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Manifesto popular pede mudanças na educação brasileira

Abaixo-assinado deve ser entregue ao ministro da Educação nesta terça, dia 19 de novembro

18 nov 2013 - 07h32
(atualizado às 07h32)
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Cadeiras enfileiradas em frente ao professor que fala por 50 minutos sem parar. O cenário comum às salas de aula brasileiras já não é mais tão bem aceito por alguns educadores, tampouco pelos alunos. A escola de hoje segue um modelo do século 19, diz Ely Paschoalick. Ela é uma das muitas pessoas insatisfeitas com a educação nacional que resolveram desenvolver o Terceiro Manifesto pela Educação – "Mudar a Escola, Melhorar a Educação: Transformar um País". A iniciativa lista 19 indicativos de qualidade considerados necessários para se chegar a uma mudança escolar.

"É um manifesto que tem como proposta mudar os paradigmas da escola que está posta no Brasil", diz Ely. Esta é a terceira tentativa de reformulação do sistema escolar através de um manifesto. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova está na gaveta há 81 anos; o segundo, de 1959, intitulado Manifesto dos Educadores, teve grande apoio de intelectuais, mas também não foi posto em prática. O atual projeto surge on-line, com uma petição no Avaaz (plataforma que possibilita a criação de abaixo-assinados pela internet), correndo com listas físicas para coleta de assinaturas.

O manifesto indica, por meio de estatísticas oficiais, que a situação da educação brasileira está aquém da desejada. Um relatório da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), de 2010, levantou que R$ 56 bilhões foram desperdiçados por más políticas públicas no setor. Entre os 100 países com melhor Índice de Desenvolvimento Humano do mundo, o Brasil é o terceiro com maior taxa de abandono escolar: 3 milhões de jovens deixam os estudos anualmente e 47% dos universitários desistem no meio do curso.

"O sistema é ultrapassado e tenta perdurar. Não tem mais sentido científico nem legal", afirma Ely. A divisão etária é um dos pontos considerados antiquados pela educadora. Segundo ela, a separação das crianças pela idade no momento de entrada na escola vem da década de 1930. A medida era necessária para limitar as vagas públicas, devido à grande procura e à pequena oferta. O Estatuto da Criança e do Adolescente tornou obrigatório o oferecimento dessas vagas a crianças e adolescentes e hoje raramente elas faltam, afirma Ely. "O corte etário não é científico. Qual a diferença da criança que nasceu em 30 de maio e 1º de junho? Isso era somente um instrumento para diminuir a quantidade de vagas, assim como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é um instrumento para diminuir a quantidade de vagas na universidade".

Os períodos de 50 minutos nos quais as aulas são divididas remetem a um período ainda mais distante: são herança da divisão precisa de tempo imposta pela Revolução Industrial. Já do século 19, vem uma divisão cartesiana das disciplinas, que enfraquece o diálogo entre uma disciplina e outra. A consequência, aponta Ely, é a dificuldade no aprendizado. As aulas frontais, com o professor de frente para os alunos, falando ininterruptamente, desestimulam os jovens: apenas 30% da população tem condição de apreensão somente por estímulo oral, afirma.

Para superar este obstáculo, o manifesto ressalta a necessidade de se criar uma experiência sinestésica (que estimule outros sentidos) e um maior vínculo afetivo. "O aprendizado passa por um vínculo afetivo, que só acontece hoje se houver hora-extra com o aluno. O estudante não pode exercer a cidadania dentro da escola, não se relaciona com colegas e professores, não relaciona uma matéria com a outra. Nós propomos uma mudança efetiva nesse comportamento passivo". Para isso, a grande aposta é a implantação de comunidades de aprendizagem, que pretendem "derrubar muros" e tirar o aluno de sala de aula, levando-o, com o professor, a um contato direto com a comunidade – o modelo é diferente do conceito formal de comunidades de aprendizagem criado pela Universidade de Barcelona e implementado pelo núcleo da Universidade Federal de São Carlos, que busca, além da interação com o entorno, resultados escolares comprovados cientificamente.

A realidade do século 21, com jovens ansiosos por saber de tudo com velocidade, parece não ter sido absorvida pelas políticas de educação. "O atual sistema é um bolo com massa e recheios podres e um lindo glacê branco por cima. Aí vem um sistema de governo e troca o glacê, vem o outro e põe um moranguinho. Nenhum mexeu na massa, como queremos", acredita Ely.

Origem do manifesto

Desde 2008, um grupo chamado Românticos Conspiradores se reúne pela internet para discutir ideias para uma educação democrática. Há um ano, eles começaram a pensar o manifesto, mas, nos últimos cinco meses, a entrada de um grande número de educadores, pais e interessados pela educação em geral impulsionou a elaboração do projeto. O manifesto é público, ressalta Ely, foram quase 200 pessoas contribuindo na produção – entre elas educadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Brasília (UnB) e de outras instituições de Sul a Norte do País. Entre os redatores, está o português José Pacheco, criador da revolucionária Escola da Ponte, e uma das inspirações para o grupo.

Desta vez, diferentemente dos outros dois manifestos, a esperança de efetivação das mudanças reside na democracia. Enquanto o manifesto de 1932 foi redigido durante a Era Vargas, o de 1959 foi proposto em pleno Regime Militar. Outro fator que pode contribuir para a implantação das reformas defendidas é que as estratégias propostas estão dentro da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), criada em 1961 e reformulada em 1996.

Nesta terça, dia 19 de novembro, em Brasília, durante a abertura da Conferência Nacional de Alternativas para uma Nova Educação, o manifesto deve ser entregue ao Ministro da Educação, Aloizio Mercadante. Ao mesmo tempo, em diversas outras cidades, as Câmaras Municipais receberão cópias. A partir daí, o grupo pretende, em um ano, traduzir o manifesto em três idiomas e divulgá-lo mundialmente.

Manifestos engavetados

Com o apoio de 27 intelectuais como Cecília Meireles e Anísio Teixeira, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova propunha já em 1932 uma escola pública, obrigatória, laica e gratuita, para além dos limites da classe social. Além disso, enfatizava a necessidade de uma formação qualificada dos professores. Já o Manifesto dos Educadores: Mais uma Vez Convocados, escrito em 1959, contou com a assinatura de 161 nomes – entre eles Florestan Fernandes, Sérgio Buarque de Holanda, Nelson Werneck Sodré e Fernando Henrique Cardoso. Nele, os princípios da educação nova foram ressaltados, e a bandeira da educação como bem público e dever do Estado voltou a ser levantada.

Saiba mais

– Texto completo do Manifesto pela Educação

Abaixo-assinado do movimento

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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