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Mundo

Morto na Líbia, Kadafi era famoso por tirania e excentricidades

20 out 2011 - 11h20
(atualizado às 15h50)
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O ex-líder líbio Muammar Kadafi, deposto após governar o país com mão de ferro por 42 anos, morreu nesta quinta-feira, aos 69 anos, durante a ofensiva rebelde contra sua cidade natal, Sirte. Fiel à sua reputação de indivíduo combativo e desafiador, Kadafi ignorou até o fim os chamados da comunidade internacional e dos rebeldes para se render.

Vídeo mostra suposto corpo de Kadafi em Sirte:

Considerado o ditador árabe que permaneceu por mais tempo no poder, Kadafi foi deposto após uma revolta de mais de seis meses, em meio à chamada "Primavera Árabe", seguindo os passos do tunisiano Zine al Abidine Ben Ali e do egípcio Hosni Mubarak.

No dia 1º de setembro de 1969, aos 27 anos, liderou o golpe de Estado que depôs, sem derramamento de sangue, o velho rei Idris. Em 1977, proclamou a "Jamahiriya", que definiu como uma "República de Massas" governada por meio de comitês populares eleitos, e concedeu a si mesmo o título de "Guia da Revolução".

Seu relacionamento com o resto do mundo era problemático. Kadafi tornou-se um pária internacional após ser vinculado ao atentado contra um avião americano no céu de Lockerbie, na Escócia (270 mortos em 1988), e contra um avião francês no Níger (170 mortos em 1989).

Mas, para surpresa de todos, em 2003 aceitou pagar indenizações às famílias das vítimas e anunciou que renunciava a qualquer tipo de vínculo com atividades terroristas, assim como o desmantelamento de seus programas secretos de armas de destruição em massa, dando início à sua reconciliação com a comunidade internacional.

Entretanto, com a revolta crescente da população e constantes denúncias de violação dos direitos humanos, Kadafi passou a ser perseguido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra a humanidade cometidos em seu país desde o início da rebelião, no dia 15 de fevereiro.

Juventude e chegada ao poder

Kadafi, o veterano entre os líderes árabes e africanos, nasceu - segundo sua própria lenda - em uma tenda beduína no deserto de Sirte em 1942, em uma família de pastores da tribo dos Gadafa. Ingressou na Universidade de Benghazi para estudar geografia, mas abandonou os estudos para entrar no Exército.

Após o golpe de 1969, instaurou uma política baseada nos ideais anti-imperialistas, misturados a aspectos do islamismo. Enquanto o Estado permitia o controle privado de pequenas companhias, cabia ao governo o domínio das principais empresas do país.

Kadafi declarou sua admiração por Gamal Abdel Nasser, por seu nacionalismo pan-árabe, e várias vezes expressou sua simpatia por Mao Tse-Tung, Josef Stalin e Adolf Hitler. Como um membro de destaque do movimento dos países não-alinhados durante a Guerra Fria, Kadafi tentou moldar o sistema político líbio de uma forma que, segundo ele, fosse uma alternativa tanto ao capitalismo quanto ao comunismo.

O ex-líder líbio propôs a criação dos Estados Unidos da África, no qual o continente teria "uma única força militar africana, uma única moeda e um único passaporte para que os africanos pudessem viajar pelo continente". O projeto não decolou, embora algumas de suas ideias tenham influenciado a criação, em 2002, da União Africana - órgão presidido por Kadafi entre 2009 e 2010. Em 2008, um encontro de monarcas africanos proclamou Kadafi o "rei dos reis" do continente.

Vinculação com o terrorismo

Ao longo de seu governo, Kadafi reforçou sua posição anti-imperialista, financiando movimentos independentes contra potências em todo o mundo. O ex-líder líbio foi acusado de dar suporte a grupos terroristas em diversos países, incluindo as FARCs colombianas e o IRA, na Irlanda do Norte.

Um dos atentados atribuídos a Kadafi foi a explosão de uma bomba em uma boate de Berlim, em 1986, na qual dois soldados americanos morreram. As mortes motivaram um ataque das Forças Armadas dos Estados Unidos a Trípoli e Benghazi, matando 35 líbios. O então presidente americano, Ronald Reagan, chamou Kadafi, na ocasião, de "cachorro louco".

