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Guaíba - Rio Grande do Sul

“O lago Guaíba é uma bomba química”, diz pesquisador

Matheus Pessel
Direto de Porto Alegre

Foi no lago Guaíba que os açorianos, fundadores de Porto Alegre, aportaram em 1752. Nessas águas também chegaram alemães, italianos e escravos. Os rios conectados permitiram criar caminhos para a cidade que iria se formar. E as águas abasteceram a metrópole que hoje é capital do Rio Grande do Sul.

Contudo, se o Guaíba permitiu a Porto Alegre ser o que é hoje, a cidade não retribuiu da mesma maneira e o lago guarda séculos de poluição que, se vierem à tona, podem se transformar em uma verdadeira "bomba química". A opinião é de Rualdo Menegat, autor do Atlas Ambiental de Porto Alegre e professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Lago Guaíba
Lago Guaíba
Lago Guaíba

"Nós temos no leito do Guaíba uma espécie de bomba química acumulada ao longo dos últimos dois séculos, desde o desenvolvimento da indústria. Nós temos acumulada no leito do Guaíba a memória dessa industrialização."

Segundo Rualdo, a população da região metropolitana despeja anualmente 79 vezes o volume do Guaíba em esgoto. O professor lembra que há uma grande quantidade de indústrias às margens do lago e um grande volume de navios que circula por suas águas, o que torna a região especialmente vulnerável à poluição. A solução, afirma, seria criar uma cultura de cuidado e apreço do Guaíba – algo que vá além da simples admiração de seu pôr do sol, por exemplo.

"Nossa vida em Porto Alegre depende do Guaíba. Ele é nosso único manancial de água potável e única fonte de abastecimento para 1,3 milhão de pessoas – isto sem contar as cidades da região metropolitana também servidas pelo lago. O valor ambiental e vital do Guaíba é assombroso. Se houvesse algum acidente industrial, se um navio carregado de nafta, por exemplo, quebrasse o casco, o derramamento de material tóxico deixaria os porto-alegrenses sem água. E isso não é difícil acontecer, dada a densidade industrial no entorno do lago”.

Situação ecológica

Segundo o professor, amostras de água do lago indicam contaminação por coliformes fecais e chegam à classe 4 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), a mais crítica em nível de contaminação.

“A população da região metropolitana despeja anualmente 79 vezes o volume do Guaíba em esgoto”

"Quando analisamos as argilas do leito do lago, vemos que elas estão contaminadas por esgoto doméstico e metais pesados como cádmio, chumbo e mercúrio. Ou seja, porque o Guaíba é de fato um lago, a poluição e a contaminação se concentram nas margens. Um rio lava suas margens. Um lago não. Ele empurra para as margens os contaminantes"

Esgoto tratado

Um dos projetos para diminuir a poluição do Guaíba, o Programa Integrado Socioambiental (Pisa), foi idealizado pela prefeitura de Porto Alegre. A ideia é captar o esgoto jogado nos arroios, ou pequenos cursos de água, da cidade e transportá-lo para estações de tratamento antes de ele ser despejado no lago. Com o programa, a quantidade de esgoto tratado saltaria dos atuais 30% para cerca de 80%. Segundo Flávio Presser, diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), os 100% de tratamento do esgoto da cidade devem ser atingidos até 2030.

"O Pisa, indiscutivelmente, vai melhorar em muito a qualidade do lago Guaíba. Com o projeto, o lago passará a pertencer à classe 2, aquela que permite o contato direto das pessoas", diz o diretor-geral. Presser alega que boa parte da obra já está pronta, mas ainda falta documentação para que ela passe a funcionar. É o caso da Estação de Tratamento da Serraria, no bairro de mesmo nome, que passará a tratar mais de 50% do esgoto da cidade.

Mas mesmo com ela funcionando, ainda vai faltar instalar redes coletoras em diversos arroios da cidade, como o Dilúvio e o Cavalhada. Presser não se arrisca a estabelecer um prazo para que 80% do esgoto da região seja tratado. Segundo a assessoria de imprensa do Dmae, a estação de tratamento da Serraria terá os módulos liberados conforme avaliação da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), o que impossibilita o estabelecimento de um prazo. A estimativa, porém, é de que ela passe a funcionar plenamente em até um ano.

Em 2012, o prefeito José Fortunati (PDT-RS), prometeu que, como resultado do Pisa já em 2013, as praias de Ipanema, às margens do lago, estariam limpas o suficiente para mergulho. Mas isto não aconteceu. Presser reconhece o atraso e o atribui à burocracia. "Estamos com a estação da Serraria operável desde fevereiro de 2013, mas não podermos operá-la por questões burocráticas”, afirma o diretor-geral. Dificuldades com a liberação de recursos para a obra, que foi incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), também foram indicadas como culpadas pelo atraso por Presser. “O processo muito lento de liberação de recursos atrapalhou", diz. Agora, segundo Presser, a previsão é de que, até o final e 2015, Ipanema deva estar limpa para uso.

Para Rualdo Menegat, professor UFRGS, apesar de o projeto representar um grande avanço, está claro que o que já se fez e o que ainda se está fazendo pelo lago é pouco perto do tamanho do problema. "O Pisa representa um grande salto para a recuperação do Guaíba. Esse projeto nasceu de um enorme esforço desencadeado ainda na década de 1990, conjuntamente com o importante programa Pró-Guaíba. Contudo, enquanto a finalização do Pisa em Porto Alegre representa um enorme avanço para a balneabilidade do lago, houve a falência de programas integrados de gestão para toda a região metropolitana e, mais além, para toda a região hidrográfica do Guaíba. Além disso, o Pisa é o último grande programa em curso. Isso mostra a falência da gestão ambiental do Guaíba como um todo", afirma.

Contaminantes emergentes

Um estudo divulgado em setembro de 2013 indica que entre as 20 capitais do País, Porto Alegre tem a água com maior índice de contaminantes emergentes, ou seja, aqueles que não são controlados por leis ou regulamentos. Marco Tadeu Grassi, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e responsável pelas coletas para estudo feitas na região Sul, afirma que o alto índice de poluentes na capital gaúcha mostra que "se há tratamento de esgoto, esse tratamento não é eficiente”.

"Isso representa um alerta de que a sociedade civil, a sociedade organizada a partir de suas representações e classes, precisa se organizar para cobrar o poder público", diz o professor da UFPR. Segundo Grassi, as pesquisas sobre os efeitos dos contaminantes emergentes em humanos ainda não apresentam resultados conclusivos, mas há fortes indícios de que a ingestão de pequenas quantidades desses contaminantes por longos períodos de tempo resultam em prejuízos à saúde. "Desde o ano passado, temos acompanhado a presença dos contaminantes emergentes no lago Guaíba. Só que os registros são todos “ND”, ou não detectado", defende-se Presser.

Para Rualdo, a solução para o Guaíba é maior e mais complexa que um simples plano de tratamento de esgoto. "Devemos criar não apenas uma política, mas uma cultura de cuidado do Guaíba, que nós, porto-alegrenses, não temos", diz. "Temos que ter esperança de reverter o descaso com o Guaíba. (...) Devemos ter clareza que a melhor política para o Guaíba é (declararmos) uma trégua. Temos que deixar o Guaíba descansando um tempo."