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RS: bolsista vende rifa para acompanhar colegas em intercâmbio

26 mai 2013 - 12h23
(atualizado às 12h23)
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Eduarda Oliveira Leal, de 13 anos, é bolsista e aluna do ensino bilíngue do colégio Pastor Dohms, em Porto Alegre
Eduarda Oliveira Leal, de 13 anos, é bolsista e aluna do ensino bilíngue do colégio Pastor Dohms, em Porto Alegre
Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação

"Filha, você nunca vai". Essa foi a frase que a estudante de 13 anos Eduarda Oliveira Leal, bolsista do colégio Pastor Dohms, ouviu da mãe quando comentou sobre o intercâmbio à Alemanha planejado por seus colegas da oitava série e cujo pacote custa 3.559 euros. 

Desde que entrou na instituição particular, em Porto Alegre, aos sete anos e já com bolsa, ela sabia que nem sempre poderia ter os mesmos materiais ou vestir as mesmas roupas que os colegas, muito menos acompanhá-los em todas as programações. Mas com a ajuda da família e de amigos, ela conseguiu o dinheiro e vai passar 35 dias na Europa com os colegas, com embarque marcado para junho.

Filha mais velha de uma doceira e de um professor de aulas práticas de direção, Eduarda é uma das 300 bolsistas da escola de 1,4 mil alunos, cuja mensalidade é de R$ 920 - montante que dificilmente seria pago com o salário do pai de R$ 1.201 e um pequeno complemento da mãe. 

Em 2006, sua mãe, Kátia Simone Oliveira Leal, enviou uma carta à coordenação expressando o desejo da filha de estudar na escola. Depois de entrevistas com a assistente social, Eduarda foi selecionada para ser bolsista no colégio, onde recebe 75% de desconto e, além do ensino regular, assiste a aulas extras de alemão. Hoje, a irmã mais nova, Juliana, também é bolsista no Pastor Dohms.

Com o dinheiro da venda dos doces, Kátia paga os livros, o uniforme e três refeições por semana que a menina faz na rua. O lanche ela leva de casa e, em algumas festas, a menina não vai. Nada disso prejudica sua relação com a turma: no seu último aniversário, reuniu mais de 50 amigos da escola em uma pizzaria, onde cada um pagou o que consumiu. "Eu sempre digo para as duas que elas não são mais do que ninguém, assim como ninguém é melhor que elas por ter dinheiro. Elas têm que aproveitar essa oportunidade para brincar e estudar", diz Kátia.

Quando chegou a hora de planejar o intercâmbio para a Alemanha, a diferença de renda se fez presente mais uma vez. Pelo incentivo e insistência das mães dos colegas de Eduarda, Kátia organizou uma rifa para patrocinar a viagem da filha. A menina que brincava de ensinar alemão para as bonecas ficou surpresa com a notícia de que iria conhecer o país europeu. Desde o início, a facilidade nas matérias e o gosto pelo estudo ajudaram Eduarda a fazer amigos. "Ninguém toca no assunto de que eu sou bolsista, eu me sinto super bem na escola", diz.

Segundo o diretor da Unidade Higienópolis do Pastor Dohms, Otto Hermann Grime, a escola procura adotar uma postura de não diferenciar o aluno bolsista entre os demais, como uma forma de preservá-lo. Os professores sabem da condição financeira dos alunos apenas se os próprios comentam em aula, mas a bolsa é uma questão particular do setor financeiro. Se houver alguma dificuldade de relacionamento em função da condição social, o aluno bolsista recebe apoio do serviço psicológico, como qualquer outro.

A escola obedece a lei 12.101, de 2009, segundo a qual instituições de educação básica vinculadas a entidades filantrópicas devem oferecer uma bolsa de estudo integral para cada nove alunos pagantes.

Diálogo em casa

Para a psicopedagoga Maria Teresa Andion, mestre em psicologia do desenvolvimento humano, ensino e aprendizagem, a melhor forma de ajudar os filhos a enfrentar o preconceito por não poder acompanhar o padrão de vida dos colegas é manter o diálogo no cotidiano da família. "Pais devem ensinar, no dia a dia, que os valores estão acima da diferença de poder aquisitivo", explica.

Franco Severo, o segundo da esquerda para a direita, acredita que o destaque em Olimpíadas internacionais ajudou a manter a bolsa de 100%
Franco Severo, o segundo da esquerda para a direita, acredita que o destaque em Olimpíadas internacionais ajudou a manter a bolsa de 100%
Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação

A escola é o espaço para a construção da aprendizagem, e é seu papel ensinar aos alunos que as diferenças são naturais. Para isso, professores precisam compreender que os estranhamentos sempre vão acontecer, mas seu dever é integrar o aluno bolsista, como qualquer outro aluno que tem suas peculiaridades. "A diferença é apenas social, mas o bolsista tem o mesmo potencial para aprender que qualquer outro aluno", afirma Maria Teresa.

Mérito contra preconceito

A extrema facilidade e a paixão pela matemática levaram Franco Matheus Severo, filho de uma empregada doméstica e de um aposentado no Rio de Janeiro, a prestar a prova geral de seleção para entrar no colégio Sistema Elite de Ensino, cuja mensalidade é de R$ 1 mil. Aos 13 anos, o aluno de escola pública foi selecionado para uma bolsa de estudos integral em função do destaque na avaliação. Não demorou muito para ser estimulado a participar das olimpíadas promovidas dentro da escola, e as altas notas alcançadas levaram Franco a receber, este ano, menção honrosa na Romanian Master in Mathematics (RMM), olimpíada na Romênia que convoca os melhores países do mundo em competições internacionais de matemática.

No ano passado, Franco já tinha conquistado medalha de prata na Olimpíada Iberoamericana de Matemática, na Bolívia, e, em 2011, foi bronze na Olimpíada Internacional de Matemática, na Argentina. O garoto acredita que o destaque nas olimpíadas sempre chamou mais atenção entre os amigos e professores do que sua condição social, mas no início sentiu as diferenças. "Eu morava longe do colégio e tinha que gastar muito com passagem", conta. Seu maior medo, no entanto, era se ele acompanharia o alto nível de dificuldade.

Os destaques nas grandes olimpíadas o ajudaram a renovar a bolsa integral e a conquistar espaço no alojamento da escola, onde mora com outros bolsistas. Hoje, Franco está no último ano da escola e, além das aulas regulares, está matriculado no curso preparatório para os vestibulares do Instituto Militar de Engenharia (IME) e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Ele afirma que nunca se sentiu desrespeitado, por exemplo, por não usar o mesmo tênis que os colegas, e que com o tempo se acostumou com as diferenças. 

A mãe, Ana Valéria Xavier de Alencar, diz que ensinou Franco a se contentar com as roupas que tinha condições de pagar, e a nunca se achar inferior aos outros por ter menos dinheiro. "Ele não é exigente, ele sabe o sacrifício em que a gente vive", conta a diarista. Para a primeira viagem ao exterior, quando Franco foi competir na Argentina, Ana Valéria vendeu a aliança de casamento para comprar uma mala. "Ter diferenças é normal, mas gente faz o que pode pra proporcionar estudo", conta.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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