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América Latina

Artesão brasileiro vende bonecos de Mujica no Uruguai

Cada miniatura vem com uma frase do presidente mais gente boa do mundo; estande será montado na festa de despedida do presidente

26 fev 2015 - 08h52
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"Viver melhor não é ter mais, mas ser mais feliz", frase tipicamente mujiquiana
"Viver melhor não é ter mais, mas ser mais feliz", frase tipicamente mujiquiana
Foto: Arquivo pessoal

Celebrado como o mais pobre presidente do mundo, o uruguaio José Pepe Mujica logo refutou o título, rebatendo com uma de suas declarações marcantes: “Não sou o mais pobre do mundo. Pobres são aqueles que precisam de muito para viver. Eu tenho o suficiente”. Mas nem a humildade do ex-guerrilheiro tupamaro poderia renegar outro título que anda nas bocas de admiradores seus ao redor do planeta, o de chefe de Estado mais fofo do mundo. Aliando essa fofura cativante às frases certeiras que fazem pensar e pôr em xeque a vida que se leva nesta tirania do mercado (palavras de Pepe), um brasileiro com raízes uruguaias resolveu facilitar o desejo de muitos fãs do presidente cisplatino que encerra o mandato neste fim de semana: levar um pouco da ternura anciã e revolucionária de Mujica pra casa.

O sociólogo, artesão e videomaker porto-alegrense Gonzalo Graña anda em terras uruguaias vendendo miniaturas do presidente daquele país feitas em papel machê. Todas elas acompanhadas de uma frase de Mujica exaltando a vida simples e combatendo o império do consumismo vigente nos dias atuais. “Viver melhor não é só ter mais, mas ser mais feliz” e “Ser livre é gastar a maior quantidade de tempo de nossa vida com aquilo que gostamos de fazer”, são alguns dos mantras socialistas-libertários que o uruguaio proferiu um dia e Gonzalo grafou nas plaquetas que os Mujiquinhas de 8 cm feitos em papel machê seguram. Tudo em espanhol, por supuesto.

Antes de ir pro Uruguai, miniaturas foram vendidas em Porto Alegre e no Rio de Janeiro, como nesta foto
Antes de ir pro Uruguai, miniaturas foram vendidas em Porto Alegre e no Rio de Janeiro, como nesta foto
Foto: Arquivo pessoal

“A história com os bonecos começou lá por 1994. Meu pai era publicitário e sempre empreendeu atividades manuais, de modelagem. Em 1992, abandonou o mercado e começou a se dedicar a produzir marionetes. Logo em seguida eu estava trabalhando junto a ele, com 15 anos de idade, em Porto Alegre”, relata Gonzalo, vai saber se percebendo ou não que seguiu na prática e antecipadamente o ensinamento de Mujica sobre ser livre. Com efeito, a ideia de produzir pequenos Pepe nasceu por causa do efeito que as frases do presidente exerceram sobre o artesão. “É para ser uma linha de bonecos que acompanhem uma frase, um pensamento, sempre defendendo uma ideologia de esquerda ou de pensamento social crítico”, define Gonzalo. “A temática de celebrar o Mujica era algo que vinha realizando com vídeos em Porto Alegre, ‘Tuas palavras são minhas’. Oferecia as frases para as pessoas citarem em vídeo”, conta (Veja aqui um desses vídeos).

Gonzalo e o pai produzem uma média diária de 25 cópias
Gonzalo e o pai produzem uma média diária de 25 cópias
Foto: Arquivo pessoal
Solidariedade mujiquiana

Filho de uruguaios, o sociólogo começou a produzir os bonecos no fim do ano passado em Porto Alegre e vender para amigos. Depois, passou uma temporada no Rio de Janeiro, onde expunha o trabalho em feiras, junto com sua companheira, a produtora cultural Patrícia Olivieri. Em janeiro, foi ao Uruguai como de costume para visitar o pai, Daniel Graña, que voltou a morar no país natal – em La Paloma – há dez anos. Começou a estender os miniPepes em um banquinho na Plaza Independencia, em Montevidéu. Ali, viveu o episódio mais mujiquiano de sua jornada. Conta, Gonzalo!

“Nessa ocasião, um casal se interessou muito (pelos bonecos), e eu e Patrícia perguntamos se eles tinham alguma dica de hostel (albergue) barato. Nos passaram algumas informações e foram embora. Dez minutos depois, voltaram e nos convidaram para jantar e nos hospedar na casa deles, a três quadras dali, no bairro Ciudad Vieja. Eu fiquei pasmo com o convite, a naturalidade da hospitalidade com estranhos brasileiros, e topamos. No dia seguinte foram trabalhar e deixaram a chave do apartamento conosco. Pablo e Catherina, chamam-se”, conta, entusiasmado em relembrar a hospitalidade solidária e inesperada. “Como de praxe, ao me despedir deles deixei um Mujica de regalo, mesma prática que havia feito no Rio de Janeiro, nas casas de pessoas que me hospedaram. O bonequinho virou quase uma moeda de troca em certas ocasiões, e todo mundo adora”, jacta-se o artesão.

