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Para aluno, professor vê homossexualismo como promiscuidade

Ao ignorar a homossexualidade, escolas abrem caminho para homofobia

27 jun 2011 - 09h33
(atualizado às 09h56)
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Houve um tempo em que a escola explicava a reprodução humana somente quando questionada por alunos e ainda usava a "história da cegonha" para cessar a curiosidade estudantil. A crença era de que falar sobre orientação sexual era papel dos pais e não dos professores. De uns tempos pra cá, o cenário mudou. Iniciação sexual, preservação, gravidez na adolescência e até mesmo abuso sexual são discutidos em sala de aula. A situação aparentemente avançada deixa de lado um item: a diversidade sexual. As escolas preferem ignorar a homossexualidade e acabam abrindo espaço para a homofobia.

É o que mostram estudos como a pesquisa feita pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, que, no ano de 2009, ouviu 18,5 mil alunos, pais, diretores, professores e funcionários de colégios no país. Intitulado Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar, o documento mostrou que 87,3% da comunidade educacional apresenta preconceito homossexual.

Estudante de 17 anos, Paulo Henrique Cânara confirma essa realidade. O aluno de uma escola pública de Campinas, em São Paulo, assumiu sua orientação sexual no ano passado. Segundo ele, foi muito bem aceito pela mãe, mas encontrou dificuldades na escola. "Alguns meninos já tentaram me agredir por eu ser gay, mas minhas amigas me defenderam", conta. Paulo Henrique ainda explica que a discriminação não ocorre somente por parte dos colegas. "Já sofri preconceito de professores também. Eles são muito mal informados e veem a homossexualidade e a bissexualidade como algo promíscuo".

Outro estudo, Revelando Tramas, Descobrindo Segredos: Violência e Convivência nas Escolas, publicado pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana, também confirma esta realidade. Fazendo uso de uma amostra de 10 mil estudantes e 1.500 professores do Distrito Federal, o documento mostrou que 63,1% dos entrevistados alegaram já ter visto homossexuais sofrerem preconceito e mais da metade dos professores afirmam já ter presenciado cenas discriminatórias. Além disso, 44,4% dos meninos e 15% das meninas afirmaram que não gostariam de ter um colega homossexual na sala de aula.

A hostilidade em algumas escolas é tão grande que obriga estudantes gays a deixarem a instituição. Rafael*, 15 anos, teve que trocar de colégio no início deste ano. O estudante do 1º ano do Ensino Médio de uma escola particular de São Paulo conta que se sentia diferente em relação aos amigos desde criança, mas até então, não tinha se assumido para os amigos, somente para seus pais, havia pouco tempo. Porém, um vídeo seu beijando outro menino foi parar no YouTube durante as férias escolares. "No primeiro dia de aula deste ano, entraram na minha sala e me jogaram purpurina. Fui vítima de bullying diário. Inclusive me proibiram de entrar no banheiro masculino. Preferi trocar de escola", conta.

Foi com o objetivo de mudar essa realidade e diminuir a homofobia nas escolas que o Ministério da Educação (MEC) propôs o "Kit Gay", como ficou conhecido o projeto contra o preconceito sexual voltada para escolas públicas do país. Contudo, a presidente Dilma Rousseff suspendeu-o por considerar os filmes da campanha inadequados. Para Lula Ramires, mestre em Educação pela USP que colaborou com a elaboração do projeto Escola Sem Homofobia do MEC, a decisão foi um retrocesso. "O grande temor da parcela tradicionalmente conservadora e moralista da sociedade é que, ao tratar da diversidade sexual na escola, estaremos incitando ou ¿fazendo a cabeça' de nossas alunas e alunos", afirma.

Para Ramires, a campanha proposta pelo MEC visa somente a informar para que o preconceito seja diminuído e para que estudantes homossexuais não frequentem um ambiente hostil de aprendizado. Em sua tese de mestrado pela USP, o educador entrevistou oito jovens homossexuais que narraram sua trajetória acadêmica. Todos definiram a escola como um verdadeiro "inferno". "Eles sofreram muita violência verbal e física. Um deles, inclusive, teve o braço quebrado pelos colegas", conta.

