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Apesar das falhas, ex-presidente do Inep diz que Enem foi exitoso

17 mar 2012 - 18h46
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Em janeiro de 2011, quando deixou a reitoria da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UniRio) para atender ao convite do então ministro Fernando Haddad para assumir o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Malvina Tuttman sabia que tinha um desafio pela frente. A professora chegava ao cargo máximo de um dos órgãos mais importantes da educação brasileira, responsável, entre outras tarefas, pela aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), justamente - e principalmente - para recolocar nos trilhos a prova criada para ser um dos porta-bandeiras da política de ensino do governo.

Malvina presidiu o Inep de janeiro de 2011 até janeiro de 2012
Malvina presidiu o Inep de janeiro de 2011 até janeiro de 2012
Foto: Valter Campanato / Agência Brasil

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Um ano depois, ao deixar o cargo sob a justificativa da troca de ministros - saiu Haddad e entrou Aloizio Mercadante -, Malvina manteve no discurso a convicção de que o Enem é exitoso, ainda que, assim como o antecessor Joaquim Soares Neto, tenha sido expurgada da função devido aos erros na aplicação do exame.

Sétima presidente da instituição em nove anos, Malvina falou com exclusividade ao Terra. Negou que a saída tenha tido relação com, por exemplo, o vazamento de questões do Enem, e fez um balanço do período em que esteve no Inep. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

Terra - A senhora é a sétima presidente a deixar o cargo em nove anos. Isso não fragiliza o Inep como instituição?

Malvina Tuttman -

Toda gestão precisa de um tempo para implementar suas propostas, e a instituição, para cada vez se fortalecer mais, precisa dar continuidade. Se as mudanças de gestão permitem a continuidade, se a proposta tem consequências, se segue a mesma linha, não interfere significativamente. Se isso se der de forma diferente, se a cada gestão mudarem os objetivos, afeta a instituição como um todo.

Terra - Quais eram suas principais metas à frente do Inep? Foi possível concluir alguns dos programas e ações que a senhora iniciou nesse curto período?

Malvina -

Em primeiro lugar, com a Associação dos Servidores do Inep (Assinep), tivemos um fórum para repensar o instituto. Em março de 2011, discutimos as bases do Inep e definimos que ele precisava fortalecer os estudos e as pesquisas. O Inep já tem muitos procedimentos importantes de levantamentos quantitativos, que são fundamentais, e precisava dar o passo seguinte, para a análise em relação a esses dados. Ao final do ano, fizemos um segundo fórum, justamente para apresentar a totalidade do trabalho e definir uma minuta de reestruturação a ser apresentada ao ministro Haddad. Uma das coisas importantes feitas também foi a criação de uma unidade de operações logísticas no Inep. Nós não tínhamos controle da aplicação do Enem. Tínhamos controle até o momento em que fazíamos as provas, a matriz de referência, a capacitação dos profissionais, a elaboração dos itens, dos exames, mas não havia uma unidade no Inep de operações logísticas. Credito a essa unidade de operações logísticas o êxito do Enem na sua aplicação durante o ano de 2011.

Terra - A senhora falou sobre a implementação da unidade de operações logísticas. Que mudanças foram feitas?

Malvina -

Tivemos uma aproximação com as instituições de educação superior, principalmente as públicas, com reuniões que definiam e implementavam ações. Anteriormente, os itens do exame eram elaborados somente por uma chamada pública, onde cada profissional das instituições se apresentava voluntariamente e era selecionado por critérios do Inep. Mantivemos essa medida, mas acrescentamos uma que consideramos bastante importante e que já era uma reivindicação dessas instituições, que foi o lançamento de um edital para a elaboração de itens não mais somente em caráter voluntário, mas com "o selo" das universidades. Para isso, houve uma capacitação de cerca de 900 colaboradores, de quase 60 instituições de educação superior públicas. Por que nós fizemos isso? Por conta do número ainda insuficiente de itens no Banco Nacional de Itens (BNI), pois o Enem é um exame recente e ainda não tem itens em quantidade suficiente, e para que pudéssemos capacitar profissionais das universidades para a elaboração de itens. Fizemos isso em 2011, com previsão de continuidade neste ano. A previsão é de termos cerca de 28 mil itens até o fim de 2012, se continuar nessa progressão e com essa proposta.

Terra - A ampliação desses itens contribui para estabelecer um padrão de prova?

Malvina -

Quanto maior o banco de itens, maior a garantia de sigilo. A Teoria de Resposta ao Item (TRI) necessita que um percentual de questões de cada uma das quatro áreas do exame seja pré-testado para haver a calibração, ou seja, saber se é uma questão fácil, média ou difícil. Quanto mais itens tivermos, qualificaremos mais a utilização da TRI.

Terra - No início do ano foi feito o anúncio de que haverá apenas uma edição do Enem e não duas, como estava previsto para 2012. A senhora defendia a realização de mais edições ao longo do ano. Isso é viável? Por que não acontecerá agora?

Malvina -

Continuo defendendo com a mesma veemência e repetiria o que disse assim que assumi o Inep: temos que fazer mais de uma edição do Enem. Quando nós discutimos isso, e não foi uma ação isolada, foi uma definição de grupo, havia a hipótese da realização de dois exames no ano. Um exame seria em outubro, como foi realizado, e o outro em abril. Como foi noticiado, uma das ações do Ministério da Educação foi a contratação de uma empresa de controle de riscos. Essa empresa, a Módulo, a pedido do ministro, fez um relatório, uma análise de todo o processo, e deixou claro que o exame de 2011 foi exitoso, mas que precisa de aperfeiçoamentos, de refinamentos em algumas áreas, e que isso traria maiores riscos se fosse imediatamente agora, em abril. Não era impossível fazer. Era viável, mas traria mais riscos. A decisão do MEC foi não fazer uma segunda edição antes de aperfeiçoar algumas questões. Não tenho dúvida que, em 2013, isso acontecerá. Foi uma precaução, um cuidado que o ministério teve para não fatigar mais o processo.

Terra - Esses riscos seriam quanto à qualidade do teste ou quanto à segurança, à logística?

Malvina -

A logística deu certo. A imprensa acompanhou, como tem que fazer mesmo, e noticiou todo o processo. Não houve nenhum problema de logística no ano de 2011. Mas precisamos ter aperfeiçoamentos. Precisamos rever algumas questões, como as correções das redações, os consórcios e a questão do aprimoramento dos aplicadores. Um concurso para a ampliação do quadro de servidores do Inep (130 pesquisadores) já está garantido, e essa foi uma conquista importante do ano passado. Isso tudo não seria impedimento para fazer a segunda edição do exame. Mas o MEC optou por fazer o refinamento já apontado necessário e fazer só uma edição nesse ano.

Terra - A senhora acredita que o incidente das correções das redações teve um peso na decisão de não ter duas edições ainda este ano?

Malvina -

Não, porque a metodologia pode ser modificada, e ela certamente será modificada. Deixamos algumas indicações para o aperfeiçoamento da correção. A equipe que elabora, que é responsável, que coordena o Enem, tem uma proposta para isso, que deve estar sendo discutida com a nova presidência e com o novo ministro.

Terra - Apesar de ter sido negada, há quem associe sua saída do órgão ao vazamento de questões na última edição do Enem. Como a senhora avalia isso?

Malvina -

Não foi. Isso é um equívoco. Não utilizo a palavra vazamento, e não por uma questão de palavra, de significado, mas o que aconteceu foi uma questão de falta de ética. Não é falta de segurança. Agora, isso aconteceu em 2010. Poderia ter até acontecido no ano de 2011, mas não aconteceu. Na gestão 2011, não tivemos nenhum problema de logística. Esse pré-teste foi utilizado em outubro de 2010. A escola ou o professor que fez mal-uso disso premeditou, guardou durante um ano algumas das questões dos cadernos do pré-teste e utilizou. Isso não pode ser imputado ao Inep e, muito menos, à minha gestão. Então, minha saída não está ligada de nenhuma forma a essa questão e, sim, a uma escolha do novo ministro, de sua própria equipe.

Terra - A senhora havia deixado a reitoria da UniRio para assumir o Inep. Como se sentiu quando ficou sabendo que seria substituída? Frustrada? Injustiçada?

Malvina -

Não, de forma nenhuma. Quando fui convidada, me senti honrada, porque fui convidada por ser uma educadora, por conta da minha trajetória profissional. Mas como é um cargo de confiança do ministro, eu sabia que a qualquer momento poderia não estar mais à frente do Inep. Essa era uma realidade. Se eu tivesse que escolher, sabendo que sairia um ano depois, escolheria outra vez viver a rica experiência que tive no Inep, junto a profissionais extremamente capacitados e pesquisadores de primeira linha. É um orgulho para qualquer professor. O meu sentimento é de saudade, e a gente só tem saudade daquilo que gosta. Tenho saudade dos colegas, dos contatos que fazíamos com profissionais lá no chão da escola. Mas são momentos da nossa vida profissional, e a cada instante existem novos desafios. Em 2012, devem se apontar outros desafios importantes também. Isso faz parte da nossa vida.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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