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Por insatisfação e 'realidade', pais apostam em escolas públicas

Insatisfação e 'realidade' levam pais a apostarem em escolas públicas

7 mai 2011 - 09h01
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Na contramão do movimento da nova classe média em direção ao ensino particular - pesquisa do Ibope indica que neste ano deverão ser gastos R$ 43 bilhões em matrículas e mensalidades escolares no Brasil -, há um grupo de pais que, embora possam pagar, apostam no ensino público como forma de criar os filhos mais próximos da realidade brasileira.

Um exemplo deste movimento é a terapeuta reiki Débora Bueno, 36 anos. Ela conta que passeava com o filho, na época com 3 anos, quando o menino, ao ver um homem negro na rua, ficou espantado e perguntou por que ele havia pintado o rosto. Naquele momento, Débora percebeu que todos os colegas e funcionários da creche particular que o garoto frequentava eram brancos.

Com o objetivo de proporcionar um ambiente mais diverso, a criança, agora com 4 anos, estuda na Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima, em São Paulo. "Na escola pública, ele convive com todos os tipos de estudante, inclusive pessoas com deficiência", afirma.

A insatisfação em relação ao ensino privado também contou para a mudança de colégio. "Eu sentia que tudo lá era feito para agradar os pais", lembra. Além disso, Débora acredita que a pressão das famílias por um ensino mais tradicional fazia a escola particular se afastar da sua proposta inicial, o construtivismo, uma linha pedagógica que prioriza os conhecimentos que o aluno traz consigo.

"As pessoas querem ver os seus filhos lendo, escrevendo e falando inglês. Eu quero que primeiro eles brinquem muito, e só depois aprendam alguma coisa", opina Débora, que em 2012 pretende matricular a filha de 3 anos também no ensino público e não pensa em tirá-los dessa escola nem depois do período de alfabetização.

Apesar da sua convicção nos benefícios da escola pública, Débora só criou coragem para fazer a mudança quando leu o blog de Vanessa Cabral, 38 anos, chamado Escola pública não é de graça. "Eu tinha medo, mas aí comecei a ler os posts e fui mudando de ideia", afirma a terapeuta.

Ao notar o desconhecimento geral da classe média em relação ao ensino público, Vanessa, que é jornalista e casada com um fotógrafo, resolveu fazer um blog quando matriculou os dois filhos, Arthur, na época com 10 anos, e Ian, com 8 anos, na Escola Estadual Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, em 2010. "A ideia era fazer um acompanhamento dessa experiência, porque a gente fala que o ensino público é ruim, mas nem conhece direito", diz.

Ensino de qualidade

A postura de Vanessa e de Débora vão contra a maré que busca educação de qualidade a qualquer custo. Para Gualtiero Piccoli, mestre em educação corporativa e fundador da associação socioeducacional Horizontes, priorizar o ensino público não é uma tendência no Brasil por diversas razões. "Desde a falta de vontade política até o desvio de recurso público, somado ainda à baixa remuneração dos educadores", afirma.

"Quando a infraestutura é boa, a remuneração do educador é baixa, e quando se encontram diretores e pais de escolas motivados, a alternância de poder se encarrega de aniquilar toda uma história de sucesso, com raríssimas exceções", completa o especialista.

Mesmo diante de um cenário desanimador, Vanessa acredita que pais atuantes podem contribuir muito para a qualidade das escolas públicas. "Ter pais participativos, independentemente da classe social, é um dos maiores ativos de uma escola. Quando o diretor, coordenador e professores sabem que os pais participam, a preocupação é outra", concorda Gualtiero Piccoli.

O nome do blog de Vanessa, Escola pública não é de graça, surgiu por causa da ideia de que, por ser público, ninguém está pagando por esse serviço. "Há um mito de que, se os pais pagam, podem cobrar, o que é um conceito distorcido, porque o ensino público é pago. É pago com os nossos impostos", afirma. Um ano depois da criação do site, o saldo é positivo.

