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África

Irmandade Muçulmana vive o maior desafio de sua história, dizem analistas

Após sair de anos de marginalidade para assumir a presidência do Egito, grupo enfrenta o desafio de participar do amadurecimento democrático do país ou ser jogada novamente às sombras caso opte pela violência

6 jul 2013 - 09h09
(atualizado em 9/9/2013 às 15h48)
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Projeção na praça Tahrir comemorando o fim do governo da Irmandade Muçulmana: game over
Projeção na praça Tahrir comemorando o fim do governo da Irmandade Muçulmana: game over
Foto: AFP

Desde sua fundação, em 1928, a Irmandade Muçulmana passou por diversas lutas por sua sobrevivência em meio ao cenários políticos conturbados do Egito e da região do Oriente Médio. Falando ao Terra, analistas descrevem que o movimento islâmico mais antigo do mundo árabe passa por mais uma batalha por sua existência após a derrubada de seu membro Mohamed Mursi como presidente do Egito. 

Segundo eles, as opções do grupo passam também pela reação das lideranças políticas e militares frente à Irmandade – marginalizá-la e levar seus membros mais extremistas à violência, ou integrar o movimento à sociedade e a um futuro processo de reconciliação nacional.

Além disso, dizem os analistas, claramente rejeitada por uma boa parcela da sociedade egípcia, a Irmandade deverá repensar suas políticas e se reinventar caso queira sobreviver a esta nova etapa do árduo caminho democrático pelo qual o Egito vem passando desde a derrubada do regime de Hosni Mubarak, em 2011.

"Por mais de oito décadas, o Egito viu confrontos entre a Irmandade Muçulmana e regimes seculares, em que a maioria dos egípcios se mantiveram como espectadores. Mas agora, uma vez no poder, a Irmandade se viu em choque contra uma vasta parcela da população do Egito, que foi às ruas em peso para exigir a saída de Mursi e anunciar categoricamente a rejeição à ideologia do movimento islâmico”, disse Ahmed Abdel-Hafeez, analista do Centro Al Ahram para Estudos Estratégicos do Cairo. 

Segundo ele, os amplos protestos contra Mursi não foram apenas baseados no desempenho ruim da economia, falta de serviços e combustíveis e cortes de energia, mas também na rejeição às tentativas da Irmandade Muçulmana, na visão do povo mais secular, de transformar o Egito em um Estado islâmico.

“Com essa rejeição plenamente demonstrada nas ruas e cujo resultado foi a intervenção militar para retirar Mursi do poder, a Irmandade certamente passará por reformas. Caso se mantenha na velha ideologia, já testada e fracassada, o movimento corre um riscod e cair no ostracismo”, completou Abdel-Hafeez.

Mas ele alerta, no entanto, que militares e lideranças políticas não devem marginalizar a Irmandade, já que possuem uma base de apoiadores muito forte entre a população egípcia. “Essas vozes não podem ser ignoradas, sob o risco de cometerem o mesmo erro de Mursi, de Não ouvir o outro lado”.

Os protestos que exigiam a saída de Mursi do poder no último domingo, dia 30, se estenderam durante a semana, levando as Forças Armadas do Egito a dar uma prazo de 48 horas para que oposição e governo chegassem a um acordo para pôr fim à crise. Sem uma solução, os militares anunciaram a deposição de Mursi, suspenderam a Constituição, a formação de um governo provisório e a nomeação de um juiz da Corte Constitucional para presidir o país de forma temporária.

Mohamed Mursi, o primeiro presidente democraticamente eleito no Egito, deposto no dia 3 de julho
Mohamed Mursi, o primeiro presidente democraticamente eleito no Egito, deposto no dia 3 de julho
Foto: AFP

Violência e rixas internas

Marginalizada e condenada à ilegalidade pelos governos de Gamal Abdel Nasser, Anwar al Sadat e Hosni Mubarak, a Irmandade Muçulmana passou por diversos momentos de perseguição e prisões sistemáticas de seus seguidores nos seus 85 anos de existência.

