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RS: sem professores há 40 dias, cursos técnicos decepcionam alunos

Das 12 escolas estaduais que oferecem curso técnico em Porto Alegre, cinco têm dificuldades na contratação de professores

9 abr 2013 - 07h52
(atualizado às 08h27)
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<p>Alunos do 1º semestre do técnico em informática, Kleber Barbosa, Gilmar Jacobsen e Daniel Pinheiro (da esq. para a direita), ainda não tiveram aulas em quatro disciplinas</p>
Alunos do 1º semestre do técnico em informática, Kleber Barbosa, Gilmar Jacobsen e Daniel Pinheiro (da esq. para a direita), ainda não tiveram aulas em quatro disciplinas
Foto: Angela Chagas / Terra

Com o mercado de trabalho aquecido na área de tecnologia da informação (TI), fazer um curso técnico em informática era a oportunidade de mudar de vida para Gilmar Jacobsen, 34 anos, que há três anos tentava uma vaga no sorteio para estudar no Colégio Estadual Protásio Alves, em Porto Alegre (RS). Passados 41 dias do começo das atividades na escola, ele não teve aula das principais disciplinas do curso por falta de professores. A empolgação para Jacobsen e outros milhares de jovens que buscam a educação profissional nas escolas da rede estadual se traduz hoje em decepção.

Levantamento feito pelo Terra nas 12 escolas estaduais que oferecem cursos técnicos na capital gaúcha aponta que cinco delas precisam lidar com a falta de professores. No curso de Jacobsen, os alunos ainda não tiveram nenhuma aula no primeiro semestre em quatro disciplinas: sistema operacional, arquitetura e montagem, banco de dados e redação técnica. "São as cadeiras mais importantes do técnico. Fazemos um curso de informática sem professor de informática", criticou o estudante, que trabalha como autônomo consertando computadores.

Segundo a direção do Protásio Alves, essas disciplinas têm uma carga horária semanal de até cinco períodos (com duração de 50 minutos cada). Sem professor, o colégio não tem outra alternativa se não mandar os alunos embora. "Às vezes viemos na escola para ter uma aula. Quando a matéria que falta professor é depois do recreio, sempre vamos para casa. Tem dias que nem vale a pena vir", disse o colega de Jacobsen, Daniel Pinheiro, também com 34 anos.

Com curso profissionalizante do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) na área de arquitetura e montagem de computadores, ele se ofereceu para ensinar os colegas enquanto a turma não tem professor, mas a sugestão não foi aprovada pela direção da escola. "Disseram que não podem liberar o laboratório de informática para um aluno, precisa ter um responsável". Segundo a direção, não há previsão de contratação dos docentes. Com isso, o curso que teria duração de um ano e meio deve ser prorrogado para, no mínimo, dois anos.

O Terra visitou a escola, que atende mais de 2,4 mil alunos do ensino médio e dos cursos técnicos, na noite da última quinta-feira. Pelos corredores, os alunos demonstravam indignação com o "descaso" com o curso de informática. "Quem sabe fazemos um abaixo-assinado, vamos entregar lá na Secretaria da Educação para ver se tomam uma atitude", sugeriu Daniel Pinheiro, que é vice-líder da turma do primeiro semestre e um dos mais revoltados com a situação. 

Na sala da direção, a vice-diretora do turno da noite, Ana Maria de Souza, tentava administrar a indignação dos alunos com a rotina nada tranquila de uma grande escola. Além de não contar com professores para o curso técnico, ela ainda precisa lidar com os docentes que faltam ao trabalho. Naquela quinta-feira de chuva intensa, um professor de português do ensino médio ligou avisando que estava doente. Sem um substituto para assumir os cinco períodos, ela mandou um aluno do primeiro ano, que reclamava da ausência, ficar esperando com os colegas dentro da sala até a próxima aula. Pouco depois, outra estudante entrou porta adentro reclamando que a biblioteca estava fechada. A menina foi obrigada a dar meia volta e deixar para pegar o livro que precisava no dia seguinte, já que sem uma bibliotecária a sala só é aberta em alguns horários, dois dias na semana. 

"É difícil, mas eu estou aqui, aceitei assumir a vice-direção, porque acredito que podemos melhorar", disse Ana Maria, professora da rede estadual há 10 anos. Segundo ela, o maior problema dos cursos de informática é que os profissionais da área não têm interesse em dar aulas por um salário que não atinge sequer o piso nacional - no Rio Grande do Sul, um professor com carga horária de 40 horas semanais ganha menos de R$ 1 mil como vencimento básico. "O salário de um mês no magistério eles ganham em um fim de semana na iniciativa privada. Me diz, quem vai querer?".

