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Guerra: o Império da Vingança

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Voltaire Schilling

Apesar das fortes restrições morais feitas por Jesus Cristo contra a prática da vingança, se desconhece algum estado cristão que tenha perdoado algum inimigo em caso de ataque. Todos, sem exceção, tratam de ensarilhar as armas e dar caça ao agressor, deixando-se levar pelo universal desejo de desforra. O que a história tem demonstrado é que nunca Bellona, a deusa romana da guerra, recua nos seus intentos de revanche.

É desconhecido algum estado cristão que tenha perdoado um inimigo
É desconhecido algum estado cristão que tenha perdoado um inimigo
Foto: Voltaire Schilling / Reprodução

Cristo contra a vendetta
"... mas de ruins princípios, é sabido, jamais bons resultados tem saído"

Shakespeare - A tragédia do rei Ricardo II, Ato II, 1595-6.

Em meio aos duros tempos da ocupação romana da Palestina (I a.C - II d.C.) a Revolução da Cruz, liderada por Jesus Cristo, propôs uma radical mudança ética: o inimigo, o que atormenta e oprime, deveria ser amado e não mais odiado. Foi um esforço do Nazareno em banir o terrível costume da vendetta, prática tão comum na bacia do Mediterrâneo que obrigava a vítima, ou um parente dela, a reagir pela exposição do sangue do ofensor.

Intentou ele estabelecer um patamar elevado entre os homens - ainda que utópico - para contornar a rotina da brutalidade. Estancar um ciclo sem fim de crimes seguidos de represálias, recomendado ao ofendido, ainda pensando seus ferimentos, perdoar o seu agressor.

Não houve na história do Ocidente, e isto é seguro, propósito do Evangelho mais desrespeitado e desconsiderado do que este, visto que a vingança sempre foi muito popular. Mostra a história, que a represália é um dos instintos humanos mais incontrolável que se conhece.

A vez de o humilhado ir à forra
Quem é humilhado não vira tolerante. Ao contrário, quer descarregar num outro, de preferência mais fraco, o que acabou de padecer nas mãos de um agressor. Os alemães, por exemplo, indignados pelas condições impostas pelo Tratado de Versalhes de 1919, e mais ainda pelas exigências absurdas das indenizações de guerra fixadas pelos vencedores de 1918 (o que causou a mais violenta inflação ocorrida numa sociedade industrial moderna que se tem conhecimento, o débâcle do marco de 1923), viram na oratória chauvinista e belicista de um ex-combatente chamado Adolf Hitler, líder do partido nacional-socialista, a possibilidade de vir a executar a grande revanche.

Com os franceses não se deu muito diferente (ainda que em menor proporção). Tendo a pátria ocupada por quatro anos pelas tropas nazistas (1940-44), envergonhados com a fraca resistência que opuseram ao invasor, logo que se viram livres dos generais nazistas, não tiveram nenhum remorso em terminada a guerra na Europa, ir reprimir os vietnamitas (1945-1954) e, em seguida, os argelinos, insurgidos contra eles (1956-1961). Usaram então as mesmas práticas de torturas e espancamentos que tanto lamentaram terem sofrido antes, nas mãos da Gestapo. Descontaram nos colonizados as aflições que sofreram nas mãos dos alemães.

Vingando-se do Japão
Porque Harry Truman, o presidente dos Estados Unidos em 1945, tendo plena consciência dos devastadores efeitos, deu a ordem para lançar duas bombas atômicas sobre a população civil japonesa? O Japão, por acaso, já não estava nas últimas, prostrado, sem marinha e sem aviação? Vingança! Nada senão vingança. Carregava Truman dentro de si a amargura, comum a todos os norte-americanos naquela ocasião, pelo ultraje causado pelo ataque à base de Pearl Harbor, destruída de surpresa pela esquadra de Tojo em 8 de dezembro de 1941. A taça da vingança americana somente secou com o calor dos artefatos que incineraram o povo de Hiroxima e Nagasaki.

Sente-se que idêntica circunstância de psicologia coletiva deu-se agora com a reeleição do presidente George W. Bush. Mesmo sabendo que o republicano mentiu para eles e para o mundo (ainda que a administração Bush tenha exposto os Estados Unidos ao vexame universal revelado pelas fotografias da prisão de Abu Ghraib, em Bagdá, e que até agora, com o bombardeio e ocupação do Iraque já tenha vitimado uns 100 mil iraquianos), foi consagrado com a maior votação popular da história eleitoral do país: quase 60 milhões de votos. Para as multidões norte-americanas George W. Bush é o reparador do Onze de Setembro, a desforra das Torres Gêmeas. A destruição das cidades do Iraque e de outras que ainda virão, é a nova Hiroxima dos norte-americanos.

Poderia, afinal, ser diferente? Se os civilizados descendentes de Goethe e de Beethoven, se os herdeiros de Victor Hugo e do doutor Pasteur, povos com sólida cultura humanista, quando em crise, não resistiram ao chamado primitivo das Erínias - as fúrias postas a serviço da retaliação -, como seria possível esperar que esta pobre gente do Ohio, do Oklahoma, do Missouri, do Alabama ou das Carolinas, berço da Ku Klux Klan, beatos que acreditam que Charles Darwin foi um agente do demônio, poderia reagir de outra forma? Como votariam diferente do que votaram? É o eleitorado que anda com a Bíblia nas mãos quem mais deseja ver o sangue esguichar, são eles os maiores entusiastas do Império da Vingança.

Fonte: Redação Terra
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