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América Latina

Bolívia quer ser alternativa à Europa no fornecimento de gás

O maior exportador de gás da América Latina está interessado em conquistar um dos mercados mais disputados do mundo, mas não tem estrutura para para transportar o produto até seus consumidores

15 abr 2014 - 18h33
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 Bloqueio comercial aos produtos da Rússia, como o gás, pode ser oportunidade para Bolívia
Bloqueio comercial aos produtos da Rússia, como o gás, pode ser oportunidade para Bolívia
Foto: AFP

A crise ucraniana, que ganha contornos cada vez mais sérios após a anexação da Crimeia por parte da Rússia, tem preocupado muitos países, que temem um ressurgimento da Guerra Fria.

Mas, para a Bolívia, o conflito pode representar uma oportunidade econômica. O país é o maior exportador de gás da América Latina e poderia aproveitar a chance para ganhar novos mercados - ainda que tenha muitos entraves a resolver antes disso.

Durante décadas os bolivianos forneceram gás para muitos vizinhos e também são uma importante fonte de combustível para Brasil e Argentina. Mas especialistas acreditam que esse cenário pode mudar em um futuro não tão distante.

A descoberta de uma grande reserva de petróleo na camada do pré-sal, na costa brasileira, e o descobrimento de uma das maiores reservas de gás e petróleo não convencional do mundo na formação de Vaca Muerta, no sudoeste da Argentina, poderiam fazer com que, em alguns anos, esses países já não precisassem tantos do gás boliviano.

Diante dessa possibilidade, a Bolívia sabe que precisa encontrar novos mercados para seu principal produto de exportação - e a crise na Ucrânia poderia dar ao país justamente esta possibilidade.

Dependência da Rússia

Cerca de 65% do gás que a Rússia produz atualmente tem como destino os países europeus, um continente que importa a metade da energia que consome.

Países como a Estônia, Lituânia, Finlândia e Letônia dependem totalmente do gás que chega da Rússia. A principal economia da Europa, a Alemanha, importa da Rússia 36% do gás que consome.

A anexação da Crimeia por parte da Rússia foi considerada uma invasão da soberania ucraniana na visão de Estados Unidos e União Europeia. O governo americano e o bloco europeu impuseram um bloqueio comercial e econômico ao governo de Vladimir Putin, incluindo a redução das importações do setor de energia.

Para a Bolívia, pode ser uma oportunidade única para ganhar um dos mercados mais disputados do mundo, como admitiu o vice-presidente do país, Álvaro García Linera.

"Temos que diversificar os mercados e estamos nisto", afirmou na semana passada durante visita a Praga.

A Bolívia precisa buscar "outros lugares para começar a mandar" seu gás natural, acrescentou García Linera, depois de prever que "daqui a cinco ou dez anos (a Argentina) vai inundar a América Latina com gás", graças à exploração em Vaca Muerta.

Sem saída?

A perspectiva é boa, mas o governo boliviano ainda precisa resolver outro problema: como levar o gás pelo mar até a Europa?

O principal problema da Bolívia é geográfico: o país não tem saída para o mar.

Seu acesso à costa do Pacífico se dá graças a um convênio com o Chile, que permite o uso dos portos ao norte do país.

A maioria das exportações bolivianas saem pelo porto de Arica, que é uma zona franca. Mas ali a Bolívia não conta com infraestrutura própria e paga para usar as instalações.

Além disse, a relação com o Chile passa por um momento delicado. Em 2013, La Paz entrou com uma demanda na Corte Internacional de Justiça em Haia contra Santiago, exigindo parte do território que perdeu na Guerra do Pacífico (1879-1883) e que deixou o país sem saída para o mar.

É improvável que uma resolução de Haia, mesmo que totalmente favorável à Bolívia, possa resolver o problema da falta de um porto próprio no curto prazo.

Nos últimos anos surgiram diversas propostas para dar à Bolívia o acesso à costa do Pacífico. Algumas delas eram bem criativas, como a construção de um túnel na fronteira entre o Chile e o Peru. Até agora nenhum destes projetos avançou.

E, mesmo que alguma proposta tivesse avançado, existe outro problema: a saída para o mar seria para o Oceano Pacífico, o que não resolve os problemas de conexão com a Europa.

Até o Atlântico

A ideia de conseguir o acesso até o Oceano Atlântico também foi desenvolvida pelo governo da Bolívia. O presidente, Evo Morales, fez uma proposta a respeito pessoalmente ao governo do Uruguai em 2009.

Mas a ideia, que consistia em trocar o acesso aos portos uruguaios pelo fornecimento do gás do país em condições preferenciais, também não foi negociada.

O problema não é apenas firmar um acordo com o país que tenha acesso ao mar. O governo da Bolívia admitiu à BBC Mundo que, mesmo que tivesse um porto, não teria condições de transportar gás até lá.

"A realidade é que, neste momento, o país não está preparado para exportar hidrocarbonetos para novos mercados ultramarinos, porque não há infraestrutura para transportar o produto até a costa", disse um porta-voz do Ministério dos Hidrocarbonetos.

A saída mais próxima do mar, pelo Pacífico, iria requerer a construção de cerca de 2 mil quilômetros de gasodutos, através da Cordilheira dos Andes, desde o ponto de extração do gás, no leste do país.

Reservas

Alguns dos que acreditam que os desafios enfrentados pela Bolívia para fornecer gás para a Europa excedem até a falta de infraestrutura e a ausência de um porto próprio.

Segundo o economista Carlos Toranzo, da Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FEZ), em La Paz, a falta de investimentos na exploração durante os últimos oito anos poderia significar que, em um futuro próximo, a Bolívia não conte com as reservas de gás necessárias para abastecer outros mercados.

"Com as reservas que temos hoje nem mesmo poderemos cumprir com nosso acordos atuais com Brasil e Argentina", disse o economista à BBC Mundo.

O presidente da petroleira estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), Carlos Villegas, rejeitou as acusações, afirmando que as exportações para o Brasil e Argentina estão garantidas até 2023 e garantiu que o país planeja quadruplicar suas reservas atuais, com investimentos de US$ 16 bilhões até 2025.

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