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Linguista: educadores acham que falar certo é falar 'rebuscado'

Linguista: educadores acham que falar certo é falar rebuscado

23 mai 2011 - 15h06
(atualizado às 15h15)
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Um livro didático distribuído pelo Ministério da Educação (MEC) para alunos de educação de jovens e adultos (EJA) causou polêmica por trazer frases como "Posso falar 'os livro'? Claro que pode". O trecho ganhou os holofotes durante essa semana e foi considerado como um "incentivo ao erro" por muitos críticos. Porém, há quem levante a bandeira da variedade linguística para defender a obra e sua aplicação.

"O problema é que muitos educadores acham que falar certo é falar rebuscado. Mas o falar adequado se dá no momento que seu receptor o compreende. Tente falar na norma culta em qualquer ambiente que não seja o educacional. Você vai ser taxado de esnobe", diz Ernani Pimentel, autor do livro Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. O escritor considera a polêmica infundada.

Segundo Pimentel, o dever da escola é educar para a norma padrão do português, mas isso não significa que as diferenças entre modos de falar devam ser ignoradas. "Eu preciso ensinar o aluno a usar smoking, mas nem sempre ele vai poder usar esta vestimenta. Em algumas situações, ele usará sunga, bermuda ou calça jeans, para que seja bem entendido", compara. Para ele, o trecho priorizou exatamente isso, já que introduziu somente no primeiro capítulo as "vestimentas" informais, para depois se ater à norma culta. "Não existe o certo e o errado quando se trata de fala, e sim o adequado e o inadequado. Falar bem é ser bem entendido", afirma.

O estudioso em linguagem José Luís Landeira encaminhou um e-mail para jornalistas, professores e amigos depois que o livro distribuído pelo MEC passou a ocupar as páginas dos jornais de São Paulo. O coordenador da área da linguagem do Colégio Franciscano Nossa Senhora Aparecida (Consa) concorda que o conceito de variação linguística e a diferença entre fala e escrita são conteúdos que fazem parte do currículo escolar e que inclusive são solicitados como uma habilidade que os alunos precisam dominar para a prova do Enem. "Isso é uma discussão antiga e que já foi superada. Voltou porque simplesmente pinçaram uma frase que a escritora usou para exemplificar e não explicaram o contexto. Fiquei abismado!".

Sérgio Simka, professor de línguas e escritor da obra Torne suas aulas de português um momento agradável, concorda. "O livro trata de uma regra básica da comunicação: o emissor deve falar de uma forma que seu receptor entenda". Simka também explica que o conteúdo não tem raízes linguísticas, mas sim sociais, pois existem variedades de fala geográficas, cronológicas e sociais.

"O capítulo foi extremamente feliz ao apontar a hipocrisia linguística que reina em nosso País. A Academia Brasileira de Letras (ABL), lógico, repudiou o livro, dizendo, em nota, que os alunos precisam conhecer a língua padrão para ascensão social. Bobagem. Se fosse assim, nós, os professores de Português, estaríamos no topo da pirâmide, e não abaixo dela", critica. Em nota, a ABL afirmou que "o manual que o ministério levou às nossas escolas não o ajudará no empenho pela melhoria a que o ministro (da Educação) tão justamente aspira".

Landeira completa dizendo que o conteúdo variedade linguística é abordado em todas as gramáticas que se propõem a dar um conhecimento completo de português aos estudantes. Conforme ele, o livro Por uma vida melhor somente o abordou de uma forma diferente, justamente para atender ao seu público-alvo: jovens e adultos. O especialista diz que os alunos desse tipo de ensino, normalmente, são pessoas que não tem uma relação boa com a norma culta e acham que falam errado. Com isso, passariam a estudar o português como se fosse uma língua estrangeira.

"No momento que a autora abre o livro dizendo que o modo que eles falam também é adequado, dependendo do ambiente, eles se sentem estimulados a aprender a norma culta para se inserir em outros meios, como o educacional e o profissional", afirma.

Para Landeira, o livro pode ter sido alvo do preconceito linguístico. O professor explica que acredita em uma definição do filósofo Pierre Bourdiau, que diz: "quanto mais comum é o erro entre os menos favorecidos, mais marginalizado vai ser este erro na sociedade". Landeira defende a tese de que o "alvoroço" em torno da publicação só se deu pelo exemplo escolhido pela autora: "os livro".

"Se ela tivesse usado como exemplo uma frase com o verbo adequar conjugado de forma incorreta, isso não teria acontecido. Pois este verbo é defectivo e de difícil conjugação na fala. Mas ¿os livro¿ é uma questão de adequação ou inadequação língustica, tanto quando o verbo adequar. A única diferença é que o primeiro ocorre mais nas classes mais baixas", conclui.

O livro de português foi distribuído pelo MEC para turmas de educação de jovens e adultos (EJA)
O livro de português foi distribuído pelo MEC para turmas de educação de jovens e adultos (EJA)
Foto: Editora Global / Reprodução
Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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