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Empresários criticam ensino no Brasil: falta conhecimento básico

29 nov 2011 - 11h02
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A tarefa era simples: como auxiliar administrativo de uma multinacional, o estagiário de ensino médio deveria analisar a ficha de diversos funcionários da empresa e calcular a percentagem de trabalhadores que possuíam ensino superior, ensino básico e curso técnico. O jovem não sabia nem por onde começar o levantamento e não conseguiu realizar o trabalho. O caso não é isolado, garantem empresários do setor industrial, e reflete a realidade de deficiência do ensino brasileiro, responsável pela má qualificação da mão de obra.

Diretor global de Recursos Humanos da Vale, Luciano Pires conta que, recentemente, a segunda maior mineradora do mundo abriu 600 vagas para aprendizes no Pará e conseguiu selecionar apenas 200 candidatos. Para ele, o grande problema está na base da pirâmide educacional. "Existe muito o que fazer, sobretudo em matemática e português", afirma.

O presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugênio Vieira, realizou uma pesquisa com mais de 200 empresários e detectou que o trabalhador tem dificuldade de interpretar dados - como no caso citado no início desta reportagem - e de agir rapidamente diante de problemas. "Isso é resultado de problemas na matemática, que são fundamentais para desenvolver o raciocínio", afirma.

Dados do movimento Todos Pela Educação, publicados em dezembro do ano passado, comprovam o cenário. De acordo com a pesquisa feita com instituições públicas de ensino, somente 11% dos estudantes que terminam o terceiro ano do Ensino Médio demonstram aprendizado satisfatório em matemática, e cerca de 28% se formam com conhecimento de português. Vieira ressalta que a falta de noção numérica e da língua portuguesa afeta o desempenho profissional dos estagiários e trabalhadores, podendo até mesmo interferir no trabalho em grupo do setor ou da empresa.

Diretor de Educação e Tecnologia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Rafael Lucchesi concorda. "O Brasil não prepara a juventude para o trabalho, para a inserção competitiva. Temos problemas também na escolaridade e isso prejudica a entrada de alunos na educação profissional, porque falta conteúdo básico".

Um estudo da consultoria Heidrick & Struggles - uma das maiores do mundo em contratação de executivos - mostra que a deficiência do ensino básico pode ser um problema para a formação de talentos brasileiros para o mercado internacional. O Global Index Talent 2011 (Índice Global de Talentos), elaborado pela consultoria, coloca os jovens brasileiros na 35º posição num ranking de formação de futuros executivos que envolve 60 países. O motivo seria a péssima qualidade do Ensino Fundamental. Na lista, o Brasil fica atrás de qualquer país desenvolvido e mesmo de outros emergentes, como Rússia, Argentina e Coreia do Sul.

Diretor Executivo da Agência Brasileira de Estágios (ABRE), Fernando Luiz Braga Van Linschoten afirma que 90% dos estagiários de nível médio, cadastrados na agência, são provenientes de escolas públicas. "São os estagiários mais necessitados, tanto por renda, como por conhecimento", diz. Por este motivo, Linschoten acredita que os empregadores já têm conhecimento desta deficiência, e normalmente são mais atenciosos e pacientes. "Da mesma forma, este é o estagiário que mais se esforça. Ele precisa trabalhar para ajudar a família, então coloca muita dedicação em cima da oportunidade que recebeu", explica.

'Ensino médio prepara somente para o vestibular', diz educador

Fórmulas e macetes para decorar e alunos que não veem sentido em conteúdos como química e física. Para o fundador do Instituto Crescer para a Cidadania, Dilermando Allan Filho, é este o cenário nas salas de aula brasileira. "A escola não prepara o aluno para a vida ou para o mercado. Prepara para o vestibular, e de forma falha", diz.

Este ensino que vem acompanhando de fórmulas e conteúdos que aparentemente não têm aplicação na vida adulta, resulta, para Allan Filho, em um estudante desinteressado e que não frequenta a aula. Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2009 , 40% dos jovens de 15 a 17 anos abandonam a escola (Ensino Médio) por desinteresse, e 27% por razões de trabalho e renda.

"Não há mais espaço para a escola que temos hoje, onde o foco ainda é a transferência de conteúdos estanques. Os alunos precisam desenvolver suas competências e habilidades cognitivas, produtivas e relacionais", opina, destacando que acredita no projeto proposto pelo Conselho Nacional de Educação, que prevê um modelo de currículo dividido em áreas - ciência, tecnologia, cultura e trabalho. Este novo Ensino Médio visa a uma formação técnica voltada para o mercado.

"Atualmente, as escolas ensinam química e aquilo não significa nada para alguns alunos, é um conteúdo muito distante da realidade dele. A mudança proposta por nós visa a dividir as escolas por áreas de interesse e ensinar para o estudante uma química sobre a perspectiva do mercado. Ou seja, uma química que faça sentido para ele, que ele saiba que vai usar durante a vida", explica Mozart Neves Ramos, presidente do Todos Pela Educação e membro do CNE, que aprovou por unanimidade o projeto, que ainda precisa ser homologado pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, para entrar em vigor.

Segundo empresários, as deficiências em matemática e português prejudicam o desempenho dos trabalhadores
Segundo empresários, as deficiências em matemática e português prejudicam o desempenho dos trabalhadores
Foto: Getty Images
Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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