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Baixa autoestima leva escola chinesa a abrir turma só para meninos

5 jun 2012 - 10h38
(atualizado às 11h23)
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Fernanda Morena
Direto de Pequim

Com melhores notas e mais chances de entrar nas universidades de maior prestígio, as estudantes chinesas têm causado um movimento de contrafluxo na cultura paternalista do país. A preocupação com a consequente falta de confiança pessoal e a baixa na masculinidade gera a chamada "crise dos meninos", que temem um possível mundo sob o controle das mulheres.

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"A educação superior é o único nível da sociedade em que as mulheres se dão melhor na China", conta a americana Leta Hong Fincher, doutoranda em Gênero na Universidade Tsinghua, em Pequim, uma das mais respeitadas do país.

A fim de garantir a entrada de mais meninos nas universidades de ponta, como Tsinghua, Universidade de Pequim, Jiaotong, Universidade do Povo e Universidade de Comunicação, a Escola de Ensino Médio Número 8 abriu inscrições para uma classe só de meninos. O projeto, aceito em caráter experimental, foi aprovado no final de março e entrou em vigor no dia 18 de abril.

A ideia inicial de Lu Qinsheng, diretor da escola, era transformar o estabelecimento todo em uma escola preparatória para rapazes. Mas seu pedido só foi concedido para duas classes experimentais com a capacidade para 60 alunos.

A crise dos meninos chineses

O fenômeno não é isolado e já vem sendo estudado em escolas mundiais há décadas. Analistas propõem diversos métodos disciplinares para manter meninos competitivos na escola e que levem em consideração as diferenças neurológicas entre os gêneros. A separação das classes, porém, é controversa no mundo acadêmico, com as escolas preparatórias masculinas e internatos sendo criticados pela formação de jovens menos capazes de lidar com o sexo oposto.

Para Lu, meninas são mais disciplinadas e, por isso, atingem melhores resultados na escola, o que abala a confiança dos meninos em suas próprias capacidades. Uma aula sem meninas, diz o diretor da escola de Xangai, permite a execução de um plano didático especial, a fim de que os alunos "possam atingir suas capacidades plenas".

Especialistas da Academia de Ciências Sociais de Xangai apontam que a crise dos meninos revela problemas com o sistema educacional e de avaliação chinês, que desconsidera características comumente masculinas, como hiperatividade. "Os meninos chineses são mais mimados do que as meninas, pois crescem sob o valor cultural que diz que, para que casem, eles precisam ter um apartamento, e os pais devem comprar o imóvel", explica Leta. "Com isso, os meninos acreditam que os pais, a sociedade, devem algo a eles, e tendem a se esforçar menos".

Conforme o Atlas Mundial de Gênero na Educação 2012 da Unesco, as escolas chinesas têm mais meninas matriculadas do que meninos. Cerca de 78% dos meninos em idade para cursar o ensino médio estão matriculados, ao passo que 83% das meninas têm uma vaga garantida nas escolas nacionais. Na graduação, a média comparativa cai para 24% dos meninos e 25% das meninas.

A necessidade financeira, que obriga diversos jovens de famílias pobres a trabalhar, é uma das causas da descontinuidade na educação. Para chinesas da zona rural, que estudam até o sexto ano, em média, o fato de serem alfabetizadas é suficiente. Depois disso, elas partem ou para o casamento ou para o trabalho no campo.

A separação dos gêneros

A separação entre meninos e meninas na escola criou um debate na mídia chinesa. Primeiro, porque sugere que meninos que convivem com meninas perdem masculinidade. A segunda questão levantada é a dificuldade que os meninos poderiam vir a ter durante a fase adulta para se relacionar com o sexo oposto. Por fim, a terceira questão seria o aumento da violência nas escolas devido aos "ânimos masculinos". "Os meninos lidam de forma pior com autoridade que meninas, e são mais difíceis de controlar. Principalmente na China, por serem os preferidos das famílias e, assim, mais mimados", avalia Leta.

Em abril, a escola Yueqing Yucai, de Zhejiang, província no nordeste do país, emitiu uma série de proibições com relação ao contato entre meninos e meninas. Estão proibidos os passeios de mãos dadas, conversas em locais privados (como corredores escuros) e o namoro entre os estudantes. A ideia é forçar que os alunos se foquem nos estudos.

Em diversas províncias, as meninas são ainda obrigadas a manter os cabelos curtos para que não chamem a atenção dos meninos.

Mulheres sofrem discriminação na China

Ainda que as meninas garantam notas mais altas e ocupem mais vagas nas instituições de ponta, os setores da educação que atraem os meninos são os que garantem salários mais altos, como tecnologia da informação e engenharias (71% dos estudantes são homens) e administração de Empresas (52%). Apenas 25% das vagas para cursos de MBA são ocupadas por mulheres.

"As meninas chinesas estudam muito e conseguem se especializar altamente. Porém, os avanços femininos na educação não se traduzem no fortalecimento das mulheres cultural ou economicamente", explica Leta. "As mulheres ainda ganham menos, têm menos chances de serem promovidas e têm uma carreira mais curta".

As razões para a discriminação vão além da cultura e aumentam conforme as mulheres envelhecem, diz Leta. Pelos costumes, as chinesas devem casar aos 25 anos, ter filhos aos 28 e aposentar-se entre 50 e 55 anos. "Os empregadores têm mais medo de contratar mulheres em função da posição social que ocupam, por serem mães e precisarem cuidar dos filhos", acrescenta a especialista.

O governo chinês não tem políticas de gênero para garantir que ou a crise dos meninos não ocorra ou que as mulheres não sejam discriminadas no mercado de trabalho. Além de a lei chinesa garantir aos homens uma aposentadoria mais tardia, a representação feminina política é virtualmente nula. "Se o governo tomasse medidas firmes contra a discriminação de gênero e não alardeasse uma 'desvantagem' masculina, a igualdade seria maior e o mercado de trabalho, mais saudável", reitera Leta.

Fonte: Especial para Terra
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