido à política por seu trabalho entre os camponeses, Lugo afirmava, ao assumir a Presidência, que faria uma reforma agrária pacífica. Mas foi abalado por invasões de grupos de camponeses ligados ao governo em propriedades de ricos produtores no leste, região agrícola mais rica do país na fronteira com Brasil e Argentina, onde milhares de colonos "brasiguaios" prosperam
Foto: AFP
Em agosto de 2010, seus médicos anunciaram que ele sofria de câncer linfático, mas afirmaram que ele poderia ser curado. Lugo se submeteu a seis sessões de quimioterapia, reduzindo consideravelmente suas aparições públicas. Ele foi tratado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, por uma equipe de médicos brasileiros e paraguaios
Foto: AFP
A existência de diversos filhos do ex-bispo católico abalaria o apoio popular. Sua popularidade de 93% no momento de sua posse como chefe de Estado caiu para 30% depois dos escândalos em abril de 2009, quando foi obrigado a reconhecer um filho de 2 anos, Guillermo Armindo, de Viviana Carrillo, 24 anos (na foto)
Foto: AFP
A presidência de Lugo foi sacudida por reiteradas denúncias de paternidade feitas por várias mulheres, que pediam exames de DNA por filhos que, segundo elas, tiveram com o mandatário enquanto era bispo de San Pedro, Departamento mais pobre do país
Foto: AFP
Lugo venceu as eleições presidenciais de 20 de abril de 2008 à frente de uma coalizão de partidos de direita e esquerda, a Aliança Patriótica para a Mudança (APC, sigla em espanhol) pondo fim ao partido Colorado, que se confundiu durante seis décadas com o Estado paraguaio
Foto: AFP
Fernando Lugo se reúne com se reúne com o monsenhor Orlando Antonini, representante do Vaticano, em 2008, depois de a Igreja Católica dispensá-lo das funções eclesiásticas do cargo de bispo, o que permitiu a Lugo se candidatar à presidência do Paraguai - que ele acabaria vencendo em 20 de abril
Foto: AFP
Ex-bispo católico, Fernando Lugo foi eleito há quatro anos no Paraguai com promessas de defender as necessidades dos pobres e obteve grande aceitação por parte dos movimentos sociais, especialmente dos camponeses. Defendeu a reforma agrária, questão conflituosa que acabaria levando seu governo a sofrer grandes abalos
Foto: AFP
Nesta sexta-feira, 22 de junho, o Senado paraguaio aprovou o processo de impeachment do presidente Fernando Lugo, que foi destituído do cargo. A votação obteve a maioria absoluta, com 39 votos a favor da condenação, quatro contra e duas abstenções. Trinta votos eram necessários para aprovar o impeachment de Lugo, que agora deve deixar o poder e ser substituído pelo vice-presidente, Federico Franco