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Brasileiro relata experiências na universidade de Nasa e Google

31 jul 2012 - 15h19
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Renata Crawshaw

Fazer parte de um grupo de estudos avançados comandado por Nasa e Google é para poucos. Em números mais exatos, é para 80 pessoas, selecionadas entre mais de três mil candidatos do mundo inteiro para 10 semanas na Singularity University, projeto que pretende formar novas lideranças para a humanidade e que tem entre os professores Steve Wosniak, sócio-fundador da Apple, Larry Page, sócio-fundador do Google, e Dan Barry, astronauta com três missões espaciais no currículo. É nesse contexto que está inserido desde junho o publicitário Tiago Mattos, 32 anos, um dos quatro brasileiros participantes do programa - os outros são Érico de Mattos, Oren Pisky e Karla Lopez.

Bolsista, com cerca de dois terços dos custos bancados pela instituição, o jovem, natural de Porto Alegre, está estudando Futurismo. Em entrevista ao Terra, ele conta um pouco sobre a rotina de trabalho no campus Research Park da agência espacial americana, no Vale do Silício. Confira a seguir:

Terra - Como foi o processo de seleção?

Tiago Mattos -

No total, foram mais de três mil candidatos. Imagine que boa parte é de altíssimo nível. Portanto, ser selecionado é uma honra. Para entrar na SU, você responde a um longo questionário de perguntas abertas. Lembro-me de uma que era: envie três links que melhor representam você. Fiquei pensando: eles querem uma palestra que dei?, um vídeo da minha empresa?, uma música que gosto? A pergunta é vaga propositalmente, para fazer você pensar. A partir daí, o critério deles passa por vários pontos. Primeiro: se você tem capacidade de impactar positivamente um bilhão de pessoas em até 10 anos. Segundo: se você trabalha numa área que tenha impacto positivo à sociedade. No meu caso, sou cofundador da Perestroika, uma escola de atividades criativas, e educação, para eles, é uma dessas áreas. Terceiro: se você já faz parte de algum tipo de iniciativa com impacto positivo na sociedade. Quarto: você tem que enviar duas cartas de recomendação. Tive o privilégio de ter as cartas de Dhaval Chadha, sócio-fundador da consultoria de estratégia Cria Global, e Julián Ugarte, diretor de inovação da Un Techo Para Chile (um teto para Chile), uma fundação que luta para extinguir assentamentos precários e transformá-los em bairros sustentáveis. Ambos são formados pela SU. Nos conhecemos no TEDxPortoAlegre (conferência destinada á disseminação de ideias), viramos amigos e hoje somos sócios da Pipa: aceleradora de negócios com alto impacto social e baixo impacto ambiental. Esse empurrão foi fundamental. Quinto, talvez o mais difícil de todos: você tem que ser aceito por absolutamente todo o

board

da SU. Eles analisam o seu perfil para ver se você é realmente uma pessoa do bem. Todos devem dar o aval. Sexto: eles vasculham a sua vida e sua atividade nas redes sociais (lembre-se que são o Google e a Nasa). Mais do que ser bem falado, eles precisam perceber que você é reconhecido como alguém que causa impacto positivo na comunidade ao seu redor. Enfim, você precisa de um pouquinho de sorte. Porque eles não escolhem pessoas, mas a turma. Então, é um quebra-cabeça em que cada peça deve contribuir para o todo. Se houver duas pessoas incríveis, mas com perfis parecidos, uma delas vai bailar.

Terra - Qual a primeira impressão que você teve ao chegar lá?

Mattos -

A primeira coisa que passou na minha cabeça foi: "eu não mereço estar aqui". Quando li as biografias dos meus colegas, me dei conta que o patamar era muito alto. Intimidador. Aos poucos, fomos nos conhecendo melhor e, hoje, já estou à vontade.

Terra - Como é a rotina dos estudantes na Singularity University?

Mattos -

A melhor palavra para definir a Singularity é "intenso". Temos aulas de segunda a sábado, das 9h às 22h, com pequenos

'breaks'

. São cerca de sete palestras por dia: três pela manhã, três durante a tarde e uma à noite. Inclusive, existe uma piada aqui: "SU" não significa Singularity University, mas '

Sleepness University

' (Universidade-onde-não-se-dorme). As discussões parecem ficção científica. Falamos do que há de mais avançado em inteligência artificial, nanorobótica, futurismo, engenharia espacial, empreendedorismo, medicina, genética, design. E ainda há as discussões entre alunos, que são igualmente incríveis. Às vezes, mais legais que as próprias palestras oficiais.

Terra - Quem são os colegas de curso?

Mattos -

Estamos em 36 nações. Um composto de cientistas, ativistas, empreendedores e inovadores. Ao nosso redor, temos um time de professores surreal. Muitos são as figuras mais representativas do mundo na sua área. Dezenas já foram palestrantes do TED-Global. Junte aí parceiros fortes, como a Nasa e o Google. Só pode sair coisa boa. É importante ressaltar que estamos no Vale do Silício. Aqui, todos os dias, circulam investidores de todo o tipo. Sem falar, obviamente, nos profissionais de tecnologia. Você tropeça em gente que trabalha na Apple, Google, Facebook, Microsoft. Mas o que mais surpreende é a quantidade de empreendedores, de start-ups, de pessoas que estão criando negócios na área de tecnologia. No início, eu ficava assustado. Agora meio que acostumei.

