Tema de casa vira negócio de verdade para alunos de escola agrícola
Manter os jovens no campo é o principal desafio das escolas agrícolas
Em vez de exercícios para resolver e livros para ler, rabanetes e cebolas para plantar. Para fazer o tema de casa, os alunos das Escolas Família Agrícola (EFA) no Brasil têm que sujar as mãos. Foi assim que o estudante Jardel Maleitzke mudou seu projeto de vida e, em vez de seguir carreira longe da propriedade, como fazem 70% dos filhos de agricultores no Rio Grande do Sul, tornou-se empreendedor agrícola, aos 18 anos.
Morador da zona rural do pequeno município de Sinimbu, ele é aluno da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (Efasc), um dos centros que estimulam a integração do que se aprende na escola com a prática no campo. A experiência de alternar uma semana na escola e outra em casa, aplicando os novos conhecimentos, o motivou a diversificar a produção da terra e tomar a frente dos negócios da família ao lado do pai.
Desde que iniciou o ensino médio técnico profissionalizante na Efasc, em 2011, Jardel, que se forma neste ano, passou a prestar mais atenção na propriedade fumageira em que vive. A familiaridade com o campo veio cedo, quando ainda criança observava a avó trabalhando na horta. Mas o estímulo para apostar hortaliças como produto de venda da família veio a partir de um projeto desenvolvido na escola.
"Antes de eu entrar na escola, meus pais apoiavam a ideia de sair da propriedade, porque ali a vida era sofrida. Mas eu insisti, comecei a levar conhecimento para casa, e eles viram que a gente tinha que mudar nosso pensamento, que a horta é só um começo", conta Jardel. A família de três pessoas, que até então se mantinha com cerca de R$ 10 mil por ano do cultivo do tabaco, passou a incrementar a renda mensal em R$ 230 com as hortaliças. Enquanto as vendas de tabaco da produção familiar diminuem, a horta cresce, e o estudante já planeja, a longo prazo, criar e vender aves.
Aulas interdisciplinares
Durante os três anos de ensino médio, os alunos da Efasc têm aulas com professores tradicionais, que ensinam conteúdos obrigatórios como português, matemática, história e química, ao lado de tecnólogos, engenheiros e biólogos. No primeiro ano, o aluno conhece sua propriedade; no segundo, aprende sobre tecnologias agrícolas; e, por último, desenvolve um projeto com viabilidade ambiental, técnica e financeira em sua propriedade ou comunidade.
As aulas não são divididas em disciplinas, mas em quatro áreas principais: produção vegetal, engenharia, linguagens e gestão de projeto. Em uma semana, desenvolvem atividades em casa ao lado da família, na semana seguinte, os alunos são avaliados e aprendem o conteúdo científico associado à atividade.
Tal metodologia é chamada de pedagogia de alternância e está presente em 264 centros educativos, chamados Centros Familiares de Formação por Alternância, divididos em 147 Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) e 117 Casas Familiares Rurais (CFRs), que oferecem ensino fundamental a partir da sexta série, ensino médio e técnico profissionalizante.
"O campo é, muitas vezes, visto como espaço de ignorância, e nós estamos tentando reverter essa visão. Trabalhamos com o jovem a ideia de que ficar no campo não é um fracasso", diz a coordenadora pedagógica da Efasc, Cristina Vergutv. Desde 2009, a escola já formou 66 estudantes, e desses, 69% tornaram-se sucessores das propriedades dos pais. Hoje, conta com 99 alunos e, no último processo de seleção, que envolve entrevista e prova teórica, 75 alunos concorreram para 30 vagas.
Os centros de formação por alternância funcionam como uma associação: não cobram mensalidade dos alunos, são sustentados com o auxílio de pais agricultores, instituições privadas e prefeituras regionais. Na Efasc, os pais contribuem com R$ 200 por mês para cobrir custos de alimentação para os alunos e manutenção da infraestrutura da escola. Seus representantes lutam por políticas públicas para as escolas se manterem e, em julho de 2012, conquistaram uma medida significativa: com uma mudança na lei federal número 12.695, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) passou a financiar essas escolas. A partir deste ano, as matrículas dos alunos serão contabilizadas no Censo Escolar e, em 2014, as escolas passarão a receber o financiamento.
Êxodo jovem
Os centros de formação por alternância nas zonas rurais têm sido um atrativo para evitar o esvaziamento do campo. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil a população jovem entre 15 e 24 anos que vive na zona rural diminuiu 22% entre 2000 e 2010. A estudante de jornalismo Vitória Famer, 22 anos, é uma das jovens que, junto dos dois irmãos, migrou da zona rural de Capivari para estudar em Porto Alegre. A propriedade da família, produtora de arroz e soja, está nas mãos do pai, na terceira geração, e pela primeira vez não tem candidatos a sucessores. "Meus pais não mediram esforços para nos dar educação. Sei que eles não vão estar aqui para sempre, e que, um dia, um de nós vai precisar cuidar das terras, mas essa com certeza não é minha vontade agora", diz Vitória.
Para a psicopedagoga e assistente técnica em juventude rural da Emater-RS, Vera Carvalho, a dificuldade de diálogo entre as diferentes gerações - e o intuito dos pais de proporcionar melhor condição de vida aos filhos - faz com que muitos abram mão de ter sucessores em suas terras. As Escolas Família Agrícola, no entanto, têm lutado para mudar essa cultura. "Em um trabalho frequente e assíduo com as famílias, temos visto mudanças. Quando o jovem vai para uma Escola Família Agrícola, ele se aproxima da cultura do campo e da dinâmica da agricultura familiar, e se sente pertencente àquele mundo", explica Vera. Quanto mais diversificada a produção na propriedade, maior a chance de atrair o jovem e dividir a renda entre a família.
É o caso do estudante de agronomia Adriano Ferrareze, 25 anos, que saiu do interior de Ilópolis para fazer curso superior em Porto Alegre, mas tem planos de voltar à terra dos pais e mudar o enfoque da produção de tabaco, erva-mate, milho e laranja. Com o estímulo da família, Adriano pretende transformar a fruticultura no carro-chefe da produção. "Voltando a trabalhar no setor primário, vou poder colocar em prática todas as minhas ideias e projetos", conta o novo empreendedor.