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RJ: ex-presidiário, William da Rocinha luta por candidatura

"Quem vive na favela não é bandido, mas o crime vive na favela", afirma o candidato a deputado estadual, que teve candidatura cassada pela Justiça

11 ago 2014 - 14h09
(atualizado às 14h23)
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Candidato a deputado estadual foi vítima de armação em um vídeo e cumpriu pena por tráfico de armas
Candidato a deputado estadual foi vítima de armação em um vídeo e cumpriu pena por tráfico de armas
Foto: Juliana Prado / Especial para Terra

Protagonista de uma saga judicial desde 2011, o líder comunitário William de Oliveira, conhecido como William da Rocinha, está de volta à cena pública. Ele tenta ser candidato a deputado estadual pelo PRB, mas teve sua candidatura cassada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) na última semana. A alegação: falta de quitação eleitoral, por não ter votado em 2012 e não ter justificado ausência.

Naquelas eleições, William não pôde votar pois estava detido no presídio Evaristo de Moraes cumprindo pena por tráfico de armas. Ele teria sido flagrado em um vídeo supostamente vendendo um fuzil para o traficante Antonio Bonfim Lopes, o Nem. O caso sofreu uma reviravolta quando uma testemunha depôs dizendo que tudo não passou de armação e que o vídeo fora editado para prejudicar William.

Em maio de 2013, acabou solto depois de cumprir um ano e meio de pena. Na mesma semana, foi condenado a 4 anos por associação ao tráfico, mas autorizado a deixar a cadeia. Recorrendo em segunda instância contra a sentença, o líder comunitário, como em 2010, decidiu sair candidato este ano.

Surpreso com a cassação do registro de candidatura, ele diz ter sido abandonado pelo partido, que veria em sua participação uma ameaça ao desempenho do candidato ao governo, Marcelo Crivella. Na sexta-feira, William recorreu da decisão do TRE-RJ por meio de um advogado pessoal. Ele vê perseguição política à sua candidatura, mas diz que não irá desistir. Confira a entrevista exclusiva ao Terra:

Terra - Em que pé está seu processo criminal, pelo qual você foi condenado por associação ao tráfico?

Wiliam Oliveira – Eu fui preso por associação para o tráfico, crime que alguns juristas entendem como hediondo, outros não. Alguns entendem que pode responder em liberdade. Estamos recorrendo de uma sentença. Após o depoimento de uma testemunha, o Flávio Caffer, o Ministério Público retirou a denúncia (de tráfico de arma) e a juíza acabou sentenciando em semi-aberto (por associação). Quando recebi a pena de 4 anos, já tinha 18 meses de preso e estava vencendo a condicional. Aí, graças a Deus, veio o habeas corpus na mesma semana em que veio a sentença (dos 4 anos). Uma coisa que, aliás, eu não entendo e não aceito. Parece que a sentença saiu para fazer com que o habeas corpus perdesse o efeito. Bom, ganhamos o habeas corpus e como tenho residência fixa, moro na Rocinha, era réu primário, os desembargadores entenderam que eu não oferecia risco e poderia responder em liberdade.

Terra - E agora você foi barrado em função da ausência de quitação eleitoral. Você esperava isso?

Wiliam – Achei até que viria algum problema jurídico, que algum jornalista pudesse dar uma nota e falar sobre o caso (a prisão), o que seria normal. Só que eu já sabia que não era ficha suja. Que, independentemente das questões que passei, a lei me dava o direito de concorrer. A situação que aconteceu comigo (em 2011) foi política. Queriam dar um fim na minha vida política. Se eu estivesse dentro de casa hoje essas pessoas estariam aplaudindo, achando que fui vencido. Bom, fiquei preso 18 meses e não tinha como votar. Se estou custodiado pelo Estado e se o Estado não declara ao TRE, isso gera problema. Se estava preso, automaticamente está justificado o motivo de não votar. Hoje (sexta-feira), o meu advogado assumiu o caso porque o partido não deu continuidade. Houve indagações da assessoria do senador Crivella de que a minha campanha - o que muito me deixa indignado - poderia atrapalhar. Acho que minha campanha ajuda. Ao invés dele fazer como outros políticos, que estão andando com filhos de empresários e de políticos famosos, ele vai andar é com o egresso, morador de uma favela que foi injustiçado. Eu parabenizo o (Luiz Fernando) Pezão (candidato a governador pelo PMDB) por ter feito um vídeo em defesa do Rodrigo Bethlem (ex-secretário da prefeitura do Rio, acusado de receber propina).

