PUBLICIDADE

Renúncia a cidadania, prisões e abrigo: conheça história do Governo Mundial

Cidadãos do mundo têm o direito teórico de transitar livremente por quaisquer nações; organização afirma ter emitido quase 750 mil passaportes até hoje

10 nov 2013 - 14h23
(atualizado às 14h23)
Compartilhar
Exibir comentários
Qualquer um pode se registrar como cidadão do mundo e obter um passaporte mundial
Qualquer um pode se registrar como cidadão do mundo e obter um passaporte mundial
Foto: Divulgação

Enquanto os Estados Unidos debatiam a possibilidade de se envolver na guerra civil da Síria, no fim de julho, a voz de um pacifista se calou. Aos 91 anos, Garry Davis, o primeiro "cidadão do mundo", faleceu.

Nascido nos EUA, Davis tinha o sonho de derrubar fronteiras e pacificar o planeta. Para isso, 60 anos atrás, criou uma organização, o Governo Mundial para Cidadãos do Mundo (World Government for World Citizens), que desde então emite passaportes, certidões de nascimento e outros documentos que identificam seus detentores como cidadãos do mundo, com direito teórico de transitar livremente por quaisquer nações.

Entre os últimos documentos emitidos por Davis, está o de Edward Snowden, técnico em informática que revelou detalhes do programa de espionagem americano. Snowden, que teve seu passaporte americano revogado pelo governo, ficou preso na área de trânsito internacional do aeroporto de Moscou durante 38 dias neste ano.

“Garry Davis entendeu que o direito de viajar de Edward Snowden estava sendo invalidado pelo sistema de Estados-nação”, explica David Gallup, presidente do World Service Authority, braço administrativo do World Government. “Ele queria expôr a anarquia de um sistema de Estados-nação ao mesmo tempo em que lhe garantia direitos humanos fundamentais”.

Snowden não havia requisitado o passaporte. A World Government costuma presentear o documento a personalidades, como Barack Obama, e pessoas em extrema necessidade, como refugiados. Outro delator de segredos americanos, Julian Assange, criador do site WikiLeaks, também recebeu um passaporte mundial, oferecido por Davis. Hoje Assange se encontra asilado na embaixada do Equador em Londres.

A renúncia

Em maio de 1948, Davis renunciou a sua cidadania na embaixada dos Estados Unidos em Paris. Ex-ator da Broadway, ele arrependia-se de suas ações como piloto da força aérea dos EUA na Segunda Guerra Mundial. Assim, declarou-se um cidadão do mundo por considerar que, sem nações-Estado, não haveria guerras entre os países.

Naquele mesmo ano, obteve uma importante vitória em sua luta. Após interromper uma seção da assembleia das Nações Unidas para pedir um único governo para o mundo e promover passeatas pelas ruas de Paris, viu a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Desde a sua renúncia à cidadania americana, Davis foi preso diversas vezes tentando convencer oficiais de imigração de que ele, um cidadão do mundo, poderia entrar em seu país, embora não possuísse identificação reconhecida.

Governo Mundial

A partir de setembro de 1953, com a criação do Governo Mundial, mais vozes se juntaram ao seu grito de liberdade. Até hoje, a organização afirma ter emitido quase 750 mil passaportes.

O documento não é reconhecido oficialmente pela maioria das nações. Mas no site do Governo Mundial há uma relação enorme de fotos de passaportes mundiais visados em diferentes partes do planeta. Gallup salienta: “Mais de 160 países já reconheceram o passaporte mundial com vistos de entrada e saída para detentores desde 1954. Países continuam a emitir vistos e possibilitar o direito de viagem para quem carrega um passaporte mundial, e vários governos aceitam os documentos como identificação”.

Em muitos casos, segundo Gallup, o Governo Mundial assessora legalmente refugiados e asilados políticos. “Recentemente, por exemplo, nós enviamos 300 passaportes, sem custo, para refugiados em um campo de refugiados de Benin, na África”, conta o presidente da World Service Authority. “E também o trabalho do nosso Departamento Legal ajudou recentemente um refugiado da Eritreia a obter asilo e a um refugiado angolano obter residência permanente.”

"Nós nascemos como cidadãos do mundo", escreve Garry Davis no livro Passaporte para a liberdade: um guia para cidadãos do mundo, de 1992. "Mas também nascemos em um mundo dividido, um mundo de entidades separadas chamadas nações. Nós consideramos uns aos outros como amigos e mesmo assim somos separados por grandes barreiras criadas artificialmente. O que quer que pensemos um do outro, cada um de nós neste planeta é considerado 'alien' por bilhões de outros colegas humanos. O rótulo se aplica a todos os que não compartilham desse nosso status de cidadão nacional. E muitos milhões de nós, independentemente de religião, etnia ou raça, somos forçados a vestir outro rótulo: 'inimigo'."

Validade

Qualquer um pode se registrar como cidadão do mundo e obter um passaporte mundial. Para isso, basta pagar uma taxa, preencher um formulário e enviá-lo para a sede da organização, em Washington. Esse reconhecimento do World Government, no entanto, pode não ser o suficiente para o ingresso em qualquer país. Na prática, a aceitação ou não se resolve caso a caso.

De acordo com Gallup, o documento é válido, legal e reconhecido internacionalmente. Ele baseia a legalidade nos Artigos 55 e 56 do estatuto das Nações Unidas, no artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em mais de 100 constituições nacionais, nos reconhecimentos ao passaporte mundial em mais de 160 países e nos mais de 750 mil passaportes mundiais emitidos até hoje.

Mesmo assim, segundo Cláudia M. Vieira, mestre em Direito Internacional e Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa, o documento pode não ser aceito. “Ele só tem validade nos países que aceitaram sua emissão”, avalia. “Com base nos direitos nacionais, ele não tem necessariamente validade. Sob o aspecto dogmático, enfatizando a declaração dos direitos humanos, ele tem fundamento jurídico-legal, mas não o suficiente para ser considerado um documento legal de identificação na esfera internacional, pois os países têm suas próprias leis, e mesmo os direitos humanos se adequam às leis nacionais de cada país”.

GHX Comunicação GHX Comunicação
Compartilhar
Publicidade
Publicidade