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Mundo

Com 3 mi de muçulmanos, Reino Unido vive desafio da integração

10 ago 2011 - 12h50
(atualizado às 12h54)
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Ulisses Neto
Direto de Londres

Muçulmanos ao redor do mundo são categóricos ao dizer que as ações terroristas da Al-Qaeda, além de criminosas, representam um grande desserviço ao Islã. Sobretudo para os seguidores da religião em território britânico. O Reino Unido tem, hoje, uma das maiores comunidades islâmicas do Ocidente, formada por 2,8 milhões de pessoas, ou 4% do total da população local. Proporcionalmente, o número é muito superior ao dos EUA, onde vivem 2,6 milhões de muçulmanos, de acordo com levantamento do instituto americano Pew Research Centre.

A Mesquita Central de Londres, com capacidade para 5 mil fiéis: desafio 6 anos após ataque de 2005
A Mesquita Central de Londres, com capacidade para 5 mil fiéis: desafio 6 anos após ataque de 2005
Foto: Ulisses Neto / Especial para Terra

A grande concentração de fiéis do Corão na Grã-Bretanha se deve, principalmente, ao longo histórico de imigração de países como Bangladesh e Paquistão, além de algumas nações africanas. Nem mesmo as ações terroristas da Al-Qaeda em Londres - e o consequente crescimento da islamofobia no país - interromperam o fluxo migratório que fez mais do que dobrar o total de muçulmanos na Inglaterra entre 1990 e 2010. A grande presença da religião gera constantes discussões sobre a associação do Islã ao terrorismo e a proliferação de células extremistas em território britânico. A questão é cada vez mais debatida e, quase sempre, coloca os muçulmanos em posição defensiva.

"Não há mais nada a que comentar sobre essa tentativa de relacionar o islamismo a um grupo de pessoas que busca a violência para afirmar as suas ideias", diz Said Serhaji, porta-voz da Associação Muçulmana da Grã-Bretanha. Para ele, os ataques contra muçulmanos e o preconceito enfrentado pela comunidade têm sido gradativamente reduzidos ao longo dos últimos anos. "De fato, essa relação ficou muito tensa após os ataques de 2001 e 2005. Mas, hoje, na minha opinião, a islamofobia é uma prática antiquada e que não representa nem de longe a posição que os britânicos têm diante do Islã", completa. "Veja, até mesmo Osama bin Laden já se foi. Agora, o momento é de estreitar cada vez mais os laços dos muçulmanos com as outras religiões na Inglaterra e seguir em frente", ressalta. "É preciso esquecer essa tentativa de relacionar todos os muçulmanos com o terrorismo de forma indiscriminada".

Apesar do tom conciliador da entidade, a pressão sobre os muçulmanos é evidente. Relatórios da inteligência inglesa apontam constantemente para o grande número de células extremistas operando no país. O MI5, serviço de segurança britânico, afirma ter conseguido interromper dezenas de ataques terroristas nos últimos anos planejados por muçulmanos extremistas que nasceram no Reino Unido ou imigraram para o país. Para Nick Chatrath, pesquisador da Universidade de Oxford, as lideranças islâmicas moderadas no território britânico pouco têm feito para combater o extremismo. Autor do artigo Fighting the Unbeliever (Combatendo o infiel, em tradução livre), ele avalia que muçulmanos extremistas se apropriam de passagens do Corão para justificar as ações violentas e disseminar suas ideias. Enquanto isso, as lideranças religiosas de linha moderada se esquivam da questão e pregam um discurso harmonioso.

"Essa atitude (dos moderados) tem de mudar, uma vez que a melhor forma de extinguir os argumentos extremistas é lidar com eles em campo aberto, e não apenas varrer esse problema para debaixo do tapete e esperar que o melhor aconteça", argumenta. "Algumas pesquisas recentes sugerem que muçulmanos britânicos comuns estão se tornando mais simpáticos aos extremistas, e isso pode estar relacionado à maneira como os muçulmanos moderados estão ignorando a ameaça extremista". As suposições de Chatrath são baseadas em um levantamento divulgado pelo jornal londrino Daily Telegraph. A pesquisa aponta que um em cada cinco muçulmanos britânicos tem algum tipo de simpatia pela motivação dos homens-bomba que realizaram os ataques de 2005 e deixaram 56 pessoas mortas, além de mais de 700 feridos.

Por outro lado, a vice-líder do partido Conservador britânico alerta para o que chama de "crescente e velado preconceito" contra os muçulmanos na Grã-Bretanha. Baroness Warsi, a primeira mulher muçulmana a integrar o governo de Londres, declara que essa postura da sociedade já é encarada como normal no país e diz que a forma como as questões religiosas são discutidas no Reino Unido - inclusive pela imprensa - ajudam a propagar a alienação da sociedade. "A ideia de que todos os seguidores do Islamismo podem ser classificados como 'moderados' ou 'extremistas' ajuda a disseminar a má compreensão e ignorância das pessoas".

Warsi ressalta que, atualmente, "quando um trabalhador muçulmano é contratado em uma fábrica, o chefe diz para seus funcionários: 'não se preocupem, ele é um muçulmano razoável'. As crianças nas escolas dizem 'nossos vizinhos são muçulmanos, mas eles não são tão ruins'. E quando uma mulher de burka passa na rua todos pensam que ela ou é oprimida ou está fazendo um protesto". No entanto, Warsi também lembra que cabe aos muçulmanos rejeitar de forma clara e objetiva as práticas terroristas. "Extremistas também tem que enfrentar rejeição social e seus atos não podem ser utilizados para medir todos os muçulmanos".

Apesar de todos os problemas, há um longo histórico de tolerância e diversidade religiosa na Grã-Bretanha, em um passado que atrai milhares de imigrantes anualmente à ilha - mas que pode estar ameaçado devido ao uso da violência como arma religiosa.

Fonte: Especial para Terra
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