Primeira guerra mundial Primeira Guerra Mundial A eclosão da guerra Os planos da guerra A guerra no front ocidental (1914-1917) Da guerra de movimento à guerra de trincheiras Testemunhos A guerra de desgaste e o bloqueio naval Batalhas A guerra no front oriental As frentes secundárias: Itália e Balcãs O fim da guerra por Voltaire Schilling Edição: André Roca "As causas fundamentais do conflito podem ser resumidas em três palavras: o medo, a fome e o orgulho" Sir Basil Henry Liddell Hart A eclosão da guerra Ao visitar Sarajevo, capital da Bósnia, região anexada ao Império Austro-Húngaro em 1908, o príncipe herdeiro Francisco Ferdinando e sua esposa acabaram mortos em um atentado em 28 de junho de 1914. O autor foi um estudante nacionalista chamado G. Princip, ligado à organização secreta pan-eslavista denominada "Unidade ou Morte", também conhecida como "Mão Negra", com vínculos na Sérvia – rival dos austríacos na disputa pelo controle da região. A partir de então, os acontecimentos se precipitaram. Em 6 de julho, a Alemanha assegura apoio incondicional à aliada (política de "carta branca"). Alguns dias depois, a França renova acordos com a Rússia. Em 23 de julho, a Áustria responsabiliza a Sérvia pelo assassinato do príncipe herdeiro, enviando um ultimato infamante que, se aceito, liquidaria com a independência do país. Dada a negativa dos sérvios, os austríacos ordenam a mobilização de suas forças armadas. Foi como se um imenso mecanismo político-administrativo-militar fosse posto em movimento sem que ninguém mais pudesse controlá-lo. No prazo de uma semana (de 28 de julho a 3 de agosto), todas as potências se mobilizam e entram em conflito, à exceção da Itália. Multidões eufóricas invadem as avenidas, ruas e grandes logradouros, num furor patriótico inaudito. O enfastiamento do mundo burguês, acompanhado pelas tensões internacionais, transformou as declarações de guerra numa espécie de catarse coletiva. Como disse um jovem: "É preferível a guerra a esta eterna espera". Os planos da guerra Há muito tempo os alemães esperavam ter que travar uma guerra em dois fronts: um no Ocidente, contra a França (e remotamente contra a Inglaterra) e outro no Oriente, contra o Império Russo. Seu grande estrategista foi o conde Von Schlieffen, Chefe de Estado-Maior alemão (1891-1908) que se inspirou na batalha de Canas – onde o general cartaginês Anibal massacrou as legiões romanas com uma ampla manobra de envolvimento pela ala direita, em 216 a.C. O PLANO SCHLIEFFEN previa um poderoso ataque sobre o Ocidente, passando pelo território belga e atingindo o coração político e econômico da França. Após feri-la mortalmente, os alemães carregariam suas energias contra os russos. Contavam para tanto com a utilização de seu excelente parque ferroviário, sua tecnologia e seus recursos humanos superiores aos dos franceses – a capacidade de mobilização dos alemães era de 9,75 milhões de homens, enquanto a dos franceses era de 5,94 milhões. Os planos militares franceses sofreram, por sua vez, uma radical transformação. Durante muito tempo, esperavam adotar uma guerra defensiva baseada em contra-ataques dissuasórios. Mas, com ascensão do general Joseph Joffre à chefia do Estado-Maior em 1912, adotou-se a teoria da OFFENSIVE À OUTRANCE influenciada pelo pensamento do filósofo Henri Bergson, divulgador do ÉLAN VITALE. A França deveria recuperar sua vocação histórica que era a ofensiva, determinada pelos exércitos republicanos durante a Revolução Francesa e por Napoleão. Previa-se um forte ataque sobre a região das Ardenas e sobre a Lorena, tendo como objetivo atingir o âmago da produção industrial alemã – a região da Renânia, ao mesmo tempo em que recuperaria os territórios da Alsácia-Lorena, em mãos dos alemães desde 1870. O Plano XVII, segundo Liddell Hart, baseou-se na negação da experiência histórica e no bom-senso, por avaliar equivocadamente o poderio alemão e jogar suas esperanças numa ofensiva direta sobre um inimigo bem fortificado. A Inglaterra, por sua vez, teria uma participação mais modesta. Confiante no poderio de sua esquadra, enviaria um corpo expedicionário para auxiliar uma das alas do exército francês. Sua superioridade naval deixava-a tranquila contra a possibilidade de uma invasão ao mesmo tempo em que poderia exercer um bloqueio sobre os fornecimentos de matérias-primas necessárias à Alemanha. Por último, os russos confiavam no seu