Terra - Mas essa defesa ele só fez num primeiro momento....

Wiliam - Mas, mesmo assim, foi muita coragem, não é? Eu me surpreendi quando vi o vídeo, que, acho, até já baniram da internet. Eu sei que o problema com a minha candidatura não é do senador, é da assessoria dele e da nacional (do PRB), que quer que eu retire a candidatura. Depois de tudo que passei, 18 meses preso injustamente, de toda a discriminação, o que vou dizer para meu eleitor? Hoje a Rocinha clama por um representante da comunidade, que leve a mensagem de quem sofre. Muitas vezes dormir sem luz, acordar sem água, no meio de um tiroteio... Muitas vezes eu tenho que abrir mão do meu banho para minha esposa ou minha filha tomarem.

Terra – Sabendo do tamanho da pressão, por que a insistência em ser candidato? Você tem a intenção de ter um cargo político?

William – É um desejo de cidadão de contribuir. Eu ajudei muitos políticos a chegarem lá. Em 2006, ajudei o governador Sérgio Cabral. Ele, aliás, cumpriu com alguns projetos da Rocinha, não fez nada pra mim, claro, mas vieram o PAC e algumas obras pelas quais eu me sinto orgulhoso por fazer parte da associação de moradores.

Terra - A sua prioridade, se eleito deputado, será defender a favela?

William – Minha prioridade é fazer algo sobrenatural nas favelas. Fortalecer todas as federações, mostrar para a sociedade que o problema não é só na Rocinha, no Jacarezinho, no Alemão. É também dentro de uma favela em outros municípios, como Quissamã, Barra do Piraí, Varre e Sai, Nova Iguaçu.

Terra - Mas o que é fazer algo sobrenatural na favela?

William - É visitar as comunidades, conhecer as dificuldades, propor leis que possam implementar programas. Ajudar o vereador, o prefeito, as lideranças comunitárias a reger suas comunidades da melhor forma. Eu, mesmo não tendo um ensino elevado, pelo que eu vivi, acabei fazendo mestrado e doutorado.

Terra - Você criou a página no Facebook pedindo justiça, não é?

William - Assim que eu saí (da cadeia) procurei uma forma, não de falar bem de mim, mas de expor cada um que depôs favorável ao meu caso. Tem um artigo, por exemplo, do meu advogado, que diz quantos artigos (da lei) foram quebrados com a minha prisão, desde quando me tiraram da minha casa às 6h da manhã até o final do processo.

Terra – Mas você considera tudo o que aconteceu ilegal?

William - Não considero tudo ilegal, mas etapas. Não vou dizer que estou certo ou errado, vivo na comunidade e aquele dia eu fui obrigado a estar naquele lugar (onde foi gravado o vídeo ao lado do traficante Nem). Na favela não tem opção, se chegar uma ordem é ordem. Quem vive na favela sabe disso. Eu posso até estar correndo um risco de falar isso. Mas é a realidade. O que foi feito ali foi uma ação maligna, por pessoas que usam o crime organizado para agir contra os outros.

Terra - Qual o limite que uma pessoa que pretende concorrer a um cargo público tem que ter com relação ao convívio com o tráfico de drogas?

