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Quem vai pagar pela escola do futuro? Iniciativas apontam alternativas

Iniciativas apontam alternativas possíveis como o financiamento coletivo

19 fev 2014 - 17h25
(atualizado às 17h32)
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Escolas alternativas ganham visibilidade no Brasil. Cresce a demanda por espaços mais democráticos, que propõem novas formas de gestão até metodologias menos tradicionais de avaliação e ensino.

Em comum, todas defendem um maior envolvimento com a comunidade, que pode ser voluntário, por serviços ou doações em dinheiro. Mais do que dar respostas sobre financiamento, essas iniciativas comprovam que só recursos não salvarão a educação. "Escolas são pessoas", repete o idealizador da famosa Escola da Ponte, em Portugal, José Pacheco, que hoje vive no Brasil e é um grande entusiasta das escolas alternativas.

Conheça, a seguir, histórias de pessoas que se dedicam a construir uma escola melhor, seja com dinheiro do governo, de pessoas físicas ou jurídicas ou do próprio bolso.

Dos protestos, nasceu uma escola

Enquanto milhares de brasileiros marchavam por mais saúde, educação e todo o pacote de reivindicações possíveis em junho de 2013, Onilia Araújo não foi para rua levantar cartaz. Preferiu botar a mão na massa.

Foto: Emmanuel Denaui / Divulgação

Para a gaúcha de origem humilde que iniciou tarde na escola (aos nove anos, "de preguiçosa que era") e demorou para se formar (parou aos 15 para trabalhar), entrar numa faculdade sempre esteve fora de cogitação. "Quando terminei o técnico, pensava que não existia nada depois disso. Faculdade nem pensar!"

Mas desde cedo ela foge do padrão. Na juventude, jogava futebol (chegou a disputar por clubes de Porto Alegre) e, aos 29 anos, enfim, foi a primeira de sete irmãos a entrar na faculdade. Negra e egressa de escola pública, conquistou uma vaga na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) antes do sistema de cotas, em 2003 - na época, a instituição não registrava o ingresso de afrodescendentes, mas, em 2007, um levantamento formal apontou 137 alunos autodeclarados negros de um total de 4.192 estudantes, ou seja, apenas 3,27%. A porcentagem de estudantes vindos da escola pública, no mesmo ano, era de 31,53%.

Formada em Ciências Contábeis há seis anos e com um escritório já consolidado na capital gaúcha, Onilia lançou, no último mês de outubro, um sonho que ganhou força com as manifestações populares do outono brasileiro: uma escola.

O projeto

A Escola Convexo está voltada para crianças que têm poucas perspectivas, assim como tinha Onilia na sua infância. O projeto se define como "uma escola dentro da escola". A ideia é, no contraturno, trabalhar noções de empreendedorismo com os estudantes.

Da mesma forma que o vestibular não era uma opção considerada por Onilia, tampouco era viável pensar em empreender. Para ela, a situação nas escolas da rede pública segue pecando com essa lacuna. "O empreendedorismo é uma forma de sair da pobreza, mas essas crianças não têm essa noção", diz. Com cerca de R$ 20 mil do seu bolso, Onilia tirou o projeto do papel e, ao lado de dois parceiros, executou um projeto-piloto em uma escola estadual da zona rural de Porto Alegre e outra da rede pública de Viamão, região metropolitana.

Foto: Emmanuel Denaui / Divulgação

Sócia-proprietária de um escritório de contabilidade, Onilia tira daí seu sustento e orgulha-se de ter mais de 150 clientes. "Poderia ter comprado um apartamento, mas montei a Convexo. Pensei: 'continuo subindo ou dou uma pausa e depois subo com mais gente?'". Para a sorte de dezenas de estudantes, a empresária optou pelo segundo caminho.

Além de Onilia, a iniciativa é liderada por Bruno Bittencourt, administrador de 23 anos, e Priscila Cardoso Miranda, 26 anos e formada em Marketing. A proposta tem três pilares: comunicação, lógica e empreendedorismo. A partir dessas áreas, é possível trabalhar conteúdos de sala de aula - sem necessariamente estar dentro de uma. Na escola estadual Nehyta Martins Ramos, na capital gaúcha, os alunos decidiram qual seria o projeto desenvolvido: a recuperação de uma horta. Aprenderam a criar um plano de negócios e foram responsáveis por tudo, desde mexer na terra até captar doações nas redondezas da escola.

