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Novalis e o romantismo místico

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VOLTAIRE SCHILLING

Em 1992, a pequena comunidade de Wiederstedt no estado da Saxônia-Anhalt, muito orgulhosa com a restauração do castelo de Oberwiederstedt, determinou que se retirasse de um cofre a única tela que se conhece do poeta Novalis, batizado em 1772 como Georg Philipp Friedrich Freiherr von Hardenberg , segundo filho do barão Erasmo de Hardenberg. Com isto inauguraram um museu em homenagem aquele que melhor representou a corrente do romantismo místico na literatura alemã.

Novalis (1778-1801)
Novalis (1778-1801)
Foto: Divulgação

Saindo do ostracismo
Durante os anos em que o regime comunista dominou a Alemanha do Leste, não houve nenhum interesse das autoridades em restabelecer a importância histórica do poeta. E, isto por duas razões: a primeira por ele descender da nobreza saxã e a segunda por ele ter-se distanciado dos ideais progressistas que muitos dos seus colegas escritores e poetas, tais como Schiller e Hölderlin, advogavam desde a eclosão da revolução Francesa de 1789.

Derrubado o regime comunista em 1989, os moradores do lugarejo em que nascera começaram a mobilizar-se para reconstruir o castelo local e fazer dele um espaço para a celebração e lembrança de um dos maiores poetas da língua alemã. A imagem de Novalis então foi retirada do ostracismo para ilustrar o acontecimento. Morto pela tísica em 1801, com apenas 28 anos, voltou ao cenário da literatura nacional.

Restaurando a religião
Das várias tendências que emergiram com o Movimento Romântico do século XVIII, centrado em sonhos, fantasias e muita imaginação, a questão religiosa assumiu foros de prioridade para alguns dos seus integrantes. A crítica que faziam ao crescente império da Razão, fundado pelos iluministas, era de que ele estava destruindo a percepção sagrada das coisas.

A luta pela laicização da sociedade, bandeira de Voltaire, de Diderot, do barão d´Holbach, de Condorcet, e de tantos outros mais, deslocara o centro das preocupações humanas do coração para o cérebro, A Razão triunfante sufocava os Sentimentos. O constante exercício racional eclipsara a importância das emoções, do mesmo modo que afastara cada vez mais a presença de Deus dos destinos humanos. O mundo perdia sua fascinação e se tornava um mero exercício de lógica dominado por interesses utilitários e materialistas.

Daí muitos homens de letras e artistas da época romântica, como deu-se com Novalis ( pseudônimo que ele adotou retirado de um antigo nome da família) num acesso de nostalgia, celebrarem o passado medieval quando, ai sim, no entender deles, as relações eram verdadeiramente humanas e os sentimentos os mais puros possíveis, havendo em tudo um toque de magia, ¿eram tempos belos e brilhantes, quando a Europa era uma terra cristã¿, assegurou ele.

A Revolução de 1789 atuara como as trombetas derrubando os "muros de Jericó" esvaziando o mundo de Deus. E, onde ele não estava mais presente imperavam os "fantasmas"(hoje, diríamos as ideológicas, como o nacionalismo por exemplo). Eles tomaram o lugar daquilo que antes cabia ao sagrado, sendo que a ciência reivindicava aspirar o lugar da religião.

A sociedade, movida por si mesmo como se fora um moinho mecanizado, afastava-se da devoção e das instituições da fé, assim como da dependência da graça. Ela não precisava mais de Deus.

O resgate
Novalis acreditava que o Homem outrora se sentia em total união com a Natureza, mantendo uma comunicação direta com o mundo dos animais e das plantas e demais objetos. Esta estreita ligação entre o humano e o não-humano fora infelizmente rompida ao longo dos tempos. Era preciso, pois, recuperar aquela harmonia perdida. O mesmo se dava no que tangia à História.

