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RS: professora enfrenta 12 horas na sala de aula e ainda faz bico

7 out 2011 - 09h57
(atualizado às 10h07)
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Angela Chagas

Fátima da Cruz Stalter trabalha cerca de 12 horas por dia em três escolas do interior do Rio Grande do Sul
Fátima da Cruz Stalter trabalha cerca de 12 horas por dia em três escolas do interior do Rio Grande do Sul
Foto: Divulgação

Com três filhos, dois adolescentes e uma criança de apenas 1 ano e seis meses, Fátima da Cruz Stalter, 44 anos, precisa se desdobrar para dar conta da rotina de mãe e professora. Moradora de São Luiz Gonzaga, no interior do Rio Grande do Sul, Fátima se reveza nas atividades em três escolas, em uma jornada de trabalho que chega a 12 horas por dia. "É bem cansativo, só que com o salário que a gente ganha não tem opção", conta a educadora, que ainda encontra tempo para um bico: vender cosméticos.

Veja quanto ganha um professor em cada Estado brasileiro

Educadora no Estado que menos paga no regime de 40 horas semanais - R$ 862,80 de vencimento básico -, Fátima começou a carreira no magistério há 22 anos. Com o aumento da família, há pelo menos 10 anos teve de ampliar a carga horária de aulas para dar conta de pagar as contas. A venda de cosméticos da Natura também garante um reforço ao orçamento familiar. "Eu levo no colégio, vendo para as professoras. É uma forma de ganhar um dinheirinho a mais", diz ao destacar que a filha de 16 anos ajuda a "administrar" as vendas.

No pouco tempo que tem para almoçar antes de seguir para mais uma jornada de aulas, ela fala sobre a rotina, que começa cedo. Às 7h30 a professora já está na primeira escola, onde dá aulas de História e Geografia para alunos da 8ª série. A pé, no meio da manhã ela segue para outro colégio, onde ensina as mesmas matérias. Ao meio-dia, corre para casa para almoçar a refeição feita pelo marido e se preparar para mais uma jornada. À tarde, ensina crianças do segundo ano, em uma terceira escola. "A minha vantagem é que os colégios não ficam muito distantes da minha casa, faço tudo a pé".

Após dar aulas para crianças com idade média de 7 anos, a professora ainda tem fôlego para ficar na escola até as 22h para ensinar Geografia a alunos que têm entre 16 e 60 anos, das turmas de educação de jovens e adultos.

Mais de 12 horas depois de iniciar a jornada, quando a cabeça "já não raciocina mais" e as pernas estão cansadas, Fátima ainda encontra forças para chegar em casa e cuidar dos filhos e do marido, que é funcionário dos Correios. "O ideal seria trabalhar só durante o dia, para ter mais tempo para a família, para cuidar dos filhos. Eles crescem muito rápido e, quando a gente se dá conta, não pode aproveitar todos os momentos com eles", afirma ao lamentar a falta de tempo para cuidar do filho menor, que fica o dia inteiro em uma creche pública e, à noite, sob os cuidados do pai.

Paixão pela profissão

Graduada em Geografia e com especialização em interdisciplinaridade, a professora diz que não se arrepende ao ter escolhido a profissão de professora. "Gosto da minha profissão, principalmente de trabalhar com os pequenos. Acho que é por isso que eu consigo levar as 60 horas de trabalho, porque eu amo que eu faço", afirma ao destacar que é preciso ter vocação para ensinar.

Fátima lembra que na época em que decidiu cursar a faculdade de Geografia, "ser professora era o máximo". Mais de duas décadas depois, ela acredita que a profissão está desvalorizada. "A gente faz a graduação, faz uma pós, mas o salário continua baixo. Pela importância do nosso trabalho, deveríamos ganhar bem mais, mas o governo não valoriza, a sociedade também não", afirma.

A professora diz que enfrenta problemas de indisciplina na sala de aula, mas na cidade do interior os casos de violência são raros. "O maior obstáculo é a falta de vontade dos alunos. Eles não enxergam a escola como um atrativo. Aí os pais culpam a gente. Tem dia que eu canso, me estresso, mas acho que se tivesse um salário melhor, seria mais fácil, me sentiria mais valorizada".

Para ela, receber o piso salarial do magistério - que é lei em todo o País, mas ainda não foi cumprida no Rio Grande do Sul - é uma realidade distante. "Se o salário fosse melhor, eu poderia trabalhar menos, teria mais tempo para a família e também para me dedicar às aulas, fazer atividades diferentes, que chamassem a atenção dos alunos. Tudo seria melhor", diz a professora que ainda precisa dedicar parte dos finais de semana para corrigir provas e elaborar conteúdos.

Com uma renda de R$ 2,5 mil por mês ela sonha com o cumprimento do piso. "Se o governo pagasse o que diz a lei, eu trabalharia somente durante o dia". Enquanto a situação não muda, ela conta o tempo que falta para a aposentadoria. "Faltam seis anos, preciso aguentar", completa a educadora.

Promessa de campanha

Na campanha eleitoral do ano passado, o então candidato ao governo do Rio Grande do Sul Tarso Genro (PT) havia assumido o compromisso de pagar o piso salarial para todos os professores do Estado. De acordo com a secretaria de Educação, a "promessa" continua de pé, mas será cumprida somente até 2014. O governo alega que não tem recursos para pagar imediatamente o piso, já que o impacto anual do reajuste é de 1,7 bilhão.

A secretaria afirmou que vai apresentar um cronograma de reajuste gradual para a categoria e que o piso será pago para todos os servidores, incorporando os benefícios ao vencimento básico como diz a lei, e não somente para aqueles que recebem abaixo de R$ 1.187, como é proposto em outros Estados.

Fonte: Terra
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