Assim, a iniciativa quer desenvolver líderes em comunidades carentes. "Às vezes a liderança surge de onde menos se espera", diz Onilia, lembrando de um dos meninos "daqueles impossíveis na sala de aula", que foi um dos que mais colocou a mão na massa e, para a surpresa dos tutores, ao final do projeto, apresentou os melhores resultados da turma na hora de avaliar os conteúdos trabalhados.

"Diferente de outros empresários, nós queremos ser copiados", diz Bittencourt. O sonho dos três parceiros é que toda escola da rede pública tenha uma iniciativa como a Convexo no contraturno. Para 2014, o objetivo é manter o projeto durante todo o ano na escola Nehyta Martins Ramos, trabalhando com 50 estudantes - entre crianças e alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) - cada um com um tablet. A escola Convexo iniciará suas atividades em 7 de abril, em duas salas cedidas pela instituição estadual.

Mais do que dinheiro, tempo

Foto: Emmanuel Denaui / Divulgação

E de onde virá o dinheiro para tanto? Os sócios apostam no microfinanciamento. Querem mobilizar 100 mentores por aluno. Mentores, e não apenas doadores. A ideia é que essas pessoas doem, cada uma, R$ 10 por mês ao longo de um ano e algo muito mais valioso: tempo. Interessados de qualquer área estão convidados a compartilhar com os alunos seus conhecimentos (pode ser uma aula de guitarra ou geografia) e proporcionar visitas aos seus trabalhos, para que os estudantes tenham contato com diferentes possibilidades. Envolver mães da comunidade para a confecção e venda de camisetas da Convexo também está nos planos do grupo para gerar receita para o projeto.

De 5 mil doadores, se 500 se tornarem mentores e dedicarem parte de seu tempo aos estudantes ao longo de um ano, os sócios já estarão satisfeitos. "Já nos chamaram de megalomaníacos. Mas é um sonho possível se outros colaborarem conosco", diz Bittencourt. Por enquanto, apenas 5% da meta de mentores foi conquistada (para se tornar mentor e ter detalhes sobre a aplicação dos recursos, acesse http://www.escolaconvexo.com.br/).

O padrinho

Como costuma acontecer com todo sonhador, José Pacheco também já foi tachado de megalomaníaco. Idealizador da famosa Escola da Ponte, de Portugal, ele foi a Porto Alegre para o lançamento do projeto de Onilia, Bittencourt e Priscila. Como os três não são da área da educação, foram conhecer Pacheco e sua história depois de estarem com o seu projeto já em desenvolvimento. Se deram conta, então, que suas propostas de autonomia do aluno e o rompimento com barreiras como turmas seriadas por idade já haviam inspirado outras pessoas. Com as diversas semelhanças entre os modelos, Pacheco apadrinhou a Convexo.

Sua missão, diz o educador português, é andar pelo Brasil atrás de boas iniciativas na educação e conectá-las. Das dezenas de escolas alternativas que acompanha pelo País, a mais famosa é a Escola Projeto Âncora, em Cotia (SP). A entidade que nasceu como ONG em 1995, oferecendo o serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos no contraturno escolar, passou a abrigar a escola de educação infantil e ensino fundamental em 2012 e é mantida com doações, apoios e incentivos fiscais. A maior fonte de receita é de empresas (60%), seguida por pessoas físicas (25%) e arrecadação pública (15%). Do poder público municipal, são destinados R$ 30 mil por mês, além de duas educadoras da prefeitura cedidas para a Âncora.

O Projeto Âncora, que atende mais de 200 estudantes e toda a comunidade, não tem fins lucrativos, se constitui como uma associação civil de assistência social, o que lhe permite ser beneficiado por programas como a Nota Fiscal paulista. Por meio do programa estadual que prevê a devolução de parte do ICMS recolhido no ato da compra, pessoas físicas ou jurídicas podem doar seus créditos a entidades sociais.

O benefício foi ampliado graças à ajuda da comunidade, outro pilar do projeto. Pacheco conta essa história como um exemplo bem-sucedido da harmonia entre escola e moradores: um motoboy da comunidade aproveita suas andanças por estabelecimentos comerciais e recolhe notas que estão sem CPF ou CNPJ. Para completar a força-tarefa, há outros vizinhos que também prestam serviço para a escola, digitando os dados da instituição nessas centenas de notas recolhidas e entregues à direção, garantindo mais dinheiro para a escola, explica a coordenadora-geral, Suzana Maria de Camargo Ribeiro.

