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SP: confusão com câmeras leva alunos a propor grêmio estudantil

SP: confusão com câmeras leva alunos a propor grêmio estudantil

15 out 2012 - 14h20
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Recentemente uma medida adotada pelo Colégio Rio Branco, em São Paulo, provocou polêmica dentro e fora do ambiente escolar. A instalação de câmeras de vigilância nas salas de aula gerou revolta em alguns estudantes e provocou debates entre pais e educadores. Se não há consenso entre as partes, ao menos um fruto positivo deverá ser colhido: alunos sugeriram a criação de um grêmio estudantil na instituição, para fazer a mediação entre a comunidade docente e seus pupilos. "Um grupo de alunos me escreveu uma carta linda propondo a criação do grêmio para que essas manifestações sejam positivas. A escola pretende apoiar essa iniciativa", conta Esther Carvalho, diretora-geral do Rio Branco.

Segundo a direção, as câmeras fazem parte de um projeto que já estava sendo implantado há quatro anos e previa o monitoramento de todas as áreas de circulação. A confusão aconteceu quando os jovens foram surpreendidos ao entrar em sala e encontrar os equipamentos, o que provocou uma manifestação no corredor e a consequente suspensão de 107 estudantes.

Esther admite o erro estratégico da instituição ao não informar previamente pais e alunos da instalação, mas explica que não foi o ato contra os equipamentos exclusivamente que resultou na suspensão dos alunos. "Na verdade, era a terceira vez que eles divergiam de alguma coisa relacionada à escola e protestavam descendo para o intervalo e não subindo para a aula. Já havíamos conversado sobre essa ação, que atrapalha outros estudantes. Temos outros canais de conversa", conta a diretora. As outras manifestações haviam sido referentes a descontentamentos com notas e o lanche do bar da escola.

Do lado das instituições, o argumento para o uso de câmeras é de que é preciso preservar o patrimônio e a integridade física de alunos e professores. "Nós temos colocado as câmeras em pontos que se fazem necessários, como corredores e pátios. Mas têm surgido muitos problemas em sala de aula, como por exemplo, se um aluno não desce para o intervalo e fica na sala de aula causando problemas. Pode acontecer o desaparecimento de algum artigo de outra criança e é preciso verificar esses casos", afirma José Antonio Antiorio, presidente da Federação das Escolas Privadas do Estado de São Paulo e coordenador jurídico do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (SIEESP). Antiorio, que também é diretor do Colégio Padre Anchieta, na capital paulista, defende o uso das filmagens para diferenciar os fatos das versões contadas pelos alunos sobre situações de mau comportamento.

Antiorio acredita que seja difícil controlar a disciplina do aluno no atual sistema educacional. "Temos alunos que vêm de famílias diferentes, esse é o motivo das escolas estarem se precavendo. Hoje há diversos tipos de famílias, até a desarticulada em que a criança entra numa zona de conflito. Existem outros problemas alheios à nossa vontade", justifica.

Pais que desaprovam câmeras falam em transferência de responsabilidade

Os pais que são contrários à medida acusam as instituições de transferirem a responsabilidade de disciplinar seus alunos para meios eletrônicos. Lorena Lobato tem um filho de 10 anos que estuda no Rio Branco e desaprova a instalação de câmeras nas salas de aula. "Eu acho que é uma medida de desespero mesmo, de falta de controle total. As crianças e os adolescentes estão em tempo de transformação. Falam de evitar comportamentos que provocam estragos no patrimônio da instituição. Mas são quatro ou cinco alunos que atrapalham o andamento geral, e sempre houve comportamentos assim, acho. Eu queria entender que tipo de pedagogia é essa, porque, num ambiente de desconfiança até entre os profissionais, como é que os professores irão agir?" questiona Lorena, que marcou uma reunião com a diretora da escola para esclarecimentos e não ficou satisfeita com as justificativas do Rio Branco.

A mãe diz que pretende levar o filho para conhecer outras instituições, mas acredita que será muito difícil optar por separá-lo dos amigos. Para ela, o grande problema em disciplinar os alunos nasce nas escolhas didáticas da escola. "Eu acho que está difícil, é um tempo muito diferente que vivemos agora, com celulares e computadores. A escola está ficando desinteressante", diz.

Câmeras podem constranger professores, diz educador

"Não podemos ser ingênuos, mas isso não se confunde com a questão da disciplina da escola, que deveria ser um processo pedagógico", defende o pedagogo do setor de educação do Departamento de Planejamento e Administração escolar da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Odilon Carlos Nunes.

Professor há mais de 30 anos, Nunes afirma que a obrigação de educar é, conforme leis federais, responsabilidade dos pais, da escola e da sociedade. "Acredito que a disciplina seja uma corresponsabilidade. Há tarefas da família que são complementadas pela escola. Agora, a ocorrência dessas indisciplinas pode estar ligada a fatores alheios à escola, mas a escola tem tido serias dificuldades em incluir o aluno no seu processo pedagógico. O aluno se sente alienado, como se não devesse ser protagonista", afirma. Para ele, a escola tem obrigação de estabelecer estratégias que convençam o jovem a aderir ao trabalho feito pela instituição. Nunes acredita que a criação de um grêmio estudantil pode ser um caminho para o diálogo.

Existe também a preocupação com a liberdade e autoridade dos docentes em sala a partir do momento em que eles também são monitorados pelas câmeras. "Isso pode levar ao constrangimento do professor, que estará sendo vigiado. É preciso que se confie nele", defende Nunes. Segundo a diretora do Rio Branco, a ideia não é controlar os professores e seus métodos, mas que eles possam avaliá-los depois, se necessário. Ela também garante que não haverá controle constante das imagens, mas que elas serão acessadas apenas em caso de ocorrência grave para esclarecimento dos fatos.

O pedagogo da UFPR lembra o livro 1984, de George Orwell, no qual a sociedade é vigiada constantemente pelo governo, o que a torna obediente, mas nada inventiva. "Pais e professores devem fazer um acompanhamento do comportamento de filhos e alunos, mas isso precisa ser de modo menos invasivo. Em um ambiente educativo, as coisas deveriam se passar de outro modo, como uma república do diálogo, em que a conversa fosse algo usual entre dirigentes, alunos e professores. Eu acho que outro aspecto grave é que essa ação se insere numa tradição que vem sendo reiterada de controle dos alunos", diz o educador.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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