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Mundo

Jornalista relata tensão antes de libertação em hotel líbio

25 ago 2011 - 16h20
(atualizado às 16h44)
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"As resevas de comida vão acabar logo, não tem mais água nem eletricidade". Imed Lamloum, jornalista da AFP, passou meses no hotel Rixos em Trípoli, onde o regime confinou a imprensa internacional, e contou sobre as últimas horas no Rixo antes da "libertação" dos rebeldes. "São 6h da manhã (1h de Brasília), quarta-feira, eu não durmo. Estou na companhia de um colega da televisão árabe. Um atirador que passava a noite em um dos quartos do hotel foi acordado por um dos guardas. Ele desceu lentamente, com um fuzil e uma kalachnikov pendurados nos ombros.

O jornalista Imed Lamloum, correspondente da AFP na Líbia, em foto de arquivo em seu escritório de Trípoli
O jornalista Imed Lamloum, correspondente da AFP na Líbia, em foto de arquivo em seu escritório de Trípoli
Foto: AFP

Um outro homem armado sai de um quarto que fica próximo da rua com um saco de munições e se dirige para a porta de saída. Os guardas decidiram abandonar o lugar? Nós acordamos nossos colegas que começaram a se aventurar no exterior, observando o entorno. Parece que todo mundo partiu. No estacionamento do hotel, ficamos cegos com a luz do sol que víamos pela primeira vez depois de quatro dias da entrada dos rebeldes em Trípoli. Os rostos relaxam. O fim do pesadelo parece próximo.

De repente, Hicham, um dos homens que montavam guarda no hotel, aparece vindo de lugar nenhum. Ele aponta a sua Kalachnikov na direção dos jornalistas. "Entrem! Vocês não podem sair. É perigoso para vocês". Alguns tentavam se aproximar, mas ele parecia cada vez mais ameaçador. Os jornalistas voltam para o hotel, ainda mais depois que outro guarda apareceu. O alívio durou pouco.

Duas horas depois, Paul Schem, um outro jornalista que estava em Trípoli, se junta a nós no Rixo depois de convencer um dos guardas, Hicham, a deixá-lo entrar. Os jornalistas negociam com Hicham para que ele deixe um de nós sair com Paul para comprar cigarros, faltava até para ele. Eu me ofereço como voluntário.

Na parte de fora, os combates podem ser ouvidos no perímetro do hotel, que não fica longe da residência do coronel Muammar Kadafi, no coração de Trípoli. Nada de carros. O motorista que trouxe Paul ficou com medo e fugiu do lugar. De repente outros jornalistas chegam em um carro cheio de bandeiras da revolta. Vermelho, preto e verde. "São ratos", gritam os dois guardas apontando suas armas, usando a expressão empregada por Kadafi para designar os rebeldes.

Quatro jornalistas ocidentais e seu motorista líbio descem. O motorista é colocado de bruços pelo guarda que ameaça atirar nele. Os tiros são cada vez mais altos no entorno do hotel. A tensão é máxima. Decidimos finalmente sair a pé e procurar um carro nas ruas desertas onde eram ouvidas as rajadas de kalachnikov. Depois de passar seis meses no Rixos, no coração da máquina de propaganda do regime, eu vejo pela primeira vez a bandeira da rebelião tremular em Trípoli... a 500 m do hotel.

Pegamos um carro em direção ao centro da cidade. Todas as lojas estão fechadas. Decidimos ir ao Corinthia, um outro hotel do centro da cidade onde estão abrigados jornalistas que chegaram com a "libertação de Trípoli". No hotel, encontro colegas e um deles me oferece um maço de cigarros.

Telefono para minha mulher para assegurar a ela que estou bem. Em lágrimas, ela me suplica para eu não voltar ao hotel. Como eu, ela não dorme faz quatro dias, passando de um canal ao outro e seguindo os tweets de dois jornalistas que estão no Rixos e que possuem uma conexão via satélite. Desde sexta-feira, eu só pude telefonar com um telefone via satélite, de bruços no telhado do hotel com balas cruzando o céu e de vez em quando a minha cabeça.

Duas horas depois, um motorista aceita enfim me deixar perto do Rixos, mas no meio do caminho minha mulher conseguiu me ligar: um tweet acabou de anunciar a libertação dos jornalistas do Rixos. Eu pego o caminho de volta para Corinthia onde espero a chegada dos colegas. Durante minha ausência do hotel, dois jornalistas que falam árabe conseguiram convencer Hicham de abandonar sua arma e ir embora com uma missão de evacuação da Cruz Vermelha que prometeu proteger os dois guardas.

Os jornalistas então falaram com os rebeldes, entre eles se encontrava um antigo "guia" de imprensa do regime. A operação finalmente foi realizada sem nenhum incidente. A emoção é intensa, alguns jornalistas choram. Os dois guardas também puderam deixar o hotel em um dos ônibus da Cruz Vermelha. Promessa cumprida.

Depois que soube que o hotel tinha sido tomado pelos rebeldes, decidi retornar para pegar minhas coisas. Em companhia de outros colegas parti. Rebeldes se apresentaram para nos levar. O hotel foi libertado sem combate. A bandeira vermelha, verde e preta da revolta estava pendurada na entrada. Os rebeldes guardam cuidadosamente todos os pertences dos jornalistas, incluindo alguns milhares de dólares. Nada faltou".

AFP Todos os direitos de reprodução e representação reservados. 
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