PUBLICIDADE

Sem recreio, linha montessoriana está em 27 escolas do País

26 mar 2014 - 08h35
Compartilhar
Exibir comentários

A estante decorada por dezenas de objetos coloridos é o que atrai a criança, procurando um brinquedo – e uma lição, inconscientemente. Ela pega uma caixa com materiais dourados que ensinam matemática. E, assim como seus colegas de escola, passa a contar, sem números ou desenhos. Tem na mão apenas algumas peças amarelas, que, conforme a quantidade, ela vai aprendendo a chamar de “um”, “dez” ou “cem”. O professor passeia pelo local, indo de criança em criança. Em suas mãos, não há nenhum giz – também não é preciso, onde está o quadro-negro? Mas o lugar é uma escola. Ainda que, definitivamente, essa não seja uma escola tradicional.

Cenas parecidas com essa acontecem em instituições de ensino que seguem o método pedagógico montessoriano. Idealizado pela médica e educadora Maria Montessori no início do século XX, a linha alternativa é adotada por 27 escolas brasileiras, em dez Estados, segundo cadastro na Organização Montessori do Brasil. “O método montessoriano tem ênfase na individualidade. Vai além do acúmulo de informações dos métodos tradicionais”, afirma Paty Fonte, educadora especialista em pedagogia de projetos.

A pedagogia Montessori é desenvolvida, sobretudo, na educação infantil, até o 5º ano. As turmas são divididas em faixas etárias e devem ser compostas por até 20 alunos. Além disso, defende a autodisciplina das crianças, que é incentivada pelo contato prático com materiais didáticos. Segundo Paty, o sistema montessoriano foi revolucionário por dar liberdade às crianças de escolherem o que aprender e qual atividade fazer.

As salas também foram inovações na época – são repletas de objetos com funções educativas específicas e adequadas ao tamanho dos alunos.

Paty destaca algumas pequenas atividades do sistema. “Nas aulas, os alunos têm que guardar o material, saber a hora certa de pegar o do colega. Em escolas clássicas montessorianas, as crianças fazem seu lanche, limpam o que usam. Há aulas sobre meio ambiente, higiene. Isso é uma preparação para a vida”, afirma. A educadora conta que geralmente não há horários de recreio, com o objetivo de fazer a criança entender que não há diferença entre os momentos de lazer e aprendizado.

A formação dos docentes configura outro avanço conquistado pela metodologia, de acordo com Gilza Maria Zauhy Garms, professora da faculdade de educação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Para lecionar em escolas montessorianas, os docentes devem fazer cursos específicos. “Os objetos didáticos são próprios da linha montessoriana. Eles precisam conhecer cada material, como usá-los e para que servem”, explica.

Por permitir ao aluno escolher as atividades escolares, cabe ao professor guiá-lo e evitar disparidades entre as áreas de conhecimento. “O professor não impõe, não dá nenhum conhecimento pronto. Eles precisam orientar e desafiar o aluno para que aprendam o adequado”, relata Paty. Os casos de indisciplina não são comuns, conforme ela. “Mas não há castigos, assim como não há prêmios. O aluno muda ao perceber que está se prejudicando e não acompanha o ritmo da turma”.

Dayse Canano, diretora da escola montessoriana Petra, no Rio de Janeiro, acredita que o método reconhece as “diferentes inteligências” das crianças, o que pode não acontecer em escolas tradicionais. “Há alunos que têm mais aptidão na área motora, por exemplo, e esse potencial deve ser observado e explorado. A inteligência é definida como ‘a maneira como se resolvem problemas’. Essas maneiras não são iguais para todos”, diz.

A forma de avaliação mais comum se dá pela observação diária e individual. Ao final de cada etapa, os professores apresentam relatórios de avanço que dizem se a criança está apta para o próximo nível.

Críticas

Desde o seu surgimento, o método montessoriano sofre críticas. Uma delas é a impossibilidade da criança definir como irá exercer a atividade, apesar de ter liberdade de escolher qual irá fazer. “Apesar de pregar autonomia, todas as atividades montessorianas são pré-determinadas, não há flexibilidade. A autonomia gerada pelo método, segundo seus defensores, se constrói a partir de atividades que devem ser rigorosamente seguidas para o aprendizado”, afirma Gilza.

Por isso, a professora não acredita que seja um exemplo característico de educação livre. Para ela, a pedagogia de Célestin Freinet é um exemplo de projeto que rompe com a rigidez. Essa metodologia consiste em promover o trabalho, cooperação e participação ativa das crianças através de oficinas.

Outro questionamento que a proposta Montessori enfrenta é a de que impõe uma divisão do conhecimento. “A sequência programada das atividades fragmenta a percepção, o intelecto, a vida social em sala de aula. Ainda que a criança deva conseguir reunir todo o conhecimento ao final do processo, a cognição será mais difícil de ser alcançada”, afirma. Para explicar a teoria, Gilza toma como exemplo o padrão do ensino de cores nas escolas em geral. “Há o hábito de ensinar as cores separadamente em sala de aula. Mas o mundo é feito de todas as cores. Essa necessidade de relacionar o conhecimento é o que será afetado”.

Dificuldades de adaptação

Segundo Gilza, nenhum método pedagógico atual consegue ser totalmente inclusivo e favorecer a todos os perfis de pessoas. A professora acredita que crianças mais agitadas, sociáveis, inquietas e curiosas podem não se adaptar às atividades individuais da linha montessoriana.

Segundo Paty, a socialização acontece nas chamadas aulas de linha, em que os alunos se reúnem em círculo, ao redor de um objeto que será ensinado. Nesses momentos há troca de conhecimento, são contadas histórias e cantam-se músicas – o que não é suficiente, diz Gilza. “Ainda que haja mais relacionamento nessas aulas, elas ainda são pré-definidas. Todos cantam a mesma música, cada um tem uma hora certa para falar”, critica.

Remendos de metodologias

Gilza conta que, com o passar dos anos, as linhas pedagógicas começaram a fazer trocas, o que gerou “remendos de metodologias” em escolas do país. Assim, em salas de aula tradicionais pode haver exercícios montessorianos. Até mesmo na internet é possível observar jogos educativos que se aproximam das atividades do método. “Um clique da criança leva a uma reação e ela somente comanda o que está programado. Esse tipo de jogo tem características montessorianas. E, a menos que tenhamos condição de ensinar as crianças a criarem seus jogos, isso continuará assim”.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade