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Rubem Braga: cronistas definem legado no centenário de escritor

12 jan 2013 - 11h16
(atualizado às 11h42)
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Repórter, redator, editorialista e, acima de tudo, cronista - talvez o mais lírico e subjetivo entre os escritores brasileiros do gênero. Há 100 anos, nascia Rubem Braga em Cachoeiro do Itapemirim, cidade a 134 km de Vitória (ES). Considerado por diversos críticos um mestre da poesia em prosa, a obra do escritor contribuiu para dar à crônica seu desenho moderno, de tom confessional e com foco no detalhe, e um lugar próprio no cânone literário nacional.

Rubem Braga (esq.) aparece na foto ao lado do irmão, Newton
Rubem Braga (esq.) aparece na foto ao lado do irmão, Newton
Foto: Wikimedia Commons/Reprodução

Ainda menino, após se desentender com um professor no colégio, Rubem Braga foi enviado pelos pais para estudar no Rio de Janeiro, onde mais tarde deu início à faculdade de Direito. O gênero que mais tarde o consagraria foi sua porta de entrada para o jornalismo aos 15 anos, época em que os irmãos mais velhos Armando e Jerônimo fundaram o jornal O Correio do Sul, em Cachoeiro: além de contribuir com reportagens, o escritor ganhou uma coluna própria no veículo chamada Carta do Rio, em alusão ao local onde morava. Quando se mudou para Minas Gerais, onde concluiu o curso de Direito, o espaço mudou o nome para Carta de Minas, e o autor também passou a publicar uma crônica diária no Diário da Tarde, de Belo Horizonte.

Formado em 1932, acabou preterindo a carreira como advogado para se tornar repórter: no mesmo ano, fez a cobertura da Revolução Constitucionalista em Minas Gerais para os Diários Associados e chegou a ser preso. Transferindo-se para Recife, começou a assinar crônicas policiais para o Diário de Pernambuco e, em 1935, fundou o próprio jornal na cidade, a Folha do Povo. O veículo foi fechado quatro meses após a inauguração durante o processo de repressão à Intentona Comunista e só voltou a circular dez anos mais tarde, integrando a cadeia de jornais do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Desde o início dos anos 1930, Braga já manifestava oposição ao Estado Novo em suas publicações e voltou a ser preso algumas vezes durante o período, escondendo-se em diversas cidades do País. A seguir, saiba como outros escritores veem a obra de Rubem Braga.

Mot juste, a palavra exata

Dois fatos importantes marcaram o ano de 1936 na vida do escritor: o casamento com Zora Seljan ‒ mãe de seu único filho, Roberto, e de quem posteriormente se separou ‒ e o lançamento de seu primeiro livro, O Conde e o Passarinho, pela editora José Olympio. A crônica que dá título à obra começa com a frase "A minha vida sempre foi orientada pelo fato de eu não pretender ser conde", que pode ser aplicada ao perfil do autor: tal qual sua obra, redigida em linguagem simples e textos curtos, Braga ficou conhecido pelo temperamento introspectivo e solitário. "Com toda a famosa casmurrice, era um homem encantador, e, ao vivo, tão econômico com as palavras quanto escrevendo", conta o escritor e jornalista Ruy Castro. A impressão foi confirmada durante uma tarde inteira em um restaurante de Portugal, em um encontro promovido pelo produtor Irineu Garcia.

Para Castro, a maior contribuição de Rubem Braga para a crônica no Brasil foi provar que não há tema que o gênero não cubra - qualquer coisa, desde o mais insignificante, pode virar assunto. "O que importa é o que está por trás da conversa fiada. Ele mostrou isso usando a mot juste, a palavra exata, em vez da mot magique, a palavra mágica, ainda comum no tempo em que ele começou", explica o escritor. Certamente o jornalismo ensinou algo sobre a construção de textos a Braga, mas dado o estilo mais comum na época em que sua produção começou, o exercício da profissão serviu apenas para refinar o estilo econômico próprio do autor. "Pegue uma página de jornal mesmo dos anos 50, contendo uma crônica de Rubem. O que vem impresso ao redor dela parece outra língua, cheia de excessos, filigranas e narizes-de-cera", observa.

A escrita livre de ostentações, ferramenta importante na abordagem objetiva da realidade sem abrir mão do sentimento, é uma das características que constituem o valor literário de sua obra, um corpo maciço de narrativas sobre temas elevados a partir de trivialidades ‒ seja a observação de um pé de milho, seja a pausa de um delegado para o cafezinho. "Talvez seja quem melhor soube traduzir um fato banal em grande literatura, sem o ranço de literatice e sem a solenidade chata da coisa literária. Deu o tom de conversa, como quem diz uma coisa na janela para um passante", comenta o jornalista e escritor Xico Sá, autor de Modos de macho & modinhos de fêmea e outros livros de crônicas. Sá ‒ que acredita que o gênero encontrou na internet o meio ideal para uma espécie de renascimento ‒ descobriu Rubem Braga por volta dos 20 anos, nas 200 Crônicas Escolhidas. "De lá até cá, releio quase toda semana pelo menos uma crônica do gênio. É treino, aprendizado permanente", conta.

De forma sutil, espontânea e bem-humorada, a escrita minimalista do autor mergulha fundo no íntimo das pessoas, muitas vezes tecendo críticas sociais de impacto. "A técnica de Braga é dar aparência de pouco apreço aos fatos do mundo real, escolhendo-os como pretexto para a divagação pessoal", analisa Eduardo de Faria Coutinho, professor titular de Literatura Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nas crônicas do escritor, há recorrência de temas como a solidão, a morte, as diversas facetas do amor e a memória da infância, resgatada simultaneamente ao registro da vida na cidade, além de indagações existenciais.

Alimentando-se, como o jornalismo, dos assuntos de momento ‒ o que permite à crônica alcançar leitores de todos os perfis ‒, na falta de grandes eventos, ou frente à abundância de fatos desinteressantes, o autobiográfico soluciona a ausência de notícia. "A força de sua crônica parece residir no fato de que, para ele, cada pessoa, cada coisa, tem uma história que ele contempla sob a perspectiva do que passa. É de onde vem a doce ironia e o tom melancólico de seus escritos", diz o professor.

"Sou uma máquina de escrever com algum uso, mas em bom estado de funcionamento"

Em 1938, Rubem Braga fundou com os colegas de profissão Samuel Wainer e Azevedo Amaral a revista Diretrizes ‒ outra empreitada que foi tirada de circulação na década de 1940 por ordem do governo. Após a publicação de seu segundo livro, O Morro do Isolamento, o escritor tomou parte como correspondente de guerra do Diário Carioca na campanha da Força Expedicionária Brasileira (FEB) em Monte Castelo, na Itália, em 1945. A experiência ‒ relatada no livro Com a FEB na Itália e que rendeu textos cujo foco estava no cotidiano dos soldados em vez de grandiosas coberturas de guerra ‒ contribuiu para que Braga se especializasse aos poucos no "jornalismo de autor", estilo que alimentou sua produção de crônicas.

Já no Brasil, o escritor se estabeleceu definitivamente no Rio de Janeiro, onde passou a escrever crônicas e críticas literárias para o Jornal Hoje, da Rede Globo, e para os jornais Folha da Tarde, Folha da Manhã e Folha de São Paulo. Foi enviado novamente ao exterior em 1947, como correspondente do Globo em Paris, e do Correio da Manhã, em 1950. Três anos depois, foi nomeado Chefe do Escritório Comercial do Brasil em Santiago, no Chile. Durante a década de 1960, foi embaixador do Brasil no Marrocos e, de volta ao País, fundou a editora Sabiá com os escritores Fernando Sabino e Otto Lara Resende, apresentando nomes como Gabriel García Márquez, Pablo Neruda e Jorge Luis Borges ao público nacional.

Em decorrência de um tumor na laringe que preferiu não tratar, o autor faleceu à noite em 19 de dezembro de 1990, aos 77 anos, sedado em seu quarto no Hospital Samaritano (RJ) e quando ainda trabalhava na Rede Globo. Dias antes, reuniu os amigos em sua cobertura em Ipanema e pediu que fosse deixado sozinho no hospital e que não houvesse velório nem qualquer cerimônia fúnebre. Para os que ficaram ‒ e que vieram ‒, deixou mais de 15 mil crônicas produzidas em 62 anos de jornalismo. No ano seguinte, a Secretaria da Cultura de Vitória criou a Lei Rubem Braga (nº 3.730/1991) para conceder incentivos fiscais às empresas da cidade que financiassem projetos culturais, servindo de modelos para outras leis de incentivo à cultura no Brasil.

Desde 1987, a casa da família Braga está aberta à visitação em Cachoeiro do Itapemirim como destino turístico-cultural para guardar a memória de seus integrantes. Em 2010, o terceiro acesso à estação de metrô General Osório, na zona sul do Rio, foi batizado como Complexo Rubem Braga em homenagem ao escritor, que morava no prédio vizinho.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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