A explosão do Boeing 747 da Pan Am em Lockerbie, na Escócia, é possivelmente o incidente controverso mais famoso envolvendo Kadafi. Por diversos anos, o ditador líbio negou participação no atentado, o que não impediu que a Organização das Nações Unidas (ONU) impusesse uma série de sanções à Líbia. Abdel Basset al-Megrahi, um agente da inteligência líbia, foi condenado por supostamente ter plantado a bomba na aeronave.

Fim do embargo e controvérsias

Em 2003, o regime de Kadafi aceitou formalmente a responsabilidade pelo ataque e indenizou as famílias das vítimas. No mesmo ano, o coronel pôs fim ao isolamento da Líbia ao anunciar a desativação de todas as armas de destruição em massa do país. Em setembro de 2004, o então presidente americano, George W. Bush, encerrou formalmente o embargo comercial à Líbia.

Com o fim das barreiras comerciais, os anos seguintes foram de crescimento da economia líbia, beneficiando, sobretudo, a indústria petrolífera do país.

Entretanto, o atentado de Lockerbie voltou à tona em 2009, quando al-Megrahi foi libertado de um presídio escocês após alegar problemas de saúde. Ao retornar à Líbia, o terrorista foi recebido por Kadafi como um herói nacional, o que motivou críticas dos Estados Unidos e do Reino Unido.

Em setembro de 2009, Kadafi visitou os Estados Unidos para participar de sua primeira Assembleia Geral da ONU. Seu discurso, inicialmente previsto para durar 15 minutos, acabou se estendendo por mais de uma hora. O ex-líder líbio rasgou uma cópia da Carta da ONU, acusou o Conselho de Segurança de ser um órgão terrorista similar à al-Qaeda e exigiu o pagamento de US$ 7,7 trilhões à África como indenização pelo período colonial.

Excentricidade

O estilo de vida de Kadafi, seus trajes tradicionais, sua maneira caprichosa de exercer o poder neste imenso e rico país petroleiro, pouco povoado, resultaram inconsistentes e imprevisíveis para os ocidentais e também para os árabes.

Com a saariana cáqui, um uniforme militar adornado com dourados, ou com a "gandura", a túnica dos beduínos, Kadafi gostava de receber autoridades em uma tenda, em Sirte ou no pátio de sua residência-quartel de Bab el Aziziya, no centro de Trípoli.

Este sedutor apreciava a companhia feminina e com frequência se apresentava rodeado de mulheres com uniforme militar, suas "amazonas". Alimentava-se de forma frugal, sobretudo com leite de camelo.

Personagem teatral, costumava se distinguir por atos e palavras que divertiam as pessoas, mas também lançou insultos contra seus homólogos árabes e elaborou teorias muito pessoais sobre a história e os homens. Em uma cúpula árabe, em 1988, utilizou uma luva branca apenas na mão direita e explicou que queria deste modo evitar apertar "mãos manchadas de sangue".

Insurreição líbia culmina com queda de Sirte e morte de Kadafi

Motivados pelos protestos que derrubaram os longevos presidentes da Tunísia e do Egito, os líbios começaram a sair às ruas das principais cidades do país em fevereiro para contestar o coronel Muammar Kadafi, no comando desde a revolução de 1969. Rapidamente, no entanto, os protestos evoluíram para uma guerra civil que cindiu a Líbia em batalhas pelo controle de cidades estratégicas de leste a oeste.

A violência dos confrontos gerou reação do Conselho de Segurança da ONU, que, após uma série de medidas simbólicas, aprovou uma polêmica intervenção internacional, atualmente liderada pela Otan, em nome da proteção dos civis. No dia 20 de agosto, após quase sete meses de combates, bombardeios, avanços e recuos, os rebeldes iniciaram a tomada de Trípoli, colocando Kadafi, seu governo e sua era em xeque.

Dois meses depois, os rebeldes invadiram Beni Walid, um dos últimos bastiões de Kadafi. Em 20 de outubro, os rebeldes retomaram o controle de Sirte, cidade natal do coronel e foco derradeiro do antigo regime. Os apoiadores do CNT comemoravam a tomada da cidade quando os rebeldes anunciaram que, no confronto, Kadafi havia sido morto. Estima-se que mais de 20 mil pessoas tenham morrido desde o início da insurreição.

Com informações de Al Jazeera e agências internacionais.

Fonte: Terra
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