Todos educadores

Ao responder quantos dos 32 funcionários e mais de 60 voluntários são professores, Suzana explica que todos são educadores. Dentro dessa lógica, a equipe é dividida entre aqueles exclusivamente da parte pedagógica e outros responsáveis por oficinas e tarefas como dirigir, cozinhar ou limpar as dependências da escola. Estes são também tutores, como Beatriz de Lima Rivera, 42 anos, a auxiliar de serviços gerais que está cursando pedagogia. Sua função como tutora é acompanhar um dos estudantes e auxiliá-lo no desenvolvimento de seu projeto dentro da escola.

A equipe do documentário Quando sinto que já sei visitou 10 projetos que fogem do ensino tradicional. O Projeto Âncora, em Cotia (SP), foi um deles
A equipe do documentário Quando sinto que já sei visitou 10 projetos que fogem do ensino tradicional. O Projeto Âncora, em Cotia (SP), foi um deles
Foto: Divulgação

O "dentro da escola" não é literal, pelo contrário. As crianças desenvolvem atividades no pátio da escola, nas casas da vizinhança, nas ruas ou qualquer espaço que faça parte do seu cotidiano. A Escola Âncora não trabalha com turmas. Crianças de diferentes idades e níveis de conhecimento aprendem juntas; cada uma organiza seu roteiro de estudos e, a partir de um desejo, propõe um projeto. Como por exemplo o estudante de 9 anos que queria construir uma bicicleta. Se fossem atender a recomendação da idade "certa" para aprender geometria, teriam de esperá-lo chegar às séries finais do ensino fundamental. "Por que perder a oportunidade de usar os raios da roda da bicicleta para ensinar esse conteúdo?", questiona Suzana.

Nesse sistema, o papel dos tutores é fundamental, são eles que vão garantir que sejam abordados todos os conteúdos dos Parâmetros Curriculares Nacionais, mas não necessariamente na ordem prevista. As oficinas que auxiliam no aprendizado na prática vão do circo ao inglês e italiano, passando por culinária, skate e confecção de brinquedos.

Escolas são pessoas

Para Pacheco, o Brasil é o futuro da educação. E a falta de dinheiro não deve ser um impedimento para tanto. "Escolas são pessoas", não cansa de repetir o educador português. Nos seus discursos, também insiste no desperdício dos recursos na educação brasileira. Ele cita o o relatório da Fiesp, de 2010 (o mais recente da entidade), segundo o qual, o País desperdiça R$ 56,7 bilhões em educação.

O sistema de financiamento da escola de Cotia não é perfeito. Mesmo com a ajuda de voluntários, não conseguem pagar o que gostariam - o objetivo é pagar o mesmo salário a todos educadores, independentemente da sua função. "Respeitamos o piso, mas sei que ainda está abaixo do mercado", diz Suzana, sem informar detalhes sobre os salários. Na Escola Âncora e também nas oficinas do contraturno, cada aluno custa cerca de R$ 750 por mês. É mais do que a média investida por estudante na rede pública básica do Brasil, R$ 4.267 por ano por aluno, uma média de R$ 355 por mês.

Contudo, ressalta Suzana, na Âncora, os alunos passam 9 horas por dia e ganham uma refeição e dois lanches. A avaliação é continuada, feita em parceria do tutor com o estudante. A entidade ainda não se submeteu ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), portanto, fica difícil compará-la pelos padrões vigentes de desempenho. Mas parece ser um bom sinal o interesse de pais que deixariam de pagar mensalidades de R$ 3 mil em escolas particulares da região para ver seu filho aprender de forma alternativa. O que não é possível na Âncora, já que a entidade atende apenas famílias de baixa renda.

"Quando começamos a escola, metade das crianças não sabia ler direito. Hoje são poucos nessa situação. Dá trabalho educar dessa forma horizontal? Claro que sim. Há uma questão cultural, que diz que tem que haver hierarquia, que quem faz a limpeza não tem nada que ver com educação e outros mitos que impedem a  verdadeira mudança que se pretende em educação. Mas, aos poucos, bem devagarinho, vamos mudando essa cultura. Todos somos educadores, dentro ou fora da escola", diz Suzana.

Microfinanciamento

Em São Paulo, a escola particular de ensino fundamental Politeia conta hoje com 22 alunos. Fundada em 2008 por dois casais e um amigo, quatro deles professores e um programador, a fonte de renda são as mensalidades de R$ 1,2 mil. Com aluguel da casa de R$ 6,5 mil, os salários dos 10 educadores, entre outros gastos, os ganhos basicamente empatam com os custos. Principalmente porque, entre os alunos de 2013, dois tinham bolsa integral e outros quatro tinham algum tipo de desconto.

