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África

Ataque a acampamento no Egito teve caos e muito sangue

15 ago 2013 - 19h55
(atualizado às 20h25)
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Primeiro vieram o gás lacrimogêneo, as escavadeiras e o fogo. Aí vieram os tiros e o sangue.

As forças de segurança egípcias chegaram no começo da manhã de quarta-feira para dissolver o acampamento onde milhares de partidários da Irmandade Muçulmana mantinham-se em vigília havia seis semanas. Helicópteros pairavam acima. A polícia atirou gás lacrimogêneo na multidão. Escavadeiras blindadas derrubaram as barricadas feitas com sacos de areia e pilhas de pedras.

Dentro do acampamento, milhares de seguidores do presidente deposto Mohamed Mursi despertavam em pânico. Yasmine Saleh, correspondente da Reuters, chegou lá logo depois do início da ofensiva, e escutou ocupantes desesperados recitando versículos corânicos e gritando "Deus nos acuda! Deus nos acuda!"

Policiais mascarados, com fardas escuras, saíam de veículos policiais com cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo. Eles rasgavam e incendiavam barracas.

"Eles entraram derrubando nossos muros. Policiais e soldados atiraram gás lacrimogêneo nos nossos filhos", disse o professor Saleh Abdulaziz, de 39 anos, com a cabeça sangrando. "Somos pacíficos, sem armas, não disparamos um só tiro, atiramos pedras."

Depois que as forças de segurança começaram a usar munição real, mortos e feridos ficaram estendidos pelas ruas, em meio a poças de sangue.

Uma área do acampamento que era usada como playground e para exposições artísticas das crianças foi transformada em hospital de campanha.

Sete corpos ficaram enfileirados nas ruas. Um deles era o de um adolescente que teve o crânio esmagado, e que sangrava pela nuca.

Em outro local do Cairo, o repórter da Reuters Abdul Moneim Haikal estava no meio de um grupo pró-Mursi quando ouviu tiros passando zunindo e atingindo paredes.

Os manifestantes se jogaram no chão, tentando se proteger. Quando Haikal olhou para cima, viu sangue jorrando do crânio de um homem ao seu lado, que havia sido morto com um tiro na cabeça. Policiais disparavam de veículos blindados do outro lado da rua.

Num dos acessos do principal acampamento, outro repórter da Reuters, Tim Finn, viu soldados rechaçando ambulâncias que haviam sido enviadas para recolher os feridos. Uma mulher com um véu rosa sobre a cabeça se postou em frente aos soldados e, segurando uma carteira de identidade, gritava: "Sou médica, sou médica, me deixem passar!"

Havia uns 50 manifestantes pró-Mursi atrás dela, a maioria homens de meia-idade. Alguns choravam e tinham sangue nos braços e rostos.

Um homem chamado Yusuf disse que viu pela TV seu filho ferido, e estava à procura dele.

Três ambulâncias chegaram com sirenes ligadas. Os homens começaram a bater na traseira das ambulâncias, gritando para os soldados para que permitissem a passagem dos veículos. Mas os soldados obrigaram as ambulâncias a recuarem, e jogaram bombas de gás lacrimogêneo nos homens.

SANGUE NAS PAREDES

Mais tarde, no outro lado do mesmo acampamento, Finn viu barracas em chamas. Havia um ruído quase contínuo de metralhadoras; a maior parte parecia vir das sacadas de prédios próximos.

Os partidários de Mursi, principalmente homens barbados com idade em torno de 35 anos, estavam serrando galhos de árvores e atirando-os em uma enorme fogueira, esperando assim cortar o efeito do gás lacrimogêneo.

Um grupo formava pilhas de pedras em torno das poças de sangue no chão. Outros homens tentavam reconstruir as barricadas que as escavadeiras haviam derrubado. Vários manifestantes destruíam a calçada para pegar pedras que eram atiradas contra os policiais.

Uma mulher de véu azul chorava ao distribuir máscaras antigás. Os feridos eram retirados do acampamento em macas ou nas garupas de motos. Um homem sangrava tanto que o sangue pingava através da lona da maca.

Mortos e feridos eram levados para um hospital de campanha instalado em um prédio vizinho à mesquita. O lugar estava quente e caótico, cheio de pessoas gritando. As paredes brancas estavam salpicadas de vermelho. Os feridos eram levados para o andar de cima; os mortos, envoltos em tapetes, eram mandados para o porão.

Um pequeno cômodo recebeu a maioria dos mortos, enfileirados na mesma direção, com as cabeças envoltas em ataduras brancas. Alguns corpos foram colocados em prateleiras metálicas. Um menino de 12 anos, sem camisa e com calça de agasalho, ficou estendido no corretor, com um ferimento de arma de fogo no pescoço. Em outros corredores, rapazes se contorciam agonizantes sobre colchões puídos.

A mãe do menino se inclinou sobre ele, balançando-se para frente e para trás e beijando em silêncio seu torso nu. Uma das enfermeiras soluçava enquanto, ajoelhada, tentava secar o sangue com lenços descartáveis.

O repórter Finn contou 29 corpos, a maioria de homens na faixa dos 20 a 30 anos, com ferimentos a bala na cabeça, pescoço e peito.

“DEUS VAI SE VINGAR”

Ao longo da quarta-feira, o número de mortos ia sendo contestado, primeiro eram dezenas, mas nesta quinta passava dos 600 e milhares de feridos.

Há jornalistas entre os mortos, incluindo um repórter egípcio e um cinegrafista britânico. Asmaa Waguih, fotógrafa da Reuters, foi hospitalizada após ser baleada no pé.

Majdi Islam, jovem partidário da Irmandade, tinha o cabelo sujo de sangue, e falava em guerra santa.

"Nosso sangue é assim tão barato? Agora estamos travando uma jihad. Deus vai se vingar desses carniceiros. As ruas estão cheias de sangue", disse ele.

No final da tarde, o acampamento onde os partidários de Mursi se mantiveram em vigília durante seis semanas estava vazio. Um homem estava sozinho de pé no meio dos escombros, recitando o pilar central do islamismo: "Não existe Deus senão Alá." Ele então chorou e, com a voz embargada, ficou em silêncio.

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