PUBLICIDADE

Tema de casa vira negócio de verdade para alunos de escola agrícola

Manter os jovens no campo é o principal desafio das escolas agrícolas

21 jul 2013 - 13h44
(atualizado às 13h44)
Compartilhar
Exibir comentários
Da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul, alunos levam conhecimento prático para suas propriedades rurais
Da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul, alunos levam conhecimento prático para suas propriedades rurais
Foto: Efasc / Divulgação

Em vez de exercícios para resolver e livros para ler, rabanetes e cebolas para plantar. Para fazer o tema de casa, os alunos das Escolas Família Agrícola (EFA) no Brasil têm que sujar as mãos. Foi assim que o estudante Jardel Maleitzke mudou seu projeto de vida e, em vez de seguir carreira longe da propriedade, como fazem 70% dos filhos de agricultores no Rio Grande do Sul, tornou-se empreendedor agrícola, aos 18 anos.

Morador da zona rural do pequeno município de Sinimbu, ele é aluno da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (Efasc), um dos centros que estimulam a integração do que se aprende na escola com a prática no campo. A experiência de alternar uma semana na escola e outra em casa, aplicando os novos conhecimentos, o motivou a diversificar a produção da terra e tomar a frente dos negócios da família ao lado do pai.

Desde que iniciou o ensino médio técnico profissionalizante na Efasc, em 2011, Jardel, que se forma neste ano, passou a prestar mais atenção na propriedade fumageira em que vive. A familiaridade com o campo veio cedo, quando ainda criança observava a avó trabalhando na horta. Mas o estímulo para apostar hortaliças como produto de venda da família veio a partir de um projeto desenvolvido na escola.

"Antes de eu entrar na escola, meus pais apoiavam a ideia de sair da propriedade, porque ali a vida era sofrida. Mas eu insisti, comecei a levar conhecimento para casa, e eles viram que a gente tinha que mudar nosso pensamento, que a horta é só um começo", conta Jardel. A família de três pessoas, que até então se mantinha com cerca de R$ 10 mil por ano do cultivo do tabaco, passou a incrementar a renda mensal em R$ 230 com as hortaliças. Enquanto as vendas de tabaco da produção familiar diminuem, a horta cresce, e o estudante já planeja, a longo prazo, criar e vender aves.

Aulas interdisciplinares

Durante os três anos de ensino médio, os alunos da Efasc têm aulas com professores tradicionais, que ensinam conteúdos obrigatórios como português, matemática, história e química, ao lado de tecnólogos, engenheiros e biólogos. No primeiro ano, o aluno conhece sua propriedade; no segundo, aprende sobre tecnologias agrícolas; e, por último, desenvolve um projeto com viabilidade ambiental, técnica e financeira em sua propriedade ou comunidade.

As aulas não são divididas em disciplinas, mas em quatro áreas principais: produção vegetal, engenharia, linguagens e gestão de projeto. Em uma semana, desenvolvem atividades em casa ao lado da família, na semana seguinte, os alunos são avaliados e aprendem o conteúdo científico associado à atividade.

Tal metodologia é chamada de pedagogia de alternância e está presente em 264 centros educativos, chamados Centros Familiares de Formação por Alternância, divididos em 147 Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) e 117 Casas Familiares Rurais (CFRs), que oferecem ensino fundamental a partir da sexta série, ensino médio e técnico profissionalizante.

"O campo é, muitas vezes, visto como espaço de ignorância, e nós estamos tentando reverter essa visão. Trabalhamos com o jovem a ideia de que ficar no campo não é um fracasso", diz a coordenadora pedagógica da Efasc, Cristina Vergutv. Desde 2009, a escola já formou 66 estudantes, e desses, 69% tornaram-se sucessores das propriedades dos pais. Hoje, conta com 99 alunos e, no último processo de seleção, que envolve entrevista e prova teórica, 75 alunos concorreram para 30 vagas.

Os centros de formação por alternância funcionam como uma associação: não cobram mensalidade dos alunos, são sustentados com o auxílio de pais agricultores, instituições privadas e prefeituras regionais. Na Efasc, os pais contribuem com R$ 200 por mês para cobrir custos de alimentação para os alunos e manutenção da infraestrutura da escola. Seus representantes lutam por políticas públicas para as escolas se manterem e, em julho de 2012, conquistaram uma medida significativa: com uma mudança na lei federal número 12.695, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) passou a financiar essas escolas. A partir deste ano, as matrículas dos alunos serão contabilizadas no Censo Escolar e, em 2014, as escolas passarão a receber o financiamento.

Êxodo jovem

Os centros de formação por alternância nas zonas rurais têm sido um atrativo para evitar o esvaziamento do campo. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil a população jovem entre 15 e 24 anos que vive na zona rural diminuiu 22% entre 2000 e 2010. A estudante de jornalismo Vitória Famer, 22 anos, é uma das jovens que, junto dos dois irmãos, migrou da zona rural de Capivari para estudar em Porto Alegre. A propriedade da família, produtora de arroz e soja, está nas mãos do pai, na terceira geração, e pela primeira vez não tem candidatos a sucessores. "Meus pais não mediram esforços para nos dar educação. Sei que eles não vão estar aqui para sempre, e que, um dia, um de nós vai precisar cuidar das terras, mas essa com certeza não é minha vontade agora", diz Vitória.

Para a psicopedagoga e assistente técnica em juventude rural da Emater-RS, Vera Carvalho, a dificuldade de diálogo entre as diferentes gerações - e o intuito dos pais de proporcionar melhor condição de vida aos filhos - faz com que muitos abram mão de ter sucessores em suas terras. As Escolas Família Agrícola, no entanto, têm lutado para mudar essa cultura. "Em um trabalho frequente e assíduo com as famílias, temos visto mudanças. Quando o jovem vai para uma Escola Família Agrícola, ele se aproxima da cultura do campo e da dinâmica da agricultura familiar, e se sente pertencente àquele mundo", explica Vera. Quanto mais diversificada a produção na propriedade, maior a chance de atrair o jovem e dividir a renda entre a família.

É o caso do estudante de agronomia Adriano Ferrareze, 25 anos, que saiu do interior de Ilópolis para fazer curso superior em Porto Alegre, mas tem planos de voltar à terra dos pais e mudar o enfoque da produção de tabaco, erva-mate, milho e laranja. Com o estímulo da família, Adriano pretende transformar a fruticultura no carro-chefe da produção. "Voltando a trabalhar no setor primário, vou poder colocar em prática todas as minhas ideias e projetos", conta o novo empreendedor.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade