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Nosso povo estuda mesmo com fome, diz haitiano que faz mestrado no RS

26 abr 2013 - 07h58
(atualizado às 07h58)
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O haitiano Alix Georges, 31 anos, cursa mestrado em administração na UFRGS
O haitiano Alix Georges, 31 anos, cursa mestrado em administração na UFRGS
Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação

Alix Georges, 31 anos, foi o único entre cinco irmãos a concluir o colégio. Natural de Marchand-Dessalines, no Haiti, o jovem traçou uma trajetória pouco comum em seu país, e hoje cursa mestrado na Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). De acordo com dados do Instituto Haitiano de Estatística e de Informática (IHSI, na sigla em francês) o nível universitário no país chega a apenas 1,4% entre homens e 0,7% entre as mulheres.

Os números, no entanto, não correspondem à paixão dos haitianos pelo ensino. "Nosso povo gosta muito de estudar. Haitiano estuda mesmo com fome e com poucos recursos", descreve Georges. De acordo com o documento Por um pacto nacional sobre a educação no Haiti - Um relatório ao Presidente da República do Grupo de trabalho sobre a educação e a formação, obtido pela Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (Clade), 76% da população local vive com menos de US$ 2 por dia, e o gasto familiar anual com a educação de cada filho é de US$ 156 no ensino primário e de US$ 350 no secundário. Isso significa que, se uma pessoa sustenta a família, para educar apenas um filho teria de investir 21,3% ou 47,9%, respectivamente, da renda anual.

A vontade de aprender da população foi um dos aspectos que mais chamou a atenção de Alyson Montrezol, professor dos cursos de publicidade e propaganda e cinema e audiovisual do Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte), em Santos (SP). O docente esteve no país em fevereiro deste ano para filmar um documentário em parceria com a Clade, ainda sem data de lançamento.

"Mesmo sem infraestrutura, os haitianos que estão nas escolas têm uma postura bonita em relação ao ensino, se arrumam muito para estudar, o que ilustra o valor que dão a isso. Eles têm uma vontade enorme de aprender, mas muitas vezes as condições não permitem", comenta Montrezol. Durante a permanência em Porto Príncipe, capital do país, a equipe do documentário percorreu escolas e conversou com autoridades, militantes da educação e alunos.

Para o professor, um dos momentos mais marcantes foi visitar uma turma de ensino para jovens e adultos. “O empenho em começar a ler e escrever de pessoas já com certa idade foi emocionante. Eram pessoas marcadas pelo sofrimento que, com muito orgulho, conseguiram escrever seu nome no quadro-negro", descreve. Além do documentário, a Phanton Films, produtora de Montrezol, tem outro projeto no Haiti: um filme que pretende mostrar, por meio de histórias de vida, como a população local tenta se recuperar do terremoto que atingiu o país em janeiro de 2010 e vitimou mais de 300 mil pessoas.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) aponta que, após o terremoto, 15 mil escolas primárias e 1,5 mil secundárias foram destruídas ou danificadas, e das três universidades em Porto Príncipe restaram praticamente destroços. "Quando estive lá, o Haiti estava devastado, e havia muita dificuldade para reconstruir o país, e isto inclui o sistema de educação", relata o professor do Departamento de Arquitetura da Universidade Estadual de Londrina (UEL) , que foi voluntário no Haiti após o desastre.

Maioria das escolas haitianas é privada

Em 2006, Georges recebeu uma bolsa integral para cursar a graduação em administração no Centro Universitário Metodista (IPA), em Porto Alegre. Ele explica que, em seu país, o diploma estrangeiro é bastante valorizado, mas que não há muitas oportunidades no ensino superior.

Até 2005, o jovem estudou no Haiti, onde cursou os cinco primeiros anos em um colégio público. Depois disso, Georges teve oportunidade de ir para uma instituição particular, graças a um primo que virou pastor e foi direcionado a uma igreja dona de uma escola, em que o jovem obteve uma bolsa integral.

Mas nem todos têm a mesma sorte. De acordo com a Biblioteca do Congresso Americano, a maior parte das escolas haitianas são privadas, e instituições internacionais ou gerenciadas pela igreja educam 90% dos estudantes. Além disso, são poucas as escolas privadas que recebem apoio financeiro do governo. Entre os objetivos da Clade para o Haiti, está que o Estado garanta educação pública e gratuita em todos os níveis: inicial (primeira infância), primária obrigatória, secundária, superior e educação de pessoas jovens e adultas. Além disso, a campanha pede que o governo assuma "um papel regulador e de supervisão efetiva do sistema educativo, inclusive no que se refere à educação privada".

Georges acredita que, apesar de possuir menos infraestrutura, o ensino público no país é mais exigente, e que o sistema de aprendizagem dos estudantes acaba sendo diferente. "Quando a escola é paga, os professores te dão mais atenção. Mas quando é pública, os alunos se ensinam entre eles, se ajudam, e o professor é como um guia", opina. Para ele, quem cursa escolas públicas se acostuma com a competitividade e se torna mais preparado para o ensino superior.

O jovem conta ainda que a educação é considerada causa nobre no Haiti: quando alguém tem oportunidade de estudar, todos querem ajudar. Georges está no segundo ano do mestrado e deve defender sua dissertação sobre o desenvolvimento rural no Haiti no início de 2014. Depois disso, pretende retornar a seu país e abrir uma agência de recursos humanos. "O Haiti precisa mais da minha formação do que o Brasil", afirma.

Natural de Porto Príncipe, capital haitiana, Paul André, 30 anos, também deseja voltar ao país. Aluno da engenharia civil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ele veio para o Brasil em agosto de 2011, por meio do Programa Emergencial Pró-Haiti em Educação Superior, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, para concluir a graduação.

A Universidade Americana de Ciências Modernas do Haiti, onde estudava, foi destruída no terremoto de 2010. No Brasil, o jovem já desenvolve um projeto para tentar amenizar as perdas pelas quais a população passou após o desastre. Ele integra a Fundação Tocha para a Infância (Fofe, na sigla em francês), que busca recursos para a construção de escolas no Haiti por meio do site www.fofe.e-monsite.com ou pela página www.facebook.com/fofehaiti.

Quanto à educação em seu país, o jovem não acredita que a situação seja diferente de outros lugares. "É difícil achar um país em que a escola seja acessível a todos, e lá é a mesma coisa. Há pessoas que não chegam ao colégio, mas muitos conseguem", afirma, destacando que seus três irmãos fizeram faculdade no Haiti.

Chrislyn Bastien Joseph, 28 anos, também veio para o Brasil em agosto de 2011, após o terremoto destruir a instituição onde estudava. Nascido em Cabo Haitiano, o jovem hoje cursa engenharia de produção na UFRGS. Em 2006, ele passou no vestibular para uma universidade pública, mas, na mesma época, havia feito um concurso em uma ONG, da qual conseguiu uma bolsa para estudar em qualquer universidade particular. Decidiu, então, realizar o sonho de ir para a Universidade Quisqueya, com tudo pago, incluindo moradia e material acadêmico. Os irmãos do jovem também seguem uma trajetória acadêmica - a menina, de 15 anos, está no colégio, um dos irmãos concluiu o ensino técnico no Haiti e o outro está no Brasil estudando português e deve ingressar em breve em um curso de administração.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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