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Primavera Árabe expõe desafios da educação após ditaduras

24 mai 2012 - 09h33
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MELISSA BECKER
Direto de Birmingham

Em alguns países, desde os livros de história até os básicos de língua materna precisam ser reformulados
Em alguns países, desde os livros de história até os básicos de língua materna precisam ser reformulados
Foto: TFL Education / Divulgação

Países que passaram pela Primavera Árabe levarão um longo tempo para reformar a educação, não apenas pelos impactos das revoluções, mas pelos anos de repressão sob o governo dos antigos líderes. Em meio a uma situação política ainda instável, os desafios educacionais de países como Tunísia, Egito e Líbia permanecem sem respostas.

"Vimos levantes contra repressão de muitos anos: 30, 40 anos. A voz do povo não era ouvida, suas aspirações não foram atendidas. Nesses regimes, para quem governava, foi importante suprimir todas as ideias de gestão, o cultivo de ideias e a capacidade de questionar, que são desenvolvidas no mundo ocidental", compara o educador britânico Eric Liddell, que trabalha com escolas do Oriente Médio, África e Ásia há 35 anos.

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A mudança de governo nesses países requer revisões no material didático usado para justificar os antigos regimes. Na Tunísia, país que se encontra mais estabilizado em relação aos demais, foi necessária uma grande modificação: desde os livros de história até os básicos de árabe, além da forma como a língua é ensinada, exemplifica Scott Lucas, especialista em relações internacionais do norte da África e do Oriente Médio da Universidade de Birmingham, na Inglaterra.

Para ele, outro impacto das revoluções na educação é como lidar nas escolas com tópicos levantados pelo movimento na sociedade, como religião, etnias e desenvolvimento político e social do país. "Por exemplo, a questão de como o Islã é representado em uma sociedade multicultural, onde alguns não são religiosos e outros são muito religiosos. Isso tem sido muito importante na Tunísia no momento", pontua.

Acima disso, os futuros governos terão que pensar em quanto será gasto com educação, apesar de os cenários político e econômico desses países seguirem desestabilizados. No Egito, por exemplo, Heba Fatma Morayef, pesquisadora da organização Human Rights Watch na região, observa que não há grandes chances de uma nova política pública por enquanto.

"Os partidos islâmicos têm grandes planos para uma reforma na educação, então, pode haver mudanças significativas à frente. No momento, o parlamento tem sido bloqueado pelo gabinete que os militares insistem em manter, por isso a capacidade para implementar seus planos ficará mais clara meses depois das eleições presidenciais", comentou ao Terra.

Diferentes motivos levaram o povo de cada país a se rebelar contra o governo, e há aspectos educacionais distintos em cada um. Estatísticas da Unesco (órgão das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) mostram que 84,9% dos jovens egípcios são alfabetizados, enquanto na Líbia essa taxa sobe para 99,9%. Ao mesmo tempo, se o regime de Hosni Mubarak era mais preocupado em manter o poder das instituições e conseguir riqueza por meio delas, o povo sob o comando de Muammar Kadafi foi submetido a sua ideologia de estado. Para Lucas, isso significa que a Líbia está começando do zero, e agora precisa lidar com diferentes grupos étnicos e diferenças conforme a geografia. Como colocar todas essas vozes juntas por um sistema educacional?

"O desenvolvimento do ensino básico à universidade leva um tempo tremendo, não apenas para a formação de setores-chave como engenharia e medicina, porque se precisa desses serviços vitais para a comunidade, mas para todas as disciplinas. Há questões políticas, burocracias e necessidade de investimentos em longo prazo e de recursos. Dependendo do governo, eles vão investir o dinheiro onde poderão ter apoiadores", prevê o especialista da Universidade de Birmingham.

Na sala de aula

Para Eric Liddell, os desafios dependem da base com a qual se trabalha, que, por sua vez, depende do nível de repressão em que esses países se encontravam. Mais do que conteúdo essencial para alfabetização - que continua sendo ensinado -, o educador baseado em Leeds, no norte da Inglaterra, destaca outros aspectos em relação ao currículo escolar para atender às necessidades dessas novas democracias: liderança e gestão.

"Esses regimes falharam em ensinar habilidades como pensamento crítico, tomadas de riscos e de decisões. Eles criaram burocracias que não permitem o pensamento independente. No Cairo, as pessoas não trabalham de forma cooperativa, em grupo, porque precisam proteger suas próprias posições. Na Líbia, eles não pensam em suas responsabilidades sociais", afirma.

Como ensinar essas aptidões aos estudantes? Liddell, que por meio da empresa TFL Education leva cursos para escolas de países como Egito e Sudão, aposta em formas interativas de introduzir esses conceitos para a esses alunos, com jogos e vídeos. Na aula sobre liderança, o clube Barcelona serve como exemplo: não é necessário ser capitão do time para ser um líder. Messi não é o capitão, mas é um jogador decisivo. Na hora de defender um pênalti, o atleta mais importante é o goleiro. O educador usa a analogia para mostrar que todos têm a capacidade e que, às vezes, serão chamados para tomar a liderança - uma ideia nova para jovens que cresceram em um país que teve apenas um líder por décadas.

"O mundo, em 2012, apresenta todo um arranjo de novos desafios para os jovens, não apenas para os desses países. Quem serão os criadores e líderes de uma nova ordem? Não vai ser minha geração, mas, como educadores, temos um papel importante em preparar quem irá conduzir o mundo para esses novos tempos", opina Liddell.

Fonte: Especial para Terra
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