Em alguns desses momentos, o movimento usou de violência como resposta à sua marginalização, como ataques contra estrangeiros e alvos do governo nos anos 80 e 90.

Segundo Fahmy Salem, analista político do Centro de Estudos para Democracia do Cairo, a possibilidade da Irmandade apelar para a violência como resposta aos resultados desta semana no Egito é real, mas deixará seu futuro mais complicado.

“Se o movimento optar pela violência, enfrentará não apenas uma forte reação do exército e uma proibição de suas atividades públicas, mas provavelmente sofrerá represálias de cidadãos comuns que não tolerariam suas tentativas de impor suas visões islâmicas no público em geral”, explicou Salem.

Após o comunicado da destituição de Mursi do poder, o presidente e vários líderes da Irmandade Muçulmana e de seu braço político, o partido Liberdade e Justiça, foram presos pelas forças de segurança. 

De acordo com o professor de Ciência Política da Universidade do Cairo, Nevine Mosaad, a prisão de líderes da Irmandade é um erro das autoridades e que poderia levar à sua marginalização, o que “não seria benéfico para o Egito”. 

No entanto, segundo ele, o movimento deve passar por profundas reformas depois da perda do poder e a prisão de alguns de seus principais líderes. “A Irmandade provavelmente passará por divisões internas e rixas entre seus membros ativistas mais jovens, que há muito tempo queriam um grupo mais aberto e democrático para o mundo externo, e a elite mais velha e conservadora, devota de uma ideologia que a maioria dos egípcios mostrou claramente que rejeita com apenas um ano de Mursi no poder”, enfatizou Mosaad ao Terra.

O general Abdelfatah al-Sisi, durante o pronunciamento na TV em que comunicou a deposição de Mursi
O general Abdelfatah al-Sisi, durante o pronunciamento na TV em que comunicou a deposição de Mursi
Foto: AFP

União

Mesmo sob repressão de governos anteriores, a Irmandade aumentou sua influência junto às massas, especialmente entre as parcelas mais pobres da população. Agora, segundo o colunista político Khalil Al-Anani, do diário Al Ahram, a Irmandade também enfretará um dilema de como lidar com sua imagem  e manter-se unida após os erros e políticas falhas ao longo de um ano no poder.

“A deposição de Mursi poderá fragmentar a Irmandade e criar discussões internas sobre a quem culpar pelos fracassos, podendo levar jovens membros a abandonar o grupo. Por isso, uma das lutas do movimento será a de manter suas fileiras unidas e intactas”, escreveu Al-Anani em sua coluna no jornal egípcio.

Entretanto, o colunista não acredita que a Irmandade Muçulmana optará pela violência como no modelo seguido pelos islamistas na Argélia, no anos 90, quando os militares anularam os resultados da eleição ganha pelos partidos islâmicos, o que levou a anos de uma sangrenta guerra civil.

“Acho improvável que aconteça no Egito o que se passou na Argélia por várias razões: a deposição de Mursi não se deu primeiramente porque ele era um islamista, mas porque seu grupo falhou em liderar o país durante o período pós-revolução. Além disso, a Irmandade não tem um apoio de todos os islamistas, como por exemplo o partido Nour, dos salafistas, que se juntou à oposição pedindo antecipação de eleição presidencial”, escreveu ele.

Al-Anani também citou que “outros grupos islâmicos mais conservadores mostravam-se insatisfeitos com Mursi por ele não ter decretado a Sharia (lei islâmica) no país e por ter posições ideológicas fracas, na visão deles.”

A Irmandade, segundo os analistas ouvidos, está em um posição de isolamento, porém, são unânimes em salientar que o movimento não pode ser subestimado. “a Irmandade Muçulmana já passou por diversos desafios desde sua fundação e sobreviveu. Certamente, este é o maior de todos, mas ninguém pode duvidar de sua força dentro da sociedade egípcia”, alertou o analista Fahmy Saleh.

Fonte: Terra
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