Em meio ao avanço da secularização implementada pela Revolução Francesa e pela ascensão de Napoleão como primeiro cônsul, o poeta atreveu-se num ensaio, intitulado Christenheit oder Europa (Cristianismo ou Europa), que fez circular entre seus amigos em 1799, a exaltar a fundação de uma nova igreja universal com o intento de recompor a unidade espiritual que vigia na época do Catolicismo Medieval antes que a Reforma Luterana dividisse a Europa em dois campos hostis.

As esperanças dele centraram-se numa restauração da antiga fé, com toda a sua carga mística e emocional, como o único antídoto a contrapor-se ao avanço do Iluminismo. Nesta utopia retrógada, previu uma Europa Unificada "por uma comunidade universal e espiritual" que desconheceria fronteiras ou nações. O discurso de Novalis chegou a causar constrangimento pelo seu conservadorismo, particularmente entre o poeta Ludwig Tieck e seus colegas da Universidade de Iena, fazendo com que até Goethe fosse invocado como árbitro para dar seguimento ou não a sua publicação.

A rosa azul
Mas as excentricidades de Novalis não se limitaram ao projeto de restaurar os tempos devotos das catedrais e dos mosteiros. Na sua novela Heinrich von Ofterdingen, (incompleta), o personagem principal, o jovem Heirich, na busca pelo sentido da vida, durante um enlevo onírico, sente-se caminhando pelos campos e embrenhando-se pelos rochedos quando se depara numa caverna com uma fantástica Blaue Blume. A flor ou rosa azul, que tem o dom de magnetizar quem a contempla.

Ela sintetiza a perfeição e a raridade. Induz à saudade e a procura do infinito. É o paraíso a ser alcançado pelo herói romântico, espaço sagrado que assume então uma importancia bem maior do que a realidade. Ele persegue incessantemente, em outras paisagens aquele cálice inédito, descendo inclusive em fendas subterrâneas. Não é preciso morrer para ter-se a sensação de estar-se num outro mundo, pois "o mundo se converte em sonho, e o sonho se converte em mundo".

O aqui e o agora já anuncia esta possibilidade de transcendência visto que somos os portadores desta sencilibilidade profética anunciada pela atmosfera dos sonhos.A plenitude divina está ao nosso alcance ainda em vida e a poesia tem a função de mostrar-se como "um instrumento mágico, de transfiguração real do mundo."

A perda da amada
O êxtase com as aparições oníricas, a fuga dele para o indeterminado, certamente foi provocado pela terrivel perda da sua noiva, a jovem Sofia von Kühn, devorada precocemente pela tísica aos 15 anos. O mesmo mal que ele padeceu e o fez morrer aos 28 anos.

"Desde então eu já não sou daqui", teria escrito ele depois de saber do diagnóstico, ao tempo em que visitava seguidamente a tumba da amada desaparecida. Perda que ele lamneta dolorosamente no seu poema Hymnen an die nacht ( Hinos da Noite) publicado em 1800. Num acesso depressivo cehgou a dizer que "o verdadeiro ato filosófico era o suicidio, tal é o centro real de toda a filosofia...o que sinto por Sofia é religião não amor..,"

A um amigo confessou:

"Se até agora eu vivi no presente e na esperança da felicidade terrena de agora em diante deverei viver inteiramente no verdadeiro porvir, na fé em Deus e na imortalidade; será muito duro separar-me deste mundo, que era para mim objeto de amoroso estudo; as recaídas me provocarão não poucos acessos de pânico. Mas sei que há no homem uma força que, rodeada de cuidados especiais, pode frutificar numa estranha energia."

Adotada com um simbolo do romantismo, a busca pela inatingível rosa azul passou a ser uma espécie de Santo Graal, de calice sagrado para os cavaleiros da letras, pois viam nela a possibilidade de encontrar-se o amor perfeito e o estado de espirito ideal.

Bibliografia
Béguin, Albert - El alma romântica y el sueño. México:Fondo de Cultura Econômico,1992.
Fischer, Ernst - A necessidade da arte. Rio de Janeiro:Editora Zahar, 1977.
Safranski, Rudiger - Romantismo, uma questão alemã. São Paulo, Editora Estação Liberdade, 2010.

Fonte: Especial para Terra
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