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A Idade do Dinheiro e do Consumo

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Voltaire Schilling

O mundo vive nestes últimos decênios numa era crescente de Materialismo e Consumismo, onde o bem-estar atingido em parte considerável do globo tem sido atribuído ao sucesso da sociedade de mercado. Regida pelo capitalismo turbinado que percorre o planeta como um cometa celestial anunciando a chegada da prosperidade, milhões de indivíduos em todos os continentes têm sido integrados ao consumo e às regras impostas pelo dinheiro.

A arte de vender parece ter superado qualquer outro tipo de engenho humano
A arte de vender parece ter superado qualquer outro tipo de engenho humano
Foto: Reprodução

A mercantilização de tudo
"Ouro, precioso ouro, amarelo e brilhante!
Um pouco dele fará dos pretos, brancos;
dos tolos sábios; Do mal, bem, do vil ,nobre
do velho, jovem, do covarde, valente..."

Shakespeare - Timão de Atenas -

A importância de um filme é medida hoje pelo custo da sua produção e pelo volume das bilheterias. O sucesso de um indivíduo com talento artístico ou no campo dos esportes é balizado pelos patrocínios publicitários que ele recebe. Os clubes mais competitivos ostentam em suas camisetas seus financiadores e mesmo gente comum se presta voluntariamente para anunciar no peito, impressos em suas camisas e blusões, publicidades de empresas e artigos diversos. Tornam-se, gratuitamente, cartazes e pôsteres ambulantes.

As artes plásticas, atoladas num hermetismo cada vez mais abstrato e incompreensível, subsistem apenas como linha auxiliar da propaganda e a arte de vender. Esta, escondida atrás da palavra merchandising, parece ter superado todo e qualquer outro tipo de engenho humano inventado antes.

Enquanto isso os clássicos da pintura e da escultura têm sua dimensão estabelecida pelo valor com que são arrematados nos leilões: um Rembrandt, um Van Gogh ou um Monet são respeitados porque valem milhões. A hora do especulador, com as cotações das bolsas de valores, tem lugar garantido em todos os noticiosos. Definitivamente o mundo todo virou num imenso teatro de compra e venda.

O deus é Mammon
Se algum dia alguém der prosseguimento naquela conhecida classificação que dividia a evolução da humanidade em Idade do Bronze, Idade do Ferro, terá que convir que definitivamente nós vivemos na Idade do Dinheiro, tendo Mammon, o deus pagão da riqueza, como sua divindade inconfessa. Cabe aos intelectuais engajados reconhecerem o fracasso, seu e de todos aqueles que os antecederam em verberarem contra o consumo e o predomínio do dinheiro.

Durante séculos eles, como se fosse sacerdotes seculares, mobilizaram-se, em tempos diversos, para denunciar os perigos do mundo mercantilizado, onde tudo correria ao som do vil tilintar das moedas. Entre os pensadores clássicos, Aristóteles, por exemplo, na sua classificação das formas de viver exposta na Ética de Nicômaco, chegou a considerar o negócio como uma atividade indigna do ser humano. Quem se dedicava a ele "é um homem que está fora da natureza".

Posição essa que não foi diferente dos grandes nomes da patrística e da teologia cristã, como São João Crisóstomo, Santo Agostinho ou São Tomás de Aquino, que viam na usura, "a ganância sem causa", praticada pelos mercadores, uma atividade vil, tanto que é que Jesus expulsou do templo tal tipo de gente. Numa famosa passagem dos Evangelhos, Jesus chegou a opor o dinheiro a Deus, dizendo: "Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há-de odiar um e amar o outro, ou vai dedicar-se a um e desprezar o outro - Não podeis servir a Deus e a Mamon!"

Entre os cristãos a atividade mercantil somente era justificada se fosse acompanhada por um ato de caridade. O comércio seja ele qual for para o cristianismo sempre "encerra certa torpeza".