William - O limite é esse que estou vivendo. Minha candidatura hoje tem cinco pessoas ajudando. A gente faz uma opção de vida, quem quer me aceitar, me aceita. E tem o seguinte: minha mãe nasceu em comunidade, meu pai também. Os meus vizinhos são amigos do meu pai, cresceram juntos, todos tiveram família e tal. Aí nasce eu, nascem os filhos do amigo do meu pai e, por coincidência e ironia do destino, um dos filhos do amigo do meu pai acaba se envolvendo com o crime e vira chefe do tráfico. Eu não falar (com ele) é demagogia. O que não posso é conviver ou participar das coisas ilícitas. Ali a justiça deveria ter olhado com cautela e atenção antes de expor as pessoas. Fizeram um estardalhaço, me julgaram e me condenaram, me massacraram. E, meses depois, aparece a pessoa, que foi obrigada, como eu, a fazer algo. Quem vive na favela não é bandido, mas o crime vive na favela. E quem vive na favela tem leis a cumprir.

Terra - Qual sua opinião sobre as UPPs?

William – A UPP foi um sonho que se tornou pesadelo. Antes eu achava que muitas pessoas vendiam essa ideia porque eram subsidiadas pelo crime. Mas não. Pessoas de bem estão tristes porque a coisa perdeu as diretrizes. Na primeira UPP no Dona Marta, a gente sugeriu que fossem implantados núcleos de Defensoria Pública e Direitos Humanos justamente para não acontecer essa ‘descredibilidade’. Depois dessa fatalidade do Amarildo (de Souza) e de outras tantas, a gente vê que o policial vem das comunidades, muitas vezes não tem instrução e não está preparado, cara, para mediação de conflito. Pensa bem: se sou um policial e chego para interromper uma festa do morador, automaticamente ele já vai criar uma resistência ao policial. A UPP tem que adquirir nova credibilidade. Dentro do projeto tem policiais que cumprem a agenda deles. O policial que faz concurso sabe que vai ganhar R$ 800. Não admito que depois venham pra imprensa dizendo que errou porque estava passando aquela situação. Se se corrompeu, é um problema, a corporação paga sempre. Tenho esperança que melhore, não sei se a mudança de governo ajuda muito porque é muita coisa para se fazer.

Preso, William não pode votar nas últimas eleições, o que traz problemas para a sua candidatura
Preso, William não pode votar nas últimas eleições, o que traz problemas para a sua candidatura
Foto: Juliana Prado / Especial para Terra
Terra - Você chegou a ter medo?

William – Penso que só vai me acontecer algo se Deus permitir. Mas procuro não fazer mal a ninguém. Fui DJ, presidente de associação, mas poderia ter sido chefe do tráfico. Entre todas as opções, consegui estar aqui, me reintegrar. Paguei um preço enorme. No presídio, por 18 meses, passei por várias dificuldades. O Estado nunca me ofereceu nada, apenas grade e parede de concreto. Tenho vários amigos hoje (feitos no sistema carcerário) que me respeitam e que sabem que sou do bem. Eu fiquei preso na cela para evangélicos (no presídio Evaristo de Almeida). Fiz parte do ministério e pude ajudar muita gente. Mostro a eles que a gente não pode fazer justiça com as próprias mãos.

Terra - Existe alguma chance de você desistir da disputa?

William - Não. Não sou homem de recuar. A minha desistência é tirar esperança de egressos do sistema penitenciário e de moradores de favelas. Eu quero ser eleito, todos querem, mas só a minha continuidade nessa eleição já é uma grande vitória. Quem viveu lá no sistema carcerário fui eu. Muitos estudam aqui fora, mas eu vivi a realidade. E é sobre ela que eu quero falar lá no plenário para as pessoas saberem.

Terra - Se você pudesse, para fugir de ligações perigosas, você mudaria alguma coisa do que fez no passado?

William - Eu sempre fiz porque eu fui obrigado a estar lá. Se eu fizesse parte (do esquema do tráfico) não teria que ser obrigado a estar lá (na cena do vídeo). Eu fico triste quando vejo o jovem sobre o qual eu criei a maior esperança, hoje envolvido na criminalidade. Às vezes até filho de amigos. Isso dá dor no coração. Eu sei que ele, depois de um tempo, se ele não sair, vai estar ali no chão, estirado. 

Coligações partidárias: Dilma, Aécio e Eduardo CamposColigações partidárias: Dilma, Aécio e Eduardo Campos

Fonte: Terra
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