PUBLICIDADE

Reeleição e militância favorecem agressividade em campanha

Para especialista em marketing político, a estratégia de ataques, com ofensas e acusações, não foi bem utilizada por nenhum dos dois candidatos à presidência, durante campanha em que o tom de plebicito prevaleceu

24 out 2014 - 07h52
Compartilhar
Exibir comentários

As únicas propostas que o senhor apresenta são as nossas. Lamento que a senhora esteja tão desinformada. O senhor distorce todos os fatos da realidade. A sua propaganda é só mentira. Não pode ser esse vale-tudo. Está extremamente enganado. É preciso ter humildade pra admitir que vocês fracassaram.

As frases foram retiradas das discussões entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) no primeiro debate presidencial do segundo turno, exibido na TV Bandeirantes, no dia 14 de outubro. De lá para cá, o teor agressivo da disputa só aumentou – não só nos embates televisivos, mas também nas redes sociais, entrevistas e propagandas eleitorais. Foi acusação de um lado, acusação de outro. Insinuação de um lado, insinuação de outro. Ofensa de um lado, ofensa de outro. E muitos eleitores, obviamente, ficaram cansados.

A tática, no entanto, não é nem um pouco nova na política brasileira. Nas primeiras eleições diretas realizadas após o período de ditadura militar, encerrado oficialmente em 1985, os candidatos já começavam a utilizar essa estratégia. O diferencial de 2014 é a duração exageradamente prolongada da “fase de ataques”. É o que afirma Carlos Manhanelli, diretor da Manhanelli Associados, empresa especializada em Marketing Político Eleitoral, e presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos (ABCOP).

“Toda campanha começa com a raiz do candidato. Quem é, o que faz, de quem é filho, o que fez na vida. É o histórico. A segunda etapa é de divulgação, debate e propaganda do plano de governo. É o que ele quer fazer depois de eleito. Quando essa discussão de projetos deixa de interferir nas pesquisas eleitorais, entra o terceiro módulo, que é a desconstrução da imagem do adversário. Não tem como fugir desse caminho. O que ocorreu nessa eleição é que esse terceiro módulo começou muito cedo”, disse em entrevista ao Terra.

E isso não aconteceu por acaso. O fato de a presidente estar disputando a reeleição, segundo o especialista, favoreceu o clima tenso. Enquanto todos os adversários concentraram esforços em desconstruir sua imagem de boa administradora, ela tentou mostrar à população que ruins, na verdade, eram eles.

“O ambiente criado nessa eleição não é de um ambiente eleitoral, mas de um ambiente plebiscitário. O que está em discussão é simples: se Dilma está bem, ela fica; se está mal, ela sai. Parece que é isso que está em jogo. Apenas sim ou não. Esse problema acontece toda vez em que existe uma disputa de reeleição”, contou Manhanelli.

Podemos citar, como exemplo, os pleitos de 1998 e 2006. No primeiro, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) concorreu com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, no segundo, foi a vez de o petista brigar pela permanência no cargo com Geraldo Alckmin (PSDB) – sendo que em ambas os ataques estiveram bastante presentes.

“Lembro que, no último debate de 2006, o Alckmin entrou desfigurado. Chegou batendo, xingando, atacando. Falou que o Lula era isso, que o Lula era aquilo. Mas o ‘Picolé de Chuchu’ exaltado daquele jeito? À época, não entrou na cabeça de ninguém”, disse. “Mas tanto em 1998 como em 2006, as pesquisas apontavam mais distância entre os concorrentes. Estava favorável ao FHC na reeleição, assim como ao Lula, quando presidente. Os 'favoritos' evitaram entrar no terceiro módulo por isso. Não precisava. A eleição estava ganha com o programa de governo”, completou o diretor da Manhanelli Associados.

Em 2014, o cenário é outro. Desde o início do segundo turno, as pesquisas eleitorais mostraram empate técnico entre Dilma e Aécio. É por conta disso, de acordo com o analista, que a “fase de ataques” se estendeu mais (muito mais) do que deveria.

Efeito da agressividade

Vale aqui outra volta ao passado. Em 1989, quando Fernando Collor de Mello (PRN) concorreu com Lula, um fato influenciou os rumos da eleição nos últimos dias de campanha. Sentindo-se ameaçado pelo petista, que subia rapidamente nas pesquisas, Collor colocou em sua propaganda eleitoral um depoimento de Miriam Cordeiro, ex-namorada de Lula, dizendo que havia sido abandonada pelo candidato assim que ficou grávida. Desconstruindo a imagem de trabalhador honesto sustentada pelo adversário, voltou a crescer nas intenções de voto e foi eleito.

Em 2008, na eleição municipal de São Paulo, aconteceu um caso semelhante. No acirrado segundo turno entre Marta Suplicy (PT) e Gilberto Kassab (DEM), a petista insinuou, como provocação, que o concorrente seria homossexual ao questionar o fato de ele não ser casado nem ter filhos. A declaração infeliz, que não foi bem vista inclusive por integrantes e militantes do Partido dos Trabalhadores, funcionou como tiro no pé: a candidata, antes vista como favorita, caiu nas pesquisas e foi derrotada.

“A tática pode ou não funcionar. Depende do momento em que acontece, de como os ataques são colocados. Em 2014, não acho que esteja funcionando. Os dois fazem campanha para militantes e simpatizantes, os que querem ‘sangue nos olhos’, sendo que quem vai decidir a eleição são os indecisos, os que votaram branco ou nulo no primeiro turno e os que não votaram. Esses seriam atingidos com propostas. Uma pesquisa qualitativa para saber o que esse segmento da sociedade espera de um candidato funcionaria melhor. Isso eu ainda não vi. Parece que virou briga de jardim de infância. ‘Eu tenho, você não’. ‘Meu pai é, o seu não’. ‘Você tem aeroporto, você tem Petrobras’. Coisa de criança mesmo”, opina Manhanelli.

Militantes do PT e PMDB se enfrentam antes de debate:
Tensão de eleitores

Se você costuma navegar pelas redes sociais, deve ter presenciado (ou protagonizado) alguma discussão política fervorosa entre internautas simpatizantes de partidos diferentes nos últimos dias. Muitos deles diminuíram o número de “amigos” no Facebook ou de “seguidores” no Twitter exatamente por essas brigas. 

“No momento em que a campanha dá o tom, os militantes vão atrás. É como uma orquestra. Se o maestro fala que o tom é em ré, a orquestra toda vai em ré. Se ele fala que quer mudar para fá, a orquestra toda muda para fá. Como o tom das campanhas é agressivo, o militante acaba partindo para agressão e se desentende com pessoas de seu próprio círculo só por causa de política”, analisa Carlos Manhanelli, cujos contratos de atuação em campanha tiveram cláusulas de sigilo, o que o impede de revelar para quais partidos, políticos e campanhas já trabalhou.

Veja o cenário eleitoral nos estados Veja o cenário eleitoral nos estados

Fonte: Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade