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Em meio a suposta recuperação, Grécia enfrenta dificuldades econômicas

27 nov 2014 - 20h44
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A economia grega começa a superar a dos demais países da zona do euro. Mesmo assim, o desemprego atinge um em cada quatro gregos, e entre a população a descrença no governo e nos políticos é generalizada.

Após seis anos de recessão – incluindo quatro anos de uma depressão reforçada pelas políticas de austeridade – a economia grega evoluiu em ritmo mais acelerado do que as demais da zona do euro, inclusive a da Alemanha. A Comissão Europeia prevê para 2015 um crescimento da economia grega em 2,9%.

Thanos Kosmidis fundou em 2013 a agência CareAcross, que tem como objetivo informar e apoiar pacientes de câncer. Ele diz sentir que seu país está finalmente dando a volta por cima. "Estivemos no fundo do poço por um bom tempo, sinto que agora é hora de finalmente melhorarmos."

"Como alguém que abre um negócio numa época como esta, eu tenho que ser otimista e me concentrar nas mudanças que sou capaz de realizar, em vez de esperar que elas venham de fora", comenta o empreendedor de 35 anos.

O número de startups na Grécia cresceu nove vezes desde 2010, de acordo com dados da organização de apoio a empreendedores Endeavor Greece. De modo geral, entretanto, as perspectivas para o país ainda permanecem sombrias: o índice de desemprego diminuiu, mas ainda se encontra acima de 25%, o que equivale a 1,3 milhão de desempregados.

Recuperação econômica risível

Mais de 70% dos desempregados gregos não têm ocupação há mais de um ano. O número de cidadãos sob risco de pobreza mais do que dobrou nos últimos cinco anos, segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT): de cerca de 20% em 2008, para 44% em 2013.

O diretor de pesquisas da OIT, Raymond Torres, observa que, até o momento, a estratégia econômica "pode ter contribuído para restaurar as finanças públicas, mas não atingiu resultados esperados em termos de sustentabilidade da economia e recuperação de empregos".

Eleni Triadi, de 48 anos, mãe de dois estudantes universitários, bem sabe a que Torres se refere. Ela perdeu o emprego de guarda escolar há um ano e meio, no contexto das reformas do setor público impostas pelos credores da Grécia. Seu marido, que trabalha num lar para idosos, não recebe salário há um ano e meio.

Nos últimos cinco meses e meio, ela tem ocupado as calçadas próximas ao Ministério das Finanças, no centro de Atenas, junto com outros ex-guardas e ex-faxineiros de escolas, todos demitidos pela instituição no ano passado.

"Antes de ser demitida, eu pelo menos estava pagando as minhas contas", conta Eleni à DW, sentada a uma mesa com alguns colegas, ao calor de um aquecedor elétrico. "Agora, meus velhos pais pagam para que meus filhos possam estudar. Minha sogra divide conosco a pensão de 700 euros por mês para podermos comprar legumes e verduras."

"A gente ri quando ouve falar em recuperação da economia", comenta Stavros Nikolaou, também ex-guarda escolar. Ele tem 42 anos e luta para sustentar o filho de três anos e a esposa, também desempregada, com o auxílio-desemprego de 350 euros mensais.

Descrença nas autoridades

Há também impaciência com a frágil coalizão que governa a Grécia desde duas apertadas eleições em 2012. A maioria dos gregos acredita que a classe política continua a apertar o cinto dos aposentados, famílias de assalariados e desempregados para poder pagar os credores, enquanto poupa os bem relacionados e os ricos. "Nesta crise, os ricos ficaram mais ricos, os pobres, mais pobres, e a classe média foi destruída", resume Stavros.

A perda de confiança nos partidos políticos que têm governado a Grécia há quatro décadas – o conservador Nova Democracia e o agora reduzido Pasok, de centro-esquerda – criaram as condições para o crescimento do partido esquerdista antiausteridade Syriza.

Seu líder é Alexis Tsipras, de 40 anos. Pesquisas de opinião pública colocam a facção solidamente adiante do Nova Democracia, partido do primeiro-ministro Antonis Samaras, e há indicações de que se realizarão eleições antecipadas já no próximo ano.

O empreendedor Thanos Kosmidis afirma sua preocupação de que as eleições possam causar mais danos do que ajudar o país. "Ainda estamos sentindo os abalos do terremoto que foi a crise da dívida. Não há estabilidade, e não vamos conseguir estabilidade realizando outra rodada de eleições inconclusivas."

Falta humanidade na política

Enquanto isso, muitos gregos pedem ajuda aos políticos locais, muitos dos quais não estão formalmente alinhados com um partido político. Este é o caso do município de Andravida-Kyllini, na península do Peloponeso, no sul da Grécia. No início do ano, a localidade elegeu o primeiro prefeito imigrante da Grécia, o médico Nabil Morant, nascido na Síria. Sua eleição se deve, em parte, à promessa de gerar empregos na região abalada pela crise.

"Temos tanta gente que não consegue encontrar trabalho, especialmente jovens", declarou Morant em entrevista recente em Lehaina, a cidadezinha em que vive. "Por isso, estamos avaliando investimentos que possam criar mais empregos no turismo e na agricultura, nossos principais setores econômicos aqui. Até mesmo contratos temporários ajudariam, até que possamos criar algo mais estável e de longo prazo."

Tzeni Kekatou, professora em Lehaina, afirma que os gregos precisam saber que seus políticos estão mesmo se esforçando para cuidar dos cidadãos, e não apenas as instituições que emprestaram bilhões para o resgate financeiro do país.

"A maioria dos políticos não oferece qualquer solução específica para os nossos problemas bastante reais. Temos que pagar as nossas contas e alimentar as nossas famílias, coisa que não podemos se os nossos salários continuarem sendo cortados até zero, e os nossos impostos, triplicando. Há uma falta de humanidade na política de hoje em dia."

Sem poder contar com o governo

Morant, nascido na cidade síria de Homs, mudou-se para a Grécia há 25 anos, após estudar medicina na Bulgária e na Bélgica e se casar com uma grega, também médica. "Era um país promissor naquela época", lembra.

Essa opinião não é compartilhada pelos compatriotas dele, hoje. Fugindo da guerra, eles têm chegado ao país aos milhares, através da Turquia, em barcos de traficantes superlotados. Desde 19 de novembro, pelo menos 200 refugiados sírios realizam um protesto passivo na Praça Syntagma, em Atenas. Lá têm ocorrido numerosas manifestações contra as medidas de austeridade, desde 2010.

O ex-empreiteiro de 29 anos Abu Odai – apelido que usa para proteger sua família em Damasco – diz que organizou o protesto, em parte, para forçar o governo grego a providenciar abrigo, comida e bem estar social para os refugiados.

"Mas o governo disse que não podia", conta Abu Odai, enrolado num casaco de lã e cachecol, enquanto a noite vai congelando os manifestantes que se agruparam na praça, dormindo sobre cobertores e sacos de dormir. "Eles disseram que a Grécia é pobre e que não pode ajudar nem sua própria gente."

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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