O também coordenador da associação Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor (CORSA) afirma que o material do ministério tinha outro papel fundamental: universalizar a abordagem do tema nas escolas. "Muitos educadores gostariam de tratar essa temática em sala de aula e não sabem como", diz. Desde 2001, o CORSA realiza projetos de educação continuada para docentes da rede pública, voltados à temática da diversidade sexual na escola.

"Sempre optamos por fazer o trabalho diretamente com educadores, que são multiplicadores naturais: lidam a cada ano com centenas de alunos diferentes", explica. Ramires conta que a reação geral sempre foi muito receptiva. "Na maioria das vezes, os profissionais diziam se ressentir de não ter maior informação sobre o tema, seja na licenciatura que cursaram na faculdade, seja nas formações oferecidas pelas redes de ensino".

Ainda segundo Ramires, a maioria das instituições de ensino opta por não falar sobre homofobia, e o que se vê hoje em dia são ações isoladas de alguns educadores. O professor de história José Carlos Rocha Vieira Júnior, de uma escola pública de Campinas (SP), é um exemplo de quem luta pelo fim da homofobia nas escolas sozinho. Todos os anos, Vieira Júnior distribui para seus alunos uma apostila intitulada Homofobia? Tô fora!, na qual aborda aspectos de diversidade sexual e explica a legislação da Constituição Federal que defende a diversidade acima de tudo. Além disso, o professor também promove, anualmente, uma palestra na escola, na qual profissionais convidados falam com os alunos sobre homossexualidade. Apesar de ter recebido aval da direção do colégio para realizar os dois projetos, Vieira Júnior conta que nunca recebeu apoio dos outros professores.

"Desenvolvo isso em minha escola desde 2004 e nenhum professor de outro período quis abraçar esse projeto que é extremamente simples, direto e que funciona. Professor que não combate qualquer tipo de preconceito não é professor", fala.

Campanhas isoladas também partem dos próprios alunos. O estudante Paulo Henrique conta que passou a sofrer menos com o preconceito quando entendeu a legislação do Brasil sobre diversidade sexual. Para ele, se todos os estudantes fossem bem informados sobre a homossexualidade e a bissexualidade, além da homofobia diminuir, os alunos gays passariam a sofrer menos com "brincadeiras de mau gosto". Por isso, o aluno já propôs uma série de palestras sobre a temática na sua escola e a criação de um grupo de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis (LGBT). "A direção do meu colégio já aprovou, e eu devo começar o projeto no próximo semestre", conta.

Preconceito varia conforme nível de escolaridade, aponta estudo
Lançado em junho deste ano, um estudo realizado pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo Stiftung (RLS), em 150 municípios brasileiros em todas as regiões do País, mostra que a escolaridade é um fator determinante contra o preconceito homossexual.

O estudo tinha como objetivo analisar o comportamento de pessoas com tendências homofóbicas. Realizado entre 2008 e 2009, com 2.014 pessoas, a pesquisa avaliou as diferenças de preconceito entre as regiões, idade da população, renda, religião, entre outras. Nenhuma das variáveis apresentou diferença tão drástica quanto a escolaridade.

De acordo com os dados, enquanto metade dos brasileiros que nunca frequentaram a escola assumem comportamentos homofóbicos, apenas um em cada dez brasileiros que cursaram o ensino superior sentem preconceito por homossexuais.

Para o sociólogo e coordenador da pesquisa, Gustavo Venturi, os resultados mostram que o principal ambiente para combater a homofobia são as instituições de ensino. "O primeiro meio de socialização de uma pessoa é na família, mas ali o Estado não pode intervir. Então, se um pai criar seu filho com tendências homofóbicas vai ser somente na escola - segundo meio de socialização de uma criança - que ele poderá mudar de comportamento. É nos colégios que o Estado deve criar políticas públicas para combater comportamentos preconceituosos", afirma.

Em 2010, Marina Reidel (dir.) recebeu prêmio nacional por promover a diversidade sexual na escola, em Brasília (DF)
Em 2010, Marina Reidel (dir.) recebeu prêmio nacional por promover a diversidade sexual na escola, em Brasília (DF)
Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação
Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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