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Mundo

A polêmica 'comandante' mexicana acusada de 50 sequestros

12 out 2015 - 11h57
(atualizado às 13h02)
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Ex-chefe da polícia comunitária de Olinalá, Nestora está presa há dois anos
Ex-chefe da polícia comunitária de Olinalá, Nestora está presa há dois anos
Foto: freenestora.org

Há dois anos, uma simples frase mudou a vida da mexicana Nestora Salgado García.

Dois anos atrás, a polícia comunitária da localidade de Olinalá, no Estado mexicano de Guerrero, deteve um homem suspeito de roubar uma vaca.

Na ocasião, Nestora chefiava a equipe de policiais que efetuou a prisão. Quando a mulher do acusado exigiu que ele fosse entregue às autoridades competentes, Nestora rebateu imediatamente.

"Por que você quer que eu o entregue? Para pagar 20 mil pesos (R$ 4,6 mil) e deixá-lo livre?".

Semanas depois, ela foi presa por militares mexicanos, acusada de sequestrar o homem que havia detido e outras 50 pessoas, também associadas a práticas criminosas.

A alegação para sua prisão foi de que ela havia pedido 20 mil pesos (R$ 4,6 mil) para libertar o suspeito do roubo.

"Esta senhora (a mulher do homem detido por roubar a vaca) mudou as minhas palavras", afirmou Nestora à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, do hospital da prisão onde se encontra, no sul da Cidade do México.

"Ela disse ao Ministério Público que eu lhe pedi dinheiro para libertar o seu marido, mas nunca confirmou isso", afirmou ela diante do tribunal.

Protestos

Protestos foram realizados ao redor do mundo cobrando a libertação de Nestora
Protestos foram realizados ao redor do mundo cobrando a libertação de Nestora
Foto: freenestora.org

Nestora está presa desde agosto de 2013. Entidades civis e até mesmo o governador do Estado de Guerrero, Rogelio Ortega, descrevem o episódio como "mais um caso de presos políticos."

Isso porque, segundo as leis estaduais, Nestora e seus colegas, apesar de pertencerem à polícia comunitária, são reconhecidos como agentes de segurança. Ou seja, são autorizados legalmente a prender pessoas.

Deputados, senadores e até ativistas de direitos humanos argumentam que o processo é ilegal. Protestos reivindicando sua soltura foram realizados no México e em cidades da Europa, Austrália e dos Estados Unidos.

O caso chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que, em janeiro deste ano, solicitou ao governo mexicano medidas cautelares para proteger a vida de Nestora.

Mas a presidente da entidade civil Alto al Secuestro, Isabel Miranda de Wallace, insiste em que o processo deve seguir os trâmites legais.

"Pedimos que os atores políticos não se metam e que os juízes resolvam", disse ela à BBC Mundo.

"Não sabemos se ela é culpada ou inocente. E, honestamente, não nos cabe emitir opinião sobre isso".

Delinquentes

Conhecida como "A Comandante", Nestora foi a primeira mulher na história do México a liderar uma equipe de policiamento comunitário.

Esse tipo de força de segurança surgiu em meados da década de 90 nas montanhas de Guerrero, no sul do país.

O objetivo é monitorar estradas e vilarejos e, há mais de uma década, o policiamento comunitário possui reconhecimento legal.

Por esse motivo, recebem armas, carros e até uniformes do governo do Estado.

Esse foi o caso do grupo fundado por Nestora no início de 2013 para fazer a segurança do município de Oninalá.

Violência

Naquela época, a região vivia uma onda de sequestros, assaltos, extorsões e assassinatos que fugiram do controle do Estado.

A polícia comunitária prendeu, então, vários dos criminosos que, de acordo com o regimento da corporação, foram enviados à penitenciária local.

Alguns deles foram condenados à prisão enquanto outros foram obrigados a cumprir serviço comunitário.

As sanções foram aceitas pelas autoridades municipais e estaduais.

Mas alguns dos detidos pelo grupo chefiado por Nestora denunciaram que, na verdade, foram sequestrados e também sofreram abusos cometidos por ela.

A organização Alto al Secuestro acompanhou dois deles.

"Passei a me envolver com esse caso quando duas vítimas me procuraram. Quando isso aconteceu, ambas já estavam presas havia um ano e meio", explica Miranda.

Julgamento irregular

Organizações de direitos humanos dizem haver irregularidades no processo contra 'A Comandante'.

Durante dois meses ela não foi autorizada a falar com seu advogado nem a entrar em contato com sua família.

Nestora foi detida por militares, embora os autos do processo indiquem ela foi presa pela polícia municipal.

Além disso, os supostos sequestrados não apareceram em juízo para testemunhar contra ela.

Na verdade, um tribunal federal suspendeu as acusações por crime organizado e sequestro, mas Nestora ainda enfrenta outros processos por homicídio.

Nestora diz que no dia em que o crime foi cometido estava a centenas de quilômetros de distância, na cidade de Tixtla.

"Não há provas contundentes que motivem a minha prisão", diz ela no quarto do hospital do Centro Feminino de Reabilitação Social de Tepepan, onde está.

'Querem me deixar louca'

A saúde da 'Comandante' vem se deteriorando desde que ela foi presa.

Nestora sofre de neuropatia crônica, que causa dor e dormência nos braços e nas pernas, especialmente em baixas temperaturas.

Ela diz ser isso o que lhe causa o maior sofrimento na prisão, porque quase nunca lhe permitem tomar sol.

Nestora afirma estar convencida de que sua atuação na polícia comunitária afetou interesses políticos em Guerrero.

Além disso, diz ter enfrentado oposição de organizações como Alto al Secuestro e SOS frente a petições que seja libertada imediatamente.

Isabel Miranda, da Alto al Secuestro, discorda. "Não a condenamos nem a absolvemos", salienta.

"O que queremos é que esse caso tenha um desfecho. Não vamos nos opor se ela for considerada inocente e, consequentemente, libertada. Mas queremos que isso seja determinado por um tribunal e não por um ator político."

Nestora concorda sobre esse ponto: ela luta para que uma decisão sobre seu caso seja tomada. "Se eu tivesse cometido um crime, enfrentaria uma pena, mas não fiz nada", diz ela.

"Estou cansada. Acho que é isso que eles querem. Não sei qual é o objetivo deles. Deixar-me louca, talvez".

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