enorme e quase inesgotável potencial humano. Ciente de sua inferioridade técnica e industrial para enfrentar o poderio alemão, contavam superar a qualidade pela quantidade, lançando sobre a Prússia Oriental verdadeiras marés humanas que, se não derrotassem os teutônicos, dariam possibilidade para que seus aliados ocidentais o fizessem. As ambições russas se concentrariam na região balcânica e na tomada de Constantinopla, velho sonho imperial que lhe daria acesso direto ao Mar Mediterrâneo, pois teria o controle dos estreitos – Bósforo e Darnelos. A guerra no front ocidental (1914-1917) A guerra de movimento: na madrugada do dia 4 de agosto de 1914, cinco poderosos e bem equipados exércitos alemães, totalizando 1,5 milhão de soldados, penetraram através do território belga, considerado até então neutro. A poderosa ala direita do exército alemão tinha a função de realizar uma ampla manobra de envolvimento, levando de roldão os exércitos franceses estacionados na fronteira franco-belga. Sua distribuição era a seguinte: Ala Alemães Região Franceses direita 750 mil Bélgica 200 mil centro 400 mil Ardenas 360 mil esquerda 350 mil Lorena 450 mil Mesmo sendo obrigado a alterar o plano original, general Von Moltke, então chefe do Estado-Maior alemão, via que suas tropas estavam obtendo os resultados esperados. Sua superioridade inicial, porém, começou a ser ameaçada pelo engajamento do exército belga e pela chegada do corpo expedicionário britânico, rapidamente desembarcado na região. Os alemães, que contavam com 80 divisões, teriam que enfrentar 104 das do inimigo. Depois de frustrarem as tentativas ofensivas francesas em Mulhouse e na Lorena, ocuparam toda a região que vai das proximidades de Paris a Verdun. Caíram sob seu controle 80% das minas de carvão, quase todos os recursos siderúrgicos e as grandes fábricas do Noroeste francês. Um grande erro de comunicações entre as tropas do I (von Kluck) e o II Exército (von Bülow) permitiu que os franceses detivessem o ataque sobre sua capital. O general Gallieni percebeu a falha dos alemães e solicitou reforços de emergência para Joffre. Deslocados rapidamente pelas vias férreas, as tropas francesas contra-atacaram na região do Rio Marne, entre os dias 6 e 9 de setembro. A BATALHA DO MARNE teve duplo significado: não só salvou a França de uma derrota como alterou as regras da guerra. Todos os Altos Comandos deram-se conta da impossibilidade de se manter a guerra de movimento devido às extraordinárias baixas. Com o fracasso da ofensiva alemã, Moltke cedeu lugar ao general Von Falkenhayn. Da guerra de movimento à guerra de trincheiras Bem poucos generais e políticos haviam se dado conta do mortífero desenvolvimento das armas modernas. Em 1898, um banqueiro de Varsóvia, Ivan Bloch, já havia alertado para os terríveis efeitos que as armas de fogo cada vez mais poderosas fariam sobre a infantaria, obrigando esta a refugiar-se em trincheiras para não ficar sujeita a terríveis massacres. Seu livro "The future of war in its technical economic and political reaction" contemplava a guerra do futuro como enormes sítios em que a fome atuaria como juiz decisivo. O alerta pouco efeito teve sobre os militares e estadistas no período que antecedeu 1914. Pelo contrário, a imensa maioria dos especialistas calculava que o conflito duraria entre quatro e seis meses no máximo, sendo ridicularizado aquele que predizia durar mais de um ano. Quando a guerra teve seu início, quase todos os generais estavam apegados às doutrinas novecentistas, não computando em seus cálculos os terríveis efeitos da METRALHADORA e da ARTILHARIA PESADA. Esses dois instrumentos tornaram inviáveis os deslocamentos desprotegidos dos bombardeios de GÁS DE MOSTARDA, empregados pela primeira vez pelos alemães em 22 de abril de 1915, assim como do LANÇA-CHAMAS, da AVIAÇÃO e do TANQUE DE GUERRA (utilizado pelos ingleses como arma tática de apoio a infantaria). O recuo alemão para regiões mais afastadas de Paris combinou com o surgimento das trincheiras – "os soldados se enterravam para poder sobreviver". No inverno de 1914/1915, 760 quilômetros delas haviam sido escavadas, partindo do Canal da Mancha até a fronteira suíça. Em alguns pontos, distanciavam-se apenas 200 ou 300 metros uma da outra; em outros, chegavam a 14 quilômetros. Durante os quatro anos seguintes, milhões de homens iriam viver como feras atormentadas pela fome, pelo frio e