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Dia do professor: docente viajava 160 km por dia para lecionar

Dia do professor: rotina de docente era viajar 160 km por dia para lecionar

15 out 2012 - 07h54
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O sol já desponta no horizonte da cidade de Gararu (SE) quando a professora Marta Passos Santos, 40 anos completados no domingo, acorda às 5h20. Antes de sair para o trabalho, ela prepara o café da manhã e ainda deixa o almoço pronto para o marido, que trabalha na roça. Por volta das 7h40, ela segue de moto por cerca de 15 km rumo ao primeiro destino de sua jornada: a Escola Municipal Maria da Conceição Souza Pinto, no povoado de Várzea Nova. Lá, 30 alunos que cursam desde a pré-escola até o 1º ano do ensino fundamental a aguardam para iniciar a aula, às 8h.

A rotina de Marta já foi mais corrida. Até um mês atrás, ela lecionava, no turno da manhã, na Escola Rural Pindaíba, no município de Capela (SE). O percurso era de 80 km, o que a obrigava a sair às 6h20 de casa. Por meio de um acordo de permuta estabelecido com outra professora e com as secretarias municipais de educação, Marta abandonou as longas viagens e passou a dar aulas na mesma cidade onde mora. A mudança também foi vantajosa para a outra professora, moradora de Aquidabã (SE), que deixou de viajar os 43 km que separavam sua casa do trabalho.

Com novos partidos eleitos para as duas cidades no último pleito municipal, Marta tem medo de que o acerto vá por água abaixo. A relutância tem a ver com o desgaste físico de viajar 160 km todos os dias, além dos riscos que a estrada oferece. "Já sofri muito em função de acidente. Nenhum grave, mas, outro dia, quase bati num cavalo", relembra. Nessa época, a professora ainda ia para a capital Aracaju nos finais de semana - onde vivem sua mãe, seu irmão e seu filho, de 12 anos.

Na escola em Gararu, do começo da aula até as 12h, quando o sinal toca novamente, Marta dedica-se a promover atividades lúdicas e pedagógicas com a turma, que é multisseriada. Com brincadeiras, a professora busca alfabetizar os alunos e aperfeiçoar as habilidades adquiridas. "Às vezes eu faço um círculo e peço para eles dizerem nomes de comida em ordem alfabética. Isso testa a memória do aluno e o conhecimento, além do vocabulário. A criança aprende sem perceber", explica. Além disso, músicas e conteúdo passado no quadro-negro também fazem parte do modelo de aula adotado por Marta.

Por volta das 12h30, após corrigir alguns temas e atender a mães e pais de alunos que eventualmente a procuram, Marta segue a jornada em direção à segunda escola em que leciona, também em Gararu. Na Escola Municipal Monsenhor Antônio de Freitas, que fica no povoado Ouricurizeiro (a 12 km da primeira instituição), a aula inicia às 13h. Não há tempo para almoçar. "Tem merenda às 10h na primeira escola, e às 15h na outra", diz a professora, enumerando suas refeições do dia.

A tarde com os 17 alunos da pré-escola até o 2º ano do ensino fundamental segue um roteiro semelhante, embora a rotina seja mais tranquila, uma vez que a turma é acompanhada por Marta há três anos. "Eles já escrevem, então consigo ser um pouco mais livre nas atividades", justifica. Às 17h20, os alunos se despedem da escola, e Marta vai para casa - uma viagem de 13 km que dura aproximadamente 20 minutos - preparar o café que substitui o jantar. Mas sua função de professora ainda não foi completamente cumprida. Ainda restam 30 cadernos da turma da manhã nos quais ela prescreve uma atividade como tema de casa.

Além das tarefas, Marta reserva um período para planejar a aula do dia seguinte. "Quando tenho mais tempo no fim de semana, eu já planejo tudo. Mas, às vezes, não consigo", conta. Entre as correções e a programação das atividades, a professora leva mais de duas horas buscando materiais na internet e principalmente em livros para utilizar em sala. A hora de dormir chega por volta das 20h30. "Não tenho televisão", brinca a professora. A rotina recomeça cedo no dia seguinte.

