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Política

Das ruas à Câmara santista: voto de protesto a Zé Macaco faz 20 anos

29 mai 2012 - 07h33
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Dassler Marques
Direto de São Paulo

Dwight Eisenhower era presidente dos Estados Unidos e, em visita a Santos, foi até a Vila Belmiro assistir a mais uma apresentação de Pelé e companhia nos anos 1960. Sem saber, se tornaria a "vítima" mais emblemática do humor, perspicácia e ironia de um dos personagens mais marcantes e famosos da história da Baixada Santista: João Vicente Saldanha da Cunha, o popular Zé Macaco.

Foi há 20 anos, em 1992, que Zé abandonou a política por problemas de saúde e encerrou ali sua trajetória de quatro anos como vereador em Santos. Ambulante, artista de rua e quase analfabeto, ele se tornou em 1988 o segundo vereador mais votado da história da política santista na ocasião.

Zé Macaco era filiado ao extinto Partido Democrático Social (PDS) e conseguiu 10.913 votos. Perdeu apenas para José Gonçalves, eleito com 11.822 votos em 1976. Bem antes de Tiririca, o intitulado voto de protesto levou aquele homem que vivia nas ruas à Câmara dos Vereadores.

Entre as mais diversas atividades que Zé Macaco desempenhou, a mais marcante foi como falso repórter esportivo. Ao longo de muitos anos, ele se dirigia à Vila Belmiro com uma lata de azeite pintada de preto com uma antena acoplada, que dizia ser um gravador portátil. Zé entrevistou autoridades e jogadores sem trabalhar para qualquer veículo e quase nunca teve sua farsa notada.

A soma da fama que tinha em Santos e a insatisfação geral da população com os políticos tornaram Zé Macaco um fenômeno das urnas em Santos. "Um grupo de trabalhadores portuários que teve a ideia", conta o ex-vereador Adelino Rodrigues, um dos mais próximos de Zé na Câmara. Comerciantes santistas compraram o desafio. Uma papelaria produzia os santinhos, que Zé Macaco distribuía pessoalmente.

"Ele era uma figura doce. Ter sido eleito foi uma brincadeira de mau gosto, porque ele não tinha noção de nada e era um sujeito extremamente simples e muito humilde", relembra Adelino. Ele elogia o desempenho do colega em quatro anos na Câmara municipal: "ele se interessou em saber das coisas, não se envolveu em panelinhas e foi um bom vereador".

As mil histórias de Zé Macaco

O momento mais emblemático de Zé Macaco foi ter presidido a sessão de posse da então prefeita Telma de Souza, mas essa é apenas uma das dezenas de histórias que envolvem seu nome. "O pessoal da Câmara deu a ele um cartão de crédito, era novidade na época. Disseram que ele podia comprar e comer o que quisesse e não precisaria pagar. Na hora de pagar, o gerente (do banco) procurou o Zé e ele disse que não ia pagar, que era de graça", conta Adelino, às gargalhadas.

Odair Gonzalez, vereador da época e que se mantém na Câmara, ri sobre o fato. "Ele era um frequentador assíduo da Pink Panther, a casa noturna mais famosa da época. Ele ia lá e só passava o cartão. Em um mês, o banco avisou que ele gastou o que ia ganhar em três meses de salário", diverte-se. Odair lembra de quando Zé Macaco entrou em um avião com os demais colegas para uma ida à Brasília.

"Ele adorava beber whisky e só falava 'on the rocks' ("com gelo", em inglês). No avião, alguns colegas disseram a ele que precisaria pedir nota fiscal do whisky para a prestação de contas e ele foi acordar o comissário de bordo. Mas é claro que estava incluído na passagem", recorda Odair.

Quem conviveu com ele lembra de manifestações curiosas que ajudaram a moldar seu perfil junto à população. Zé usava perna de pau, engolia vidros ou moedas e depois os fazia voltar e trabalhou como cobrador da agência Coringa. O ofício consistia em se dirigir à casa dos devedores para fazer barulho e anunciar aos vizinhos que ali havia um mau pagador. "Uma vez, um português recebeu a turma à bala", chegou a contar ao jornal A Tribuna.

Foi também ao jornal que Zé Macaco, às gargalhadas, relatou o dia em que acidentalmente ingeriu maconha. "Jogaram na minha bicicleta e eu nem sabia o que era aquele negócio. Minha esposa pensou que fosse erva comum e fez um chá. Ficou todo mundo doidão lá em casa", afirmou à época.

Um fato também famoso é sobre sua devoção à Maria Féa, cuja história ocorreu no Porto de Santos e ficou famosa - ela foi assassinada e seu corpo, fatiado, foi depositado em uma mala de viagens. Zé Macaco colava seus santinhos em cemitérios e o fez inclusive na campa de Féa. "O número da campa dela era o mesmo da minha candidatura, 11.624. É minha protetora", afirmou no passado.

O triste fim de Zé Macaco

Foi há 20 anos, em 1992, que Zé Macaco precisou deixar a Câmara pouco antes do fim de seu mandato. Um acidente de carro na saída de uma casa noturna em Santos vitimou Filomena, sua mulher, e ainda causou artrose em sua perna esquerda.

Sem recursos financeiros, ele chegou a ser despejado de onde morava por atraso de aluguel, o que revoltou a população. Sensibilizado, o então prefeito Oswaldo Justo resolveu contratá-lo para a Secretaria de Cultura e Zé divulgava os eventos culturais em passeios de triciclo pela cidade.

Aos 73 anos, sem causa divulgada, João Vicente Saldanha da Cunha morreu - a data foi 4 de novembro de 2006. Ele deixou o filho Marcos. Natural de Vitória da Conquista (BA), ele chegou a Santos aos 15 anos e construiu, com seu jeito peculiar, uma história até hoje inapagada.

Zé Macaco marcou época na política santista
Zé Macaco marcou época na política santista
Foto: Reprodução
Fonte: Terra
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