pelo terror dos bombardeios. Em todas as batalhas que se sucederam, as linhas não se alteraram mais do que 18 quilômetros. Nunca em toda a história militar da humanidade tantos pereceram por tão pouco. Testemunhos Dificilmente as palavras conseguem reproduzir todo o horror de uma guerra. Mesmo assim, recolheu-se material daqueles que puderam deixar seu testemunho em forma de cartas, diários, memórias ou livros. Confira alguns trechos: Rápido desencanto com a realidade da guerra "De repente, uns silvos estridentes nos precipitaram ao chão, apavorados. A rajada acaba de estalar sobre nós. Os homens, de joelhos, encolhidos, com a mochila sobre a cabeça e encurvando as costas, se apegavam uns aos outros. Por baixo da mochila dou uma espiada nos meus vizinhos: arquejantes, sacudidos por tremores nervosos e com a boca contraída numa contração terrível, batiam os dentes e, com a cabeça abaixada, tem o aspecto de condenados, oferecendo a cabeça aos carrascos. Esta espera da morte é terrível. O cabo, que havia perdido seu capacete, me diz: 'rapaz, se soubesse que isso era a guerra e que vai ser assim todos os dias... prefiro que me matem logo'. (...) Na sua alegre inconsciência, a maioria dos meus camaradas não havia jamais refletido sobre os horrores da guerra e não viam a batalha senão pelas cores patrióticas: desde nossa saída de Paris, o Boletim do Exército nos conservava na inocente ilusão da guerra ser um passeio e todos acreditavam na história dos boches se renderem aos magotes. (...) A explosão daquele instante sacudiu nosso sistema nervoso, que não esperava por isso, e nos fez compreender que a luta que começava seria uma prova terrível. Escute, meu tenente, parece que se defendem estes porcos!" Diário do tenente Galtier-Boissière, na frente ocidental, em 22 de agosto de 1914. Sobre um ataque sob fogo da metralhadora e da artilharia "Na pradaria avança uma companhia de atiradores... os homens dobrados em dois com a mochila nas costas e o fuzil nas mãos, correm pesadamente para jogar-se ao chão e seguir ao primeiro sinal. Um deles para próximo a mim, sua cara de camponês repentinamente transforma-se numa careta dolorosa e, continuando a correr, levanta o braço em cujo extremo está pendente a mão esfacelada com os dedos atorados pela metade, efeito de uma bala... os homens jogam-se ao solo... o soldado continua dando saltos e ainda escuto seus gritos: 'Meu tenente, meu tenente, onde estás?'. Max Dauville "Ao atravessarmos o passadiço de Hauont, os obuses alemães nos enfileiraram e o local encheu-se de cadáveres por todos os lados. Os moribundos, enterrados na lama, nos estertores da agonia, nos pediam água ou suplicavam que os matássemos. A neve segue caindo e a artilharia está causando baixas a casa instante. Quando chegamos ao Marco B não nos sobraram mais do que 17 homens dos 39 que saíram". Daguenet, ajudante-chefe, Regimento de Infantaria 321. "Os efeitos produzidos (pelo bombardeio) são bastante lamentáveis. O recruta recém-chegado recomeça a inquietar-se, sucedendo o mesmo com os outros dois. Um deles escapa, desaparecendo a correr. Os dois outros nos dão trabalho. Precipito-me atrás do fugitivo sem saber se lhe devo dar um tiro nas pernas. Ouço neste momento um assobio; deito-me no chão e quando levanto vejo a parede da trincheira coberta de estilhaços de obus, ensanguentada por pedaços de carne e de restos de uniforme. Volto para o nosso abrigo". E. M. Remarque, pág. 116. Uma comovente impressão sobre um grupo sobrevivente "Apareceram primeiro uns esqueletos de companhia, conduzidos às vezes por um oficial sobrevivente que se apoiava num bastão; todos andavam, ou melhor, avançavam passo a passo, com os joelhos dobrados, inclinados sobre si mesmos, e cambaleando como se estivessem bêbados (...) iam com a cabeça baixa, o olhar sombrio, encurvados pelo peso da mochila e do fuzil. A cor de seus rostos não se diferenciava dos capotes, de tal maneira estavam cobertos e recobertos de barro seco; os uniformes com a pele estavam totalmente incrustados desse barro. Os automóveis precipitavam-se com seus roncos em colunas cerradas, esparramando esta lamentável maré de sobreviventes da grande hecatombe, mas eles não diziam nada, nem sequer gemiam porque haviam perdido a força inclusive para queixar-se. Quando esses forçados da guerra levantavam a cabeça para os telhados da aldeia se admirava neles, em seus olhares, um incrível abismo