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Pesquisador de Londres critica lógica vertical de políticas públicas

30 out 2013 - 07h11
(atualizado às 07h11)
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Stephen Ball é um dos pesquisadores mais atuantes em prol de reais ações transformadoras para a educação
Stephen Ball é um dos pesquisadores mais atuantes em prol de reais ações transformadoras para a educação
Foto: Institute of Education, University of London / Divulgação

Professor de Sociologia da Educação no Instituto de Educação da University of London (IOE), um dos principais centros de estudos em educação e ciências humanas do mundo, Stephen Ball é um dos pesquisadores mais atuantes em prol de reais ações transformadoras para a educação. Com mais de 30 anos de carreira acadêmica e mais de uma dezena de livros publicados sobre o assunto, o que faz, segundo ele próprio, é apenas trazer conceitos de sociologia para a educação, buscando entender como se dão as relações entre classes sociais e políticas educacionais.

Ball esteve no Brasil recentemente para a 36ª Reunião Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), que ocorreu na Universidade Federal de Goiás, e para o seminário Diálogos com a pesquisa - As contribuições de Stephen Ball para a pesquisa educacional no contexto brasileiro: análises e reflexões, realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em entrevista exclusiva ao Terra, ele abordou três principais temas sob a perspectiva da educação: justiça social, políticas educacionais e pesquisa crítica. Confira os principais trechos:

Justiça social

Seja qual for o assunto que estiver sendo tratado, Ball demonstra preocupação e interesse especiais pela justiça social, o que torna este um conceito fundamental para a compreensão de suas obras. Para o autor, a vantagem deste conceito é seu caráter inclusivo: abarca uma concepção ampla de questões relativas à equidade, oportunidade e justiça, é maleável e tem uma gama ampla de aplicações.

Na prática, de acordo com Ball, há justiça social "em uma sociedade em que o governo oferece incentivos para que os cidadãos sejam as melhores pessoas possíveis, e que trabalha para garantir que todos os cidadãos sejam capazes de prosperar e participar ativamente, não importando a sua idade, gênero, classe, sexualidade ou capacidade". Para que se chegue a isto, Ball considera que o papel desempenhado pela educação é limitado, mas fundamental. "Este papel é limitado, mas muito importante para prover as habilidades, confiança e oportunidades para se tornar um cidadão democrático".

Políticas educacionais

Em sua trajetória, Ball sempre buscou compreender de que maneiras as políticas educacionais contribuem para processos de reprodução da sociedade ou impedem que eles ocorram. Mais especificamente, interessam os pequenos processos diários que formam o contexto maior. Ball afirma que não ignora as desigualdades da dimensão macrossocial, mas os problemas, nesse caso, são mais visíveis. Ao mesmo tempo, há pequenas desigualdades que afetam muitas pessoas diariamente, e ajudam a construir estas desigualdades maiores. "É isso que me dá vontade de fazer pesquisas e mudar o mundo – ou ao menos a maneira como algumas pessoas veem o mundo. Com isso, meu objetivo não é dizer às pessoas como elas devem pensar, mas dar a elas as ferramentas necessárias e mesmo a possibilidade para que pensem por si mesmas".

Sua abordagem desconstrucionista do tema pode ser exemplificada pela visão que tem do termo "implantação de políticas educacionais", que considera inapropriado. De acordo com ele, é uma expressão "muito mecânica, que revela uma visão muito 'de cima para baixo', sugere um papel limitado dos praticantes e subestima as exigências feitas deles e de suas respostas criativas, além de ser muito utilizado como uma forma de transferir culpa".

O processo de traduzir políticas em práticas seria algo extremamente mais complexo do que "implantação de políticas", sugere. Ball considera que o processo se dá com uma alternação entre modalidades. A modalidade primária é a textual, pois as políticas são escritas, enquanto que a prática é a ação propriamente dita. Assim, a pessoa que põe em prática as políticas tem que trabalhar combinando estas duas modalidades, tarefa difícil e desafiadora, que envolve uma espécie de atuação, quase como uma peça teatral.

Seguindo com a analogia, as peças não são iguais se o cenário não for o mesmo. Para Ball, a tradução das políticas educacionais em práticas é tanto um processo social, quanto pessoal, mas é também um processo material, à medida que as políticas são "representadas" em contextos materiais. "As condições das políticas variam – as escolas têm diferentes alunos, recursos, edifícios, professores – e os criadores das políticas planejam tendo em mente a melhor de todas as escolas possíveis, escolas-fantasia quando desenvolvem as políticas", critica.

Pesquisa

Para Ball, toda pesquisa é crítica. Isso porque a pesquisa crítica, na visão do professor, é aquela que tem o poder e a justiça social como conceitos-chave. Assim, uma perspectiva crítica seria uma necessidade inevitável na área da educação. "As pesquisas críticas são fundamentais para a cidadania, pesquisas e políticas educacionais".

Esta perspectiva crítica poderia promover mudanças efetivas na maneira como a educação é pensada atualmente. Ball critica a preocupação que alguns pesquisadores têm com as conclusões de seus trabalhos. Para ele, seria mais honesto, realista e útil se mais pesquisadores e acadêmicos adotassem uma posição modesta e tentassem construir, desenvolver gradualmente, adicionar, acumular trabalhos que fornecessem um conjunto de ideias às quais as pessoas pudessem recorrer com relação à prática.

E a distância entre a área das pesquisas acadêmicas e a realidade prática poderia ser diminuída se os professores fossem envolvidos no contexto acadêmico como intelectuais públicos, que dão vida e convivem diariamente com os temas das pesquisas. Segundo Ball, não se pode mais pensar nos professores apenas como veículos de educação, nem como os únicos responsáveis para que ela aconteça, pois há um contexto muito maior e mais complexo por trás.

Para ele, não há muita vantagem em tentar dizer às pessoas o que elas deveriam pensar ou o que deveriam fazer, pois isto é, além de intelectualmente arrogante, algo sem sentido. “O que deve ser feito é dar ferramentas às pessoas para que elas pensem, de forma crítica e alternativa conceitos, ideias e abordagens com as quais possam fazer algo. Este é o objetivo da atividade intelectual".

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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