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América Latina

Buenos Aires: educação para o trânsito pauta discussões sobre bicicletas

A Argentina registrou 598 mortes de ciclistas em 2012; enquanto autoridades buscam soluções, ciclistas e motoristas vivem uma relação difícil

26 mai 2013 - 10h17
(atualizado em 9/9/2013 às 14h36)
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<p>Ciclistas opinam sobre a relação entre carros e bicicletas em Buenos Aires</p>
Ciclistas opinam sobre a relação entre carros e bicicletas em Buenos Aires
Foto: Matheus Chiaratti / Divulgação

Em março, Federico Morris participava de uma manifestação contra a violência dos motoristas em Buenos Aires quando foi atropelado e arrastado por um taxista irritado com a interrupção no trânsito causada pelo protesto. O incidente ilustra a difícil relação entre carros e bicicletas na capital da Argentina. O que vem gerando debates sobre a regulamentação e a infraestrutura (ou a falta dela) necessária para a coexistência pacífica entre motoristas e ciclistas na cidade - uma realidade muito parecida com a de algumas metrópoles brasileiras, como São Paulo.

Em 2009, o governo da cidade de Buenos Aires implantou um projeto chamado "Melhor em Bici", através do qual criou 100 quilômetros de ciclovias, além de disponibilizar bicicletas grátis em pontos da cidade. Essa gratuidade está com os dias contados, já que a prefeitura acaba de fechar um acordo com uma empresa privada para administrar as "Bici Macri", como ficaram conhecidas.

Apesar de não existir nenhum tipo de regulamentação especialmente dirigida aos ciclistas, o “Melhor em Bici” formulou uma espécie de manual de instruções para o uso da bicicleta na cidade (confira na tabela).

Regras do "Melhor em Bici"
Ceder espaço ao pedestre
Não andar pela calçada
Nunca pedalar na contra-mão dos carros
Manter-se distante pelo 1 metro dos carros estacionados
Sinalizar seus movimentos, como

1) Conversão à esquerda braço esquerdo estendido
2) Conversão à direita, braço direito estendido
3) Sinalizar parada com a mão esquerda levantada

Mesmo com a existência do manual, a Argentina registrou cerca de 598 mortes de ciclistas em  acidentes de trânsito em 2012 - 8% do total de vítimas de violência no trânsito.

“Isso acontece porque falta educação para o trânsito por parte dos ciclistas, pois eles não têm consciência dos riscos que correm. A maioria se comporta como pedestres, não se dá conta de que está conduzindo um veículo”, teoriza o presidente da Associação de Ciclistas Urbanos de Buenos Aires, Néstor Sebastián.

Uma pesquisa realizada pela Associação Luchemos por la Vida, apontou as principais infrações cometidas pelos ciclistas portenhos. Entre os 1.564 ciclistas ouvidos, 92% não respeita a prioridade do pedestre, 71% não para no sinal vermelho, 19% pedala na contramão das faixas, 87% não tem luzes na bicicleta, 61% admitiram a ausência de refletores, 98% não se preocupa em indicar seus movimentos sinalizando-os com os braços.

<p>A capital da Argentina conta com cerca de 100 km de ciclovias</p>
A capital da Argentina conta com cerca de 100 km de ciclovias
Foto: Matheus Chiaratti / Divulgação

Segundo o presidente da Associação que realizou a pesquisa, Alberto Silveira, o governo fomentou a ideia da bicicleta como um transporte alternativo,  mas não pensou que para isso teria que fazer mais do que ciclovias, teria que criar um conjunto de normas que regulem essa prática.

“Ninguém respeita os ciclistas, não existe nenhum policial cuidando para que os limites das ciclovias sejam respeitados, e os ciclistas também não respeitam ninguém e isso acontece porque não existe um sistema de regulação e punação das infrações de trânsito”.

Esse clima de animosinade, segundo Alberto Silveira, tem origem em um sentimento de desigualdade por parte dos motoristas em relação aos ciclistas. “Com o incentivo ao uso da bicicleta parece que o ciclista pode tudo, cruzar no sinal vermelho, dobrar por qualquer lado, ir na contramão, enquanto o condutor têm que respeitar as leis de trânsito. Isso gera um sentimento de desigualdade entre ambos perante a lei, que ocasiona essa aura de tensão”, explica.

Para Alberto,somente a criação de leis e a aplicação de multas pode evitar que mais vidas sejam perdidas na briga por espaço entre bicicletas e carros.

Em São Paulo, o problema é a infraestrutura

A situação de Buenos Aires não é muito diferente de São Paulo. Ambas as metrópoles tentam implantar a cultura das duas rodas e sofrem com a falta de regulamentação e educação para o trânsito. Recentemente, ambas as cidades registraram acidentes graves que ilustram a difícil convivência entre carros e bicicletas. 

A capital argentina sai na frente no quesito infraestrutura. São Paulo possui apenas 58 quilômetros de ciclovia, metade do que oferece Buenos Aires. 

Para a pesquisadora em relações de mobilidade não motorizada e a regulamentação urbanística da Universidade de São Paulo (USP), Letícia Lemos, falta ao governo o entendimento da bicicleta como meio de transporte, já que ela é frequentemente confundida com um objeto de lazer”. A pesquisadora diz ainda que a priorização histórica dos automóveis “criou um conceito de que a rua é deles e para eles, ao contrário do que diz o Código de Trânsito Brasileiro”.

O código de trânsito da cidade de São Paulo prevê punição aos ciclistas que não tenham os equipamentos obrigatórios, além de multa e perda de 4 pontos na carteira do motorista para quem ultrapassar a distância de 1,5 metro ao passar ou ultrapassar uma bicicleta.

Quanto a isso, Letícia é enfática. “Regulamentação existe, até além do necessário, fato que segue a tradição brasileira de excesso de leis. No entanto, muitas vezes pecam por exigir elementos menos relevantes para a segurança do que seria uma infraestrutura adequada”, conclui.

Fonte: Terra
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