de dor e, neste gesto, suas expressões pareciam fixadas pelo pó e tensos pelo sofrimento, parecia que esses rostos mudos gritavam alguma coisa aterradora: o horror incrível do seu martírio. Alguns soldados da segunda reserva que os estavam olhando ao meu lado permaneciam pensativos, e dois deles choravam em silêncio". Gaudy, subtenente, preparando-se para a substituição na batalha de Verdun, em 1916. Cenas dantescas "O odor fétido nos penetra garganta adentro ao chegarmos em nossa nova trincheira, a direita dos Éparges. Chove torrencialmente e nos protegemos com o que tem de lonas e tendas de campanha afiançadas nos muros da trincheira. Ao amanhecer do dia seguinte constatamos estarrecidos que nossas trincheiras estavam feitas sobre um montão de cadáveres e que as lonas que nossos predecessores haviam colocado estavam para ocultar da vista os corpos e restos humanos que ali haviam". Raymond Naegelen, na região de Champagne. "Desenterro um poilu do 270, foi fácil tirá-lo. Há, todavia, vários soterrados que gritam: os alemães devem ouvi-los porque metralham. Não é possível trabalhar em pé e por um momento tenho vontade de fugir, mas na verdade não posso deixar assim meus camaradas... tento desprender o velho Mazé, que segue gritando: mas quanto mais terra eu tiro, mais afunda: consigo desenterrá-lo por fim até o peito e pode respirar melhor; vou então socorrer um homem do 270 que grita também, mas debilmente, e consigo livrar-lhe a cabaça até o pescoço, enquanto ele chora e suplica que não lhe deixe ali. Estão faltando outros dois, mas não escuto nada e volto a cavar para desenterrar suas cabeças. Então me dou conta que estão mortos. Tonteio um pouco porque estou esgotado; o bombardeio continua". Gustavo Hefer, 28º Regimento de Infantaria. "Pela manhã, quando ainda está escuro, há um momento de emoção: pela entrada do nosso abrigo precipita-se uma turba de ratos fugitivos, que trepam por toda a parte a longo das paredes. As lâmpadas de algibeira alumiam este túmulo. Toda a gente grita, pragueja e bate nos ratos. Descarregam-se, assim, a raiva e o desespero acumulados durante numerosas horas. As caras estão crispadas, os braços ferem, os animais dão gritos penetrantes e temos dificuldades em parar, pois estávamos prestes a assaltar-nos mutuamente". E. M. Remarque, pág. 113. Da sensação de desumanização "Perdemos todo o sentimento de solidariedade. Mal nos reconhecemos quando a nossa imagem de outrora cai debaixo do nosso olhar de fera perseguida. Somos mortos insensíveis que, por um estratagema e um encantamento perigoso, podemos ainda correr e matar". E. M. Remarque, pág. 121. "Durante mais de uma hora, antes que alguém fale, ficamos estendidos, arquejantes, descansando. Estamos de tal forma esgotados que, apesar da acuidade da nossa fome, não pensamos nas conversas. Só a pouco e pouco tornamos a ser, pouco mais ou menos, seres humanos". E. M. Remarque, pág. 123. A guerra de desgaste e o bloqueio naval No ano de 1915, os franceses (em Champagne) e os ingleses (em Ypres) tentam inutilmente romper as linhas alemãs. A guerra havia chegado a um impasse, pois ambos os lados eram suficientemente fortes para não serem derrotados. Devido às características da guerra de trincheiras, o elemento tático que um ataque de surpresa proporciona tornou-se inoperante. A necessidade de concentrar fogo de artilharia durante dias inteiros para poder abalar as primeiras linhas do inimigo alertava este da iminência do ataque. Deslocava então suas forças para a região ameaçada e terminava por deter a ofensiva. Entre 21 de fevereiro e 21 de julho de 1916 foi a vez dos alemães tentarem romper com as fortificações francesas em torno de Verdun. Comandados por Falkenhayn, lançaram-se com uma cobertura menor de artilharia que a usualmente utilizada. Os franceses conseguiram deter o poderoso ataque. Em pouco mais de cinco meses, os alemães tiveram baixas de 336 mil soldados, enquanto seus inimigos perderam 362 mil. Foi a mais sangrenta batalha da Primeira Guerra Mundial, tornando célebre a determinação da infantaria gaulesa: "NE PASSERON PAS!" "Eles não passarão!" Os aliados, depois do fracasso alemão em Verdun, tentam por sua vez afasta-los de suas posições na região do Somme. De 24 de junho a 26 de novembro de 1916, os anglo-franceses tentam romper as linhas alemãs e um novo fracasso se repete, com perdas assombrosas. Batalhas mais especiais de educação