Foto: Divulgação

Mesmo assim, aos poucos, os sócios vão conseguindo largar seus empregos para se dedicarem exclusivamente à escola, conta uma das gestoras, Carol Sumie. Pedagoga, ela exonerou-se da rede municipal e hoje trabalha em tempo integral na Politeia. O modelo de sustentabilidade também se apoia na comunidade. Carol exemplifica: "Uma mãe fotógrafa pode trocar parte da mensalidade por trabalho, fotografando para nós. Isso se dá não só entre os pais de quem têm bolsa ou desconto, a ideia é envolver toda a comunidade".

Mesmo assim, os sócios não recuperaram todo o investimento feito desde a abertura da escola, estimado em cerca de R$ 100 mil. Com isso, os planos de ampliar a escola, que pode receber até 50 alunos na casa que ocupa hoje, são incertos, mas Carol não descarta plataformas de financiamento coletivo. "Já me falaram do Catarse, não acho uma ideia tão maluca assim… Demanda para uma educação diferente existe."

O Catarse, uma das pioneiras plataformas de financiamento coletivo no Brasil, já ajudou importantes projetos voltados à educação. Nenhum ainda tão grande como uma escola, mas produções inspiradoras como o Livro Volta ao Mundo em 13 Escolas, que arrecadou mais de R$ 50 mil para contar histórias inovadoras em educação pelo mundo e já está disponível para download gratuito. Ou ainda o Robô Barato, que vai desenvolver robôs a baixo custo para popularizar o ensino de programação e lógica de forma lúdica.

Reorganizar verbas

Coordenadora do Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Roseli Rodrigues de Mello entende que falta verba para a educação pública brasileira. Ela defende desde uma nova política editorial que garanta acesso à literatura de boa qualidade a todos até pagar melhor os professores e evitar que tenham que se desdobrar em diferentes turnos e escolas. Porém, acredita que a melhora na qualidade do ensino não é só questão de dinheiro.

Foto: Divulgação

Especialista em comunidades de aprendizagem, conceito formalizado pela Universidade de Barcelona, afirma que o modelo, no qual estão formatadas duas escolas em São Carlos, não exige custos específicos, apenas uma reorganização de recursos já existentes. E aqui, novamente, uma gestão democrática é valiosa.

"Trazer mais gente pra ajudar a pensar problemas e soluções aumenta muito a chance de resolver esses problemas", resume Roseli.

Além da reorganização de recursos, a proposta é repensar as formas de interação dentro da escola. Isso vale para a inserção dos pais nos processos decisórios da instituição até problemas do cotidiano. Em uma das comunidades de aprendizagem de São Carlos, com as redes elétrica e de internet frágeis, havia danos nos equipamentos e mau funcionamento. Ao ouvir os relatos das professoras, um pai, formado em computação, estudou voluntariamente a infraestrutura da escola e ajudou a colocar tudo para funcionar.

Na outra instituição, quem solucionou o problema dos computadores sem internet foi um aluno. Os equipamentos não estavam em uso porque só metade da escola pega o sinal wi-fi, e os computadores estavam na outra parte. "Ao conversarem professores, alunos e voluntários, um estudante perguntou 'uai, não podemos montar a sala de computadores na parte em que pega a rede sem fio?', ideia muito simples... Trocaram uma sala de lugar, só isso".

Resultados

Roseli chama a atenção para a responsabilidade do Estado. "Constitucionalmente é direito de todo cidadão brasileiro ter uma escola pública, gratuita e de qualidade. Mas não adianta pedir mais recursos se não há formação e compromisso dos professores com os estudantes e com as comunidades", diz, insistindo na valorização do profissional.

Contudo, ela faz a ressalva de que a relação investimento e desempenho não é direta, e acredita que investimento sem resultado é desperdício. Por isso, a lógica das comunidades de aprendizagem é apostar em práticas com resultados comprovados cientificamente, seja através do Ideb ou de outras formas explícitas de avaliação reconhecidas nacionalmente ou internacionalmente. Roseli comenta que pais e alunos cobram conteúdo da escola. "Não somos nós que podemos decidir pelas crianças alheias. O familiar e o estudante têm que consensuar os conteúdos também. Na nossa experiência em São Carlos, os adolescentes dizem que querem ir pra universidade sabendo conteúdo, querem ler os livros que vão cair no vestibular", diz.

Apesar de diferenças em metodologias e avaliação, todas essas iniciativas rezam a mesma cartilha quanto ao envolvimento da comunidade. Roseli resume: "A escola sozinha não consegue se movimentar". 

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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