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África

Egito se desmancha entre diferenças irreconciliáveis

26 jan 2013 - 23h40
(atualizado às 23h54)
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Os fatos sangrentos que nos dois últimos dias sacudiram várias cidades do Egito deixaram em evidência as diferenças cada vez maiores que separam sua população. O panorama político no país é de uma enorme complexidade, e um dos principais motivos é porque todos seus protagonistas têm parte de razão.

É certo que o presidente, Mohammed Mursi, e a Irmandade Muçulmana ganharam, por meios lícitos e de forma democrática, todas as eleições de que participaram. Também é certo que, uma vez instalados nas altas esferas, como diz a oposição, utilizaram seu poder como um rolo para tentar formar um Estado a sua medida.

O grande paradoxo do Egito de hoje em dia é que tanto islamitas como não islamitas, governo e oposição, se acusam mutuamente de exatamente o mesmo: ser antidemocrata e querer boicotar a revolução que derrubou Hosni Mubarak em 2011.

A interpretação estreita que Mursi e a Irmandade fizeram do poder alcançado através das urnas, com atuações polêmicas como o "decretaço" constitucional do presidente em novembro, não contribuiu para modelar uma imagem de autênticos democratas.

Existem dúvidas mais do que razoáveis sobre a agenda que a Irmandade persegue, uma organização acostumada ao obscurantismo desde sua mesma origem no ano de 1928, e de suas concepções acerca da democracia. Também não falta razão para quem defende que foi o próprio Mursi que contribuiu de forma decisiva para a polarização vivida atualmente pela sociedade, sem levar em conta sua vitória eleitoral apertada, com 51% dos votos, nas eleições presidenciais de sete meses atrás.

No entanto, no amálgama opositor - formado por um grupo heterogêneo de interesses que mistura liberais, esquerdistas, cristãos e nostálgicos do antigo regime - muitos parecem não ter digerido que, hoje, as forças islamitas são as mais organizadas para ganhar eleições. E o fazem de forma limpa. Afinal de contas, a Irmandade Muçulmana se preparara durante décadas para chegar ao poder, e o respaldo popular que têm nas ruas ainda é inegável, apesar aos últimos eventos.

Os graves distúrbios vividos pelo Egito darão combustível à Irmandade para acusar seus rivais de não respeitar a vontade do povo e de querer recorrer a outros métodos para tirá-los do poder.

A ambiguidade da oposição, reunida na chamada Frente de Salvação Nacional, em relação aos últimos incidentes violentos também semeia dúvidas sobre seu compromisso com as vias democráticas e sobre seu possível oportunismo para tentar obter lucros políticos no meio do marasmo.

E depois há os revolucionários, os jovens de Tahrir, que em muitos casos sofreram na própria carne a brutalidade da polícia e que foram a ponta de lança nas inumeráveis batalhas da revolução e da convulsa transição. Eles pretendem, antes de mais nada, que se faça justiça com seus "mártires". Mas, ao mesmo tempo, transformaram a revolução em um fim em si mesmo, quase uma forma de vida, na qual não fica claro quais são seus limites.

Eles têm argumentos mais do que suficientes para se sentir traídos por Mursi, a quem apoiaram nas eleições presidenciais quando disputou o segundo turno contra o ex-militar Ahmed Shafiq, o último primeiro-ministro de Mubarak. A forma como o presidente administrou os assuntos do país, o governo que formou de tecnocratas e islamitas e a Assembleia Constituinte dominada por seus apoiadores não estavam no "roteiro" dos revolucionários quando decidiram apoiar Mursi.

No meio de todos eles, a maioria dos egípcios observa com horror o sangue que não deixa de ser vertido e só se perguntam se algum dia seu país recuperará a calma.

EFE   
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