O estereótipo de educadores e alunos desinteressados felizmente não se cumpriu na experiência dos filhos de Vanessa. "As professoras dos meus filhos eram preparadas e tinham muito domínio da turma", afirma. "Várias pessoas vieram me dizer que não colocavam os filhos no ensino público por medo, e outros que precisavam colocá-los por necessidade, mas não o faziam por vergonha", lamenta.

A distorção do papel da escola também foi percebida por Roberta Lêdo,33 anos, em Porto Alegre (RS). Com um filho de 15 anos, Pedro, estudando sempre em colégio particular, há tempos ela se sentia insatisfeita com aquele ambiente que, segundo ela, não oferecia um grande diferencial do ensino público. "Por ser uma escola paga, a diretora deixa de ser educadora para se tornar uma empresária", lamenta.

Assim, as famílias eram tratadas como clientes e, portanto, não deveriam ser perturbadas. "Nem sempre chamavam os pais dos alunos quando necessário, porque corriam o risco de perder a clientela¿, diz. Segundo Roberta, o colégio só se preocupou em chamá-la para discutir uma nota baixa em matemática de Pedro no final do ano. "Queriam garantir a matrícula do Pedro no Ensino Médio", acredita.

Desde março estudando na Escola Estadual Florinda Tubino Sampaio, o adolescente gasta o dinheiro da antiga mensalidade em aulas de italiano, de inglês, de teatro e de natação.

Roberta tem conhecimento de causa para falar sobre o tema, já que ela mesma é professora de artes de uma escola pública na capital gaúcha. Então, apesar da pressão familiar para simplesmente mudar o adolescente para outro colégio particular, ela escolheu matriculá-lo na escola estadual. "Claro que ali seria um ambiente diferente, com recursos diferentes. Mas se o aluno busca mais conhecimento, essas coisas não importam tanto", afirma.

Pesquisar escolas

Uma questão importante na hora de buscar a escola pública ideal é buscar referências de outras mães, visitar os lugares e ver o que já saiu na imprensa sobre os colégios. "Não coloquei meus filhos em qualquer uma. Pesquisei duas ou três e fui várias vezes ao local. Também esperei eles serem maiores para fazer a mudança em uma idade em que eles poderiam me contar o que acontece nas aulas", diz Vanessa.

Em 2011, a jornalista matriculou os filhos para um colégio construtivista em São Paulo, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima. "Vi reportagens com a diretora, já que é uma escola bastante citada na imprensa, fui lá conhecer e achei interessante a ideia", recorda. Apesar da boa fama da Amorim, sobravam vagas nas turmas. "Esse é outro mito, de que sempre faltam vagas. Quando a escola está em um bairro de classe média ou alta, não há tanta concorrência".

O momento da mudança pode ser tenso para a criança, que vai enfrentar uma outra realidade, como dos pais, que inevitavelmente se perguntam se fizeram a escolha certa. "Fiquei muito apreensiva de ter tomado a decisão errada. Porém, no final do primeiro dia, ele voltou muito feliz e me abraçou forte. Ali vi que estava tudo bem", diz Débora.

O choque de realidade aparece nas brincadeiras. "Os alunos comentam muito sobre polícia e sobre ladrão", lembra Débora, mas a mãe julga que, desde que tudo possa ser conversado com o filho depois, esses papos não são vistos como algo ruim. "Essa é mesmo a realidade brasileira", afirma.

Vanessa também teve que lidar com o uso de palavrões, mas conversar a respeito com os filhos foi o suficiente. Um ano depois, a blogueira já nota que a diversidade trouxe maturidade aos pequenos. "Pedro e Ian ficaram mais independentes, mais centrados na realidade", orgulha-se.

Arthur e Ian estudam na Escola Estadual Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo
Arthur e Ian estudam na Escola Estadual Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo
Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação
Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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