Sem Palácios de Cristal
Não só eles. Quem ao longo da História não imprecou contra o poder do dinheiro, quem não lançou em algum momento da vida pragas e maldições contra o pérfido metal? Os anarquistas do século passado, os militantes socialistas e os pensadores marxistas foram talvez a última e inútil insurgência contra o total predomínio do mundo argentário, contra a sociedade de mercado.

Certamente que o comportamento da humanidade decepcionou os reformadores sociais e os teólogos em vista do que terminou por se impor. Ao contrário dos idealistas que planejavam para as massas Palácios de Cristal, mundos perfeitos onde a miséria desapareceria e a igualdade total finalmente seria alcançada, elas universalmente, as multidões mostraram-se apenas interessadas no seu bem-estar material mais comezinho, despido da grandiloquência do messianismo político e dos ideiais superiores da igualdade e da fraternidade.

E, para alcançar um bom padrão de vida entenderam que a melhor forma de melhorar a sua existência era exatamente pela promoção das relações mercantis, em transformar tudo num imenso armazém, em deixar-se arrastar pela simples lógica do dinheiro e pela liberdade que sua posse trás.

Pelo que se pode observar até agora - e o engajamento dos chineses comunistas está ai para provar - a adesão ao mundo do consumo não tem provocado nenhuma infelicidade coletiva como muitos pensadores e teólogos imaginavam que certamente ocorreria. Ao contrário, adentra no mundo das compras visivelmente provoca a euforia das multidões.

O choque maior para os intelectuais contestadores e para os sacerdotes inconformados de hoje é de que percebem que o crescente mercantilismo não tornou o homem sorumbático, depressivo - ou ainda se sentido aviltado - como imaginavam que fatalmente iria ocorrer. Facilmente verifica-se em qualquer lugar que as pessoas orgulham-se e se sentem até honradas em se verem consideradas como uma mercadoria, em venderem, caso sejam famosas, a sua imagem para um anúncio publicitário qualquer.

Ficam felicíssimas em serem consideradas alvo desse tipo de atenção e da popularidade daí decorrente.

Tudo isso demonstra o enorme equívoco, a imensa alienação que as melhores cabeças de todos os tempos incorreram ao avaliar romanticamente os reais sentimentos da maioria dos seres humanos. (*)

A vitória do homem comum
E, talvez, a razão da sua vitória deve-se a que a visão mercantilista da vida e das coisas nunca atribuiu aos homens valores superiores, transcendentais. Nunca os viu com olhos de fantasia. Sempre os enxergou como realmente são: um amontoado de pobres diabos carentes de tudo, movidos pelas coisas comezinhas, rasteiras e sem sabor que os cerca no dia-a-dia e que ficam imensamente gratos em poder consumir qualquer coisa, substituído sem grandes culpas a frequência à igreja ou ao templo religioso pelo o shopping - center ou a loja de departamentos. Trocaram a compra das indulgências pelas suaves prestações mensais.

Nunca os ideólogos do mercado creditaram-lhe, ao homem comum, ao homem-massa, algum grande destino redentor ou façanha transformadora do mundo. Nem mesmo acalentaram nele a esperança na imortalidade alcançada possivelmente depois que os compromissos assumidos estivessem quitados. Como igualmente nunca o imaginaram capaz de viver numa sociedade harmônica e solidária, porque nela, provavelmente, morreriam de fastio e tédio .

(*)Diga-se que a triunfante visão negocista que abertamente vigora pelo mundo teve que enfrentar ao longo dos tempos três grandes barreiras ideológicas que se lhe antepuseram ao longo dos séculos: a filosofia clássica com seu preconceito contra o Negócio, a teologia cristã com os anátemas contra a Usura, e o socialismo marxista com sua condenação ao Lucro e ao Capital. Porém, o Mundo do Dinheiro superou a todas elas e as venceu.

Fonte: Redação Terra
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