Piso salarial

Marta cursou Pedagogia entre 2002 e 2005 na Universidade Tiradentes, em Aracaju (SE). Em 2006, ela prestou concurso e foi chamada no fim do ano seguinte. Ela leciona desde 2008, mas não por um sonho de infância ou por uma vocação percebida na adolescência. "Não foi uma escolha, na verdade. Eu estava namorando uma pessoa, e a mãe dele ficava dizendo que eu tinha que estudar", lembra. Hoje, ela agradece o puxão de orelha. "Eu me apaixonei pela educação, e isso me transformou", revela. Marta agora é pós-graduada em Didática e Metodologia do Ensino Superior pela Universidade São Luís de França, também na capital sergipana.

Antes da instituição do pagamento do piso salarial para os professores do Sergipe, Marta ganhava cerca de R$ 1,3 mil por mês. Desse valor, em torno de R$ 300 eram dedicados a gastos com combustível (quando ela lecionava em Capela), sem contar a manutenção do veículo. Hoje, com a vigência do piso, o salário pelas duas escolas chega a R$ 2,6 mil - R$ 120 investidos para abastecer a moto.

O feito que incrementou a renda de Marta, contudo, não pode ser comemorado em todos os lugares do País. Pela lei, nenhum professor de escola pública pode ganhar menos do que R$ 1.451 mensais para uma jornada de trabalho de 40 horas. Mas, na prática, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) lista pelo menos 15 Estados onde a Lei nº. 11.738/08 não é cumprida. Entre eles, Rio Grande do Sul e Minas Gerais são os mais preocupantes, segundo o secretário de Assuntos Educacionais da CNTE, Heleno Araújo.

A valorização da profissão também deixa a desejar. Para Araújo, os problemas são históricos e carecem de uma política consolidada para a formação dos professores e para o plano de carreira. "As universidades ainda não conseguiram conectar o currículo de formação com a realidade das escolas públicas", analisa. A educação continuada também carece de investimentos para manter a qualidade do profissional.

O grande problema, além da questão da remuneração, é o déficit de professores. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) estima que seriam necessários 6,8 milhões de novos professores no mundo para que as metas do milênio para a educação fossem atingidas até 2015.

No Brasil, o quadro efetivo está muito aquém do que a demanda exige, aponta Araújo. "O prejuízo do estudante é diário. Independentemente de greve, em toda a rede pública falta um professor de alguma disciplina", entende o secretário. O excesso de contratos temporários também interfere no ensino, principalmente quando vários professores ministram a mesma disciplina num único ano letivo. "Quebra a sequência e impede a criação de um vínculo entre professor e estudante", explica.

O déficit é acentuado pela falta de interesse dos jovens em seguir a carreira de professor. "O salário é baixo, as condições são inadequadas, não há perspectiva ou segurança de valorização social e financeira", lamenta Araújo. Na opinião dele, os problemas afastam os adolescentes da escolha pela licenciatura, e a chave é oferecer as condições necessárias para que haja procura pela profissão e, posteriormente, o professor encontre estímulos para seguir estudando e melhorando cada vez mais.

A rotina de Marta
5h20 - Marta acorda, prepara o café da manhã e deixa o almoço pronto para o marido.
7h40 - A professora sai de casa rumo à primeira escola, onde a aula começa às 8h.
10h - Hora da merenda. A professora faz um lanche com os alunos. É como se fosse "a primeira metade" do seu almoço.
12h - Marta finaliza a aula com a turma da manhã. Ela ainda fica na escola algum tempo para corrigir temas e atender pais.
12h30 - Horário aproximado em que a professora sai em direção à segunda escola.
13h - Início da aula na segunda escola.
15h - Hora da merenda, novamente. É quando a professora "finaliza" seu almoço.
17h20 - A aula da tarde termina. A professora volta para casa em sua moto, num trajeto que demora aproximadamente 20 minutos.
18h - Marta prepara o lanche da noite e começa a preencher os cadernos dos alunos da manhã com tarefas de casa. Caso não tenha tido tempo no fim de semana anterior, ela aproveita para planejar a aula do dia seguinte. A empreitada dura mais de duas horas.
20h30 - Hora em que a professora costuma dormir.

INFOGRÁFICO

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Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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