Terra - Sua forma de enxergar o mundo já foi modificada com as aulas até agora?

Mattos -

Completamente. Principalmente em dois aspectos. O primeiro é o pensamento exponencial. Fomos treinados a pensar linearmente. E as revoluções tecnológicas estão evoluindo num outro padrão, que é muito mais rápido. Mais rápido que a própria Lei de Moore (a cada dezoito meses, a capacidade de processamento dobra e o preço cai pela metade). É exponencial. E, quando nos damos conta disso, percebemos que estamos a ponto de viver muitas revoluções. A internet é só o início. O segundo é a abundância. Dependendo de como vemos o mundo, podemos analisá-lo de duas formas. Uma, é a mais automática, que é: "estamos vivendo um período de crises financeiras, desigualdade, insegurança, aquecimento global, tsunami". Acredito que a maioria das pessoas pensa assim, e pensa assim porque nosso cérebro é condicionado a dar mais atenção às notícias ruins. Faz parte da seleção natural. Há muitos e muitos anos, o ser humano está atento ao que pode ser um risco a sua vida. Aí, deixamos de ver por outro prisma, que é o da abundância. Dependendo de como analisamos o mundo, podemos dizer que estamos vivendo a época mais abundante da história. Nunca tivemos tão poucas guerras. A informação nunca esteve tão distribuída, através dos celulares com internet. As revoluções tecnológicas que estão por acontecer garantirão comida e água potável para todos em poucos anos. A saúde está a um passo de uma revolução que estenderá a vida de todos nós. E por aí vai. Eu acredito em ambos e acho que essas duas mudanças são importantes não só para entender o futuro, mas para que tenhamos condições de criar impacto positivo.

Terra - De que forma você pretende atingir esse bilhão de pessoas que eles estimam?

Mattos -

Começo essa resposta com uma citação: "Por mais de um século, reclamamos do jeito que as escolas são conduzidas, mas apenas nos últimos 30 anos fizemos algum esforço para resolver isso. E qual é o resultado? Escolas continuam iguais". Esse pensamento não reflete exatamente o cenário da educação que vivemos hoje? Esta citação foi dita por Comenius no ano de 1.623. Ou seja: de lá para cá, a escola mudou muito pouco. As incríveis iniciativas que temos em plataformas online ainda não conseguiram substituir o contato humano. Portanto, meu grupo e eu pretendemos trabalhar em cima de alguma solução para educação que tenha impacto imediato e seja possível implementar ao redor de todo o mundo. Já temos alguns esboços, mas ainda não chegamos à ideia final.

Terra - Como alguém pode fazer diferença no mundo?

Mattos -

Primeiro, entendendo que todos os organismos (incluindo as empresas) devem ter ciclos sustentáveis. E quando digo sustentáveis, não confunda com Ecologia. Esse é um erro muito comum. Sustentável é tudo aquilo que tem um ciclo que gera mais recursos do que consome. Sejam recursos energéticos, sejam recursos financeiros, sejam recursos afetivos, sejam recursos de saúde. Esse entendimento equivocado gera o consumismo, em vez do consumo. Um dos grandes vilões da sociedade moderna. Segundo, não esperando o momento certo para mudar. Simplesmente porque o momento certo não existe. Você é quem cria. Mas é preciso coragem para dar o primeiro passo e decidir fazer algo de impacto positivo, seja do tamanho que for. Terceiro, é preciso empatia. Não há mudança quando você sente pena pelos outros. Você se coloca num patamar superior e, a partir daí, a conexão fica mais frágil. A verdadeira mudança acontece quando você se coloca lado a lado do outro. Por fim, é preciso fazer. Ideia no papel não vale nada.

Terra - Quais as expectativas para a volta ao Brasil? Como pretende aplicar o conhecimento adquirido?

Mattos -

Tenho muita vontade de dividir tudo o que estou aprendendo aqui com o maior número possível de pessoas. Mas, principalmente, fazer. Começar a gerar o impacto através das ferramentas que aprendemos aqui. Nosso mantra lá na Perestroika sempre foi "Vai lá e faz". Não será diferente agora. Espero conseguir espaço dentro das grandes instituições, sejam governamentais, empresariais ou ONGs. Quero dividir este conhecimento e mostrar que é possível fazer mudanças de alto impacto em pouco tempo. Posso ajudar tanto repassando o que vi aqui (quais são as novas tecnologias que estão por vir) quanto processando a informação que já temos. Todos os graduando em Futurismo sairão daqui com ferramentas capazes de desenhar cenários para os próximos anos. Estou discutindo com meu sócio a possibilidade de montar um curso sobre "Futurismo e Impacto Positivo". Palestras e consultorias também são caminhos bem possíveis. Mas, acima de tudo, quero mostrar para as pessoas que impactar pessoas de forma positiva é possível. Basta querer e fazer.

Terra - Já fez algum contato para trazer algumas dessas pessoas para palestras ou cursos no Brasil?

Mattos -

Vários deles serão futuros professores da Perestroika. Pode ter certeza disso.

Terra - Mas afinal, que links que você enviou no questionário de seleção da SU?

Mattos -

Os três links que enviei foram o

blog da Perestroika

, uma

palestra no TEDxPortoAlegre

e o

Projeto 1:1

da Perestroika. Achei que essa combinação mostrava um pouco da minha visão criativa, educacional, empreendedora e de impacto positivo. Acho que esses são os quatro vetores que regem minha vida pessoal e profissional.

Fonte: Terra
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