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Mark Landis, o maior doador de obras – falsificadas – dos Estados Unidos

11 abr 2015 - 13h26
(atualizado às 13h26)
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Jason Caffrey

Da BBC

Por décadas a fio, o americano Mark Landis doou obras de arte a museus e galerias ao redor dos Estados Unidos. Seu altruísmo surpreendia a todos, até que se descobriu o improvável: as peçam eram todas cópias ─ e de autoria do próprio filantropo. Mas ele nunca foi processado, pois, para a Justiça, não infringiu a lei, porque nunca recebeu nenhum pagamento.

"Obviamente, não é crime doar uma obra a um museu, e eles me trataram como um rei. Uma coisa levou a outra, e eu fiz isso por 30 anos", diz Mark Landis, um dos mais prolíficos falsificadores de arte da história dos Estados Unidos.

"Você já foi tratado como um rei? Vou te contar uma coisa: é ótimo", acrescenta ele à reportagem da BBC.

A carreira de Landis como um falsificador de arte teve início na metade dos anos 80, quando ele doou algumas pinturas para um museu na Califórnia, alegando que elas haviam sido feitas pelo americano Maynard Dixon, artista impressionista especializado em retratar o Meio Oeste do país no século 20.

"Foi um ato impensado porque queria impressionar minha mãe. Sempre admirei os ricos colecionadores que via na TV doando obras de arte a museus", conta.

"Coloquei o nome de Maynard Dixon nelas porque era exatamente isso que os museus queriam". "Ele era um artista cowboy. Fui a uma biblioteca e aluguei vários livros de fotografias de índios americanos, e copiei vários deles", acrescenta.

"Eu sabia que os museus queriam fotos de cowboy, então foi isso que fiz", ressalta.

Talento para a falsificação

Ainda adolescente, Landis sofreu um colapso nervoso após a morte de seu pai e foi diagnosticado com esquizofrenia. Para reduzir os sintomas do transtorno, recebeu a recomendação de começar a pintar. Foi daí que surgiu seu talento para a falsificação, por meio do qual começou a produzir cópias em uma velocidade impressionante.

"Eu sei que todo mundo já ouviu falar sobre falsificadores que fazem essas coisas complicadas com produtos químicos", diz ele. "Eu não tenho paciência para isso. Compro meus produtos no Walmart ou Woolmorth – normalmente com descontos – e faço a cópia em uma hora ou duas no máximo".

"Se eu não puder completar o trabalho durante o tempo que dura um filme na TV, desisto".

Posando como um rico colecionador, Landis doou falsificações para dezenas de instituições respeitadas ao redor dos Estados Unidos até que, em 2008, resolveu oferecer algumas cópias ao Museu da Cidade de Oklahoma. Matt Leininger era o escrivão da instituição, a quem cabia cuidar das obras recém-adquiridas.

"Pensávamos que Landis era um colecionador de arte muito excêntrico", diz Leininger. "A primeira peça que ele nos deu foi, na verdade, entregue por ele em mãos – uma aquarela de Louis Valtat (impressionista francês)".

"Emolduramos o Valtat e decidimos exibi-lo do lado de um Renoir em nossa galeria, mas não sabíamos que o que havíamos pendurado era uma falsificação".

Landis continuou a enviar falsificações a museus, e nunca teria sido descoberto se não tivesse incorrido no erro de enviar cópias dos mesmos trabalhos para diferentes galerias.

Revelação

"Recebemos um envelope pelos Correios com cinco obras dentro dele", diz Leininger. Eram pinturas dos artistas do século 19 Paul Signac e Stanislas Lepine.

"Fiz uma busca por Signac e me deparei com um comunicado de imprensa da Savannah College of Art and Design com o mesmo crédito ─ Mark Landis. Não prestei muita atenção até que fiz a mesma busca sobre Lepine e, de novo, havia um comunicado de imprensa, da Saint Louis University of Modern Art ─ com o mesmo crédito. Aquilo me acendeu o alerta vermelho".

"Enviei uma mensagem e, na primeira hora, recebi 20 telefonemas de instituições me perguntando quem era Landis e o que estava acontecendo".

Leininger diz que Landis se esmerou em suas cópias ─ mas elas não resistem a um olhar mais apurado. Uma das obras oferecidas foi um desenho de giz supostamente com 400 anos de idade. Leininger descascou a frágil placa de papel sobre a pintura, esperando que ela caísse.

"Mas isso não aconteceu, e quando eu descasquei era tudo branco", lembra ele. "E cheirava a café requentado. Ou seja, Landis estava usando café para dar às obras uma aparência mais envelhecida".

A facilidade com que uma simples averiguação revelou uma grande decepção traz à tona uma questão:por que tantas instituições foram tão facilmente enganadas?

"Landis fez seu dever de casa. Ele sabia o que os museus queriam. Ele sabia que as obras seriam aceitas porque se adequariam às coleções."

A forma como Landis se apresentava ─ e suas doações ─ também era muito convincente. "Ele sabia de tudo o que um museu de arte queria ouvir", diz Leininger. Ele tinha "uma história detalhada sobre como ele amealhou sua coleção de arte e sobre a fortuna de sua família, prometendo dinheiro para futuras doações".

Leininger procurou ajuda de um ex-agente do FBI, a polícia federal americana, especializado em crimes de arte. Mas como não houve dinheiro envolvido nas doações, Landis não infringiu a lei. O ônus da diligência caiu sobre as instituições que aceitaram as obras. E se elas exibiram as cópias em suas coleções, isso era problema apenas delas.

Landis causou constrangimento a dezenas de galerias ao doar cópias de trabalhos importantes como se fossem verdadeiras. Leininger acredita que alguns museus sabiam da fraude, mas optaram por manter sigilo sob pena de terem sua imagem comprometida com o escândalo.

"Qual curador ou diretor vai querer admitir que recebeu falsificações para um museu?", pergunta Leininger. "Museus não querem tornar isso público."

'Pinóquio'

Landis admite que enganou museus e galerias, mas diz que não se sente mal com isso.

"Sou como o Pinóquio", diz ele. "Você deixa sua consciência ser seu guia. Se algo der errado, você sabe. Nunca me preocupei em ser processado".

Leiniger continuou a produzir falsificações, mesmo depois de ter seu segredo revelado, e a fazer doações a galerias. Na verdade, sua produção aumentou significativamente após a morte de sua mãe, em 2010.

Dois anos depois, o Museu de Arte de Cincinatti montou uma exibição sobre as falsificações de Landis com curadoria de Leininger. A mostra abriu ─ deliberadamente ─ no dia 1º de abril, o Dia da Mentira. Landis foi convidado de honra.

"Fiquei realmente nervoso antes da exposição porque não sabia o que esperar. Mas então quando cheguei tudo transcorreu bem. Eu fiquei surpreso", diz ele.

Landis e Leininger se encontraram na exposição, onde o falsário se desculpou pelos problemas que ele causou. Mas Landis ficou constrangido quando foi confrontado com uma sala cheia de suas próprias cópias?

"De modo algum – apesar de muitas delas serem realmente péssimas", resigna-se. "Por isso eu não quis observá-las".

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