Bonecos trazem frases de Mujica que ficaram famosas
Bonecos trazem frases de Mujica que ficaram famosas
Foto: Arquivo pessoal

Gonzalo vê no ato do casal que os hospedou um gesto “singelo como o homem que represento nos bonecos, simboliza exatamente a simplicidade, porém de muita grandeza, que pode ser um ato solidário”. Mais Mujica que isso, impossível. Não há dúvida de que ele gostaria mais de servir de pagamento espontâneo a uma hospedagem solidária do que ser trocado pelo vil metal.

Depedida a Pepe na Plaza Independecia

É nesta mesma Plaza Independencia, no centro da capital do país dos deliciosos asados, vinos e dulces de leche, que Gonzalo botará sua banca nesta sexta, dividindo-se entre o artesão e o admirador para o evento de despedida de Mujica, que passará o cargo para seu correligionário Tabaré Vázquez. Anunciado como um grande evento – falou-se até em apresentação de Caetano e Gil e outros tantos artistas uruguaios – a ideia logo foi refutada pela humildade do homenageado. “É o governo que termina que deve fazer uma homenagem a seu povo, e é por isso, compatriotas, que queremos convidá-lo a um encontro que é institucional e protocolar”, disse o dono da cadelinha de três patas chamada Manoela e de um fusquinha azul em seu site oficial, pepemujica.uy.

Artesão expõe miniaturas em feira de La Paloma, Uruguai
Artesão expõe miniaturas em feira de La Paloma, Uruguai
Foto: Arquivo pessoal

Gonzalo e o pai trabalharam muito nos últimos dias para produzir cerca de 60 Pepezitos que serão vendidos no ato de homenagem. Os bonecos são feitos a partir de uma matriz trabalhada em massinha de modelar. Desta original, tira-se um negativo de borracha silicone do qual se produzidas as cópias em papel machê. “Digamos que dá para fazer umas 25 cópias por dia, e depois se necessita mais dois dias para lixar, pintar, envernizar e colocar os adereços”, explica o artesão.

Ele nunca fez a contabilidade das vendas, mas diz que o retorno financeiro “está sendo um excelente auxílio-sobrevivência”. Cada boneco é vendido a 300 pesos uruguaios (equivalente a cerca de R$ 35). “Espero vender bem na sexta-feira em Montevidéu, no evento de despedida”, projeta. Eles também produzem e vendem miniaturas da personagem Mafalda, criação do cartunista argentino Quino, e marionetes.

Na sexta, o viejo Graña vai junto para auxiliar nas vendas, já que Gonzalo também aproveitará a reunião de admiradores do ex-tupamaro para captar em vídeo relatos sobre a lei da maconha, um dos legados progressistas do governo Mujica. “Estou colhendo material para um pequeno documentário sobre o tema.”

Um governo pelas liberdades sociais

O que mais atrai em Gonzalo na figura e no governo de Mujica são os avanços que ele proporcionou aos uruguaios – e que viraram exemplos para o mundo – no campo das liberdades individuais. “Minha opinião é que este governo implementou uma série de políticas que retificam a questão do Estado laico uruguaio, isso é muito importante para o próprio país e para servir como referência para muitas nações”, observa, citando a legalização do aborto e da maconha. “O fundamental é que a religião e qualquer outro tipo de convicção moral não entra no juízo para aplicar leis de liberdade social”, analisa, deixando de lado o coração de artista e empertigando as lentes de sociólogo. “Não há essa influência destrutiva e retrógada na política, apesar de haver gente retrógada, como em qualquer lugar. Ou seja, no Uruguai, o campo político está à frente, é mais arrojado, não se deixa frear para impor políticas sociais por entraves morais.”

Falando especificamente de Mujica – o homem, não a estatueta de papel machê – Gonzalo define: “Ele é um personagem, muito carismático, muito rústico. Mas o personalismo dele é de outro tipo, ele quer inculcar ideias que perdurem além de uma gestão governamental, sem chavões desenvolvimentistas. Só quer que as pessoas tenham mínimas condições de alimentação, educação e liberdade”.

O artesão, ou seria o sociólogo?, adora observar a reação do público ao ver o batalhão de Mujiquinhas empunhando frases em suas exposições. “Tem gente que dá risada, tem gente que encara como algo muito sério e, claro, tem os reacionários ou os de extrema esquerda que não gostam”, diverte-se, lembrando de uma vez que quase perdeu uma venda de uma marionete porque o cliente, se dizendo “anarquista”, se incomodou com os Pepes no estande. “Era um sapinho que abre a boca e come uma mosca. Ele passou, depois voltou e disse que apesar disso ia levar uma marionete”, conta.

No mundo de Pepe Mujica tem espaço para a convivência com anarquistas e anfíbios comedores de insetos. Inclusive, todos estão convidados para a festa da Plaza da Independencia, em que o presidente mais fofo do mundo quer dar “un abrazo simbólico a todo el pueblo uruguayo” antes de, a bordo do fusca azul, se recolher a sua chácara para desfrutar seu mate e cuidar da sua horta na companhia da esposa Lucía Topolansky – ex-guerrilheira como ele – e da cadelinha Manoela.

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Fonte: Terra
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