Para a vice-diretora, além do salário, outro problema é que o Estado não prioriza o concurso público para as carreiras técnicas. Os docentes desses cursos são contratados de forma temporária e acabam permanecendo pouco tempo nas escolas. No Protásio Alves, assim como em outras escolas da rede, o problema não é recente. Os alunos que começaram o técnico no segundo semestre do ano passado, ainda não tiveram aulas nas disciplinas de arquitetura e montagem, sistema operacional e banco de dados. "É muito complicado porque eles estão com essa lacuna no aprendizado. São disciplinas que são pré-requisito para as demais", diz Ana Maria, sem saber quando será possível concluir o curso.

Aulas nas férias para compensar a falta de professores

Na Escola Técnica Parobé, um gigante com 3,7 mil alunos, a direção só conseguiu professor para a disciplina de construção de estradas no final do semestre passado. Com isso, os alunos passaram todo o período de férias tendo aula. "A Secretaria da Educação tem um banco de dados com professores cadastrados, mas eles chegam aqui (na escola) sem experiência nessas disciplinas mais específicas. Para dar aula de construção de estradas, precisa ser alguém que trabalhe com isso. E agora eu pergunto, um engenheiro que trabalha com isso vai querer dar aula numa escola pública?", questiona a diretora, Carmen Angela Straliotto de Andrade.

Neste momento, a escola está com o quadro de docentes completo, mas Carmen não sabe até quando a situação continuará tranquila. "A desistência é muito grande. O professor contratado fica um tempo e sai, aí recomeça todo o processo em busca de uma nova pessoa", disse. Segundo ela, as maiores dificuldades de contratação são nos cursos de edificações, construção de estradas e eletrônica.

Na Escola Técnica Professor Ernesto Dornelles, a situação também é difícil. Os alunos dos cursos de design de interiores e de prótese dentária estão sem dois professores desde o começo das aulas, em 27 de fevereiro. Segundo a diretora, Irene Longhi, a professora de design deve começar as atividades nos próximos dias. Sobre o professor de prótese dentária, a Secretaria da Educação informou que a contratação já foi encaminhada.

Mais uma vez, o problema é a falta de especialistas interessados em dar aulas. "Nas disciplinas regulares, como português e matemática, é mais fácil porque a gente faz um remanejo entre as escolas. Mas nos cursos técnicos não tem gente na rede para suprir essas carências", diz a diretora.

A falta de professores ainda foi verificada na Escola Técnica José Feijó, na qual a professora de matemática e estatística precisou tirar licença saúde no começo no ano letivo por causa de uma gestação de risco e um substituto não foi encontrado. Segundo a Secretaria da Educação, nenhuma demanda foi apresentada porque em licenças inferiores a 30 dias a própria escola deve resolver a falta do docente remanejando professores de outras disciplinas.

Já na escola Coronel Emílio Massot, falta um professor no curso técnico em administração, além de docentes de literatura e espanhol para as turmas do ensino médio. O Terra não conseguiu maiores detalhes sobre os problemas na instituição porque a direção se recusou, após várias tentativas de contato telefônico e até uma visita na escola, a falar com a reportagem. A Secretaria da Educação não tem conhecimento dos problemas na instituição.

De 1.603 inscritos no último concurso, apenas 30 tomaram posse

De acordo com dados da Secretaria Estadual da Educação, no último concurso do magistério, feito no ano passado, 1.603 pessoas se inscreveram para dar aulas em cursos técnicos no Estado, mas apenas 48 foram aprovadas. Dessas, somente 30 tomaram posse, já que cinco não tinham as habilitações exigidas no edital e 13 desitiram de assumir o cargo. Um novo concurso vai ser feito este ano com a expectativa de preencher 480 vagas de educação profissional.

Diretora de Recursos Humanos da secretaria, Virgínia Nascimento culpa as gestões anteriores pelas deficiências nas escolas técnicas da rede. "Os dois últimos governos não fizeram concurso público, por isso temos tanta dificuldade na contratação", afirmou em entrevista por telefone. Ela disse que concorda que os contratos temporários dificultam a permanência dos profissionais nas escolas e acredita que no concurso deste ano o número de nomeações será maior.

"Tivemos muita dificuldade no último concurso, as pessoas não acreditavam que o governo iria nomear tanta gente e não se prepararam, mas agora a situação é diferente". Sobre os salários não serem atrativos, ela descarta a criação de um plano de carreira específico para as escolas técnicas e diz que o governo estadual está trabalhando para cumprir com o piso nacional, sem fazer alterações no plano de carreira da categoria. "Não é porque é da área técnica que vai ter salário diferente", disse.

Sobre a situação no Colégio Protásio Alves, a diretora afirmou que as contratações foram encaminhadas e os professores devem chegar à escola num prazo médio de 14 dias. Enquanto isso não acontece, a Jacobsen e os colegas que viam no curso técnico - e na ampla demanda do mercado de trabalho por profissionais especializados - uma oportunidade de mudar de vida, resta lamentar. "Esse curso abrange uma área muito específica, tem aulas de redes, linguagem de programação, as oportunidades de emprego são muito boas. Mas agora, sem aula, não sei como vai ficar". 

Fonte: Terra
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