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A origem da Olimpíada: quando as armas descansavam

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Atenas
Atenas
Foto: Getty Images

Durante 1.170 anos, os gregos e, bem mais tarde, os romanos, reuniram-se no vilarejo de Olímpia para desafiarem-se uns aos outros em todos os tipos de modalidades. A época dos jogos olímpicos era considerada sagrada, jurando todos obedecerem a uma trégua. Era o momento em que as armas descansavam, mas as pernas, mãos e músculos, se mexiam. O poeta Píndaro, morto provavelmente no ano de 438 a.C., foi um dos mais celebrados cantores dos feitos daquela época.

Um soberano do verso

O poeta era um assombro. Andava pelas cortes de reis e de tiranos gregos como se fosse um deles. De fato, Píndaro sentia-se também um soberano, era um dos grandes, um perito dos versos. Foi uma raridade, um homem de letras financeiramente bem sucedido. Dizem que tuteava os monarcas da Sicília ou da Grécia a quem, por vezes, dizia coisas que ninguém ousaria sequer pronunciar.

Nascido em Tebas, provavelmente em 522 a.C., arrastava sua lira para todos os lugares da Hélade. Ainda que, num momento de derrotismo, chegou a pregar a rendição para os persas (quando, em 480 a.C. as força de Xerxes invadiram a Hélade), ele não deixou de ser bem acolhido. Píndaro, um ultraconservador, um aristocrata, talvez imaginasse que o domínio estrangeiro de um imperador asiático pusesse fim ao domínio que as plebeias democracias exerciam sobre as cidades-estados da sua época.

As três graças de um homem

Mas não eram os tronos, nem as cortes, muito menos a política o que mais o fascinava. Acima de tudo, Píndaro amava era o agón, a luta, a competição, ir assistir os jogos esportivos. Caminhando pelas palestras onde os atletas se preparavam para as provas, e misturando-se a eles nos ginásios onde os exercícios se davam - escutando ao fundo os relinchos nervosos dos cavalos de corrida -, é que ele sentia-se em casa.

Para ele, um homem, em sua vida, podia ser atingido por uma das três graças: ser poeta, ser bonito ou vencer uma corrida. Ver aquelas máquinas musculares em ação, besuntadas em óleos e em essências, competindo, se distendendo, dando o máximo de si, era, para ele, um abençoado pela lira de Orfeu, testemunhar um dos momentos mais sublimes da existência humana.

A vitória olímpica é a melhor

Quando Agláia, a graça da glória, fazia com que um dos atletas vencesse, nada mais importava para ele no restante da sua vida. Ali, ainda arfando, suando, erguendo no pódio a testa ornada com a coroa dos ramos da oliveira, o homem chegava ao seu êxtase máximo. Alcançava os céus. Sentiam-se como os deuses deviam sentir-se no Olimpo. Ele mesmo transformava-se num deus!

Que interessavam afinal as guerras? Se valor nelas houvesse, porque tantos gritos, tanto sangue, tanto pavor nos olhos dos combatentes, e tão lúgubre o manto da morte que cobria os caídos.

Não! A vitória em Olímpia (ou nos outros jogos disputados em Delfos, em Nemea e Corinto, também chamados de ístmicos) ofuscava tudo o mais. Era no momento de bem-aventurança do atleta que Píndaro era atingido pelo "transe anímico", provocado por Eufrósina, a graça da sabedoria poética. A musa enviava-lhe sinais, palavras soltas aqui e ali como gotas, imagens que apareciam e sumiam no mesmo instante, por vezes ao dia, outras, na calada da noite. Repentinamente aquele turbilhão começava a tomar forma. Intuía o próprio som da harpa que sempre o acompanhava e que estranhamente inundava o ambiente com sua presença mágica. O transe então amansava, o encanto se fora - o poema estava pronto. Um deles dizia:

As exigências de Zeus

Recomposto, Píndaro marchava para outro jogo, para outra parte da Grécia, para novos campos do agón, atrás do soberbo combate travado pelos homens, entre si e contra si mesmo, para imortalizá-los nas suas Odes. O herói dele era o imenso Hércules que, segundo dizia uma das tantas lendas, organizara a primeira diaulos, a corrida a curta distância que fizera disputar entres seus cinco irmãos, nos arredores de Olímpia, na Elida peloponésica. Não tardou para que Zeus, vaidoso, exigisse que aqueles super-homens, que tentavam imitá-lo duelando entre si nas provas pedestres ou equestres, erguessem um templo para celebrá-lo. E assim foi feito.

Com o passar dos anos, provavelmente desde que fora registrada a primeira disputa, em 776 a.C., um complexo fantásticos de construções religiosas, palácios e alojamentos, foram erguidos em Olímpia. Para erigir a estátua do supremo todo-poderoso contratou-se ninguém menos do que o divino Fídias. Aprontado o colosso em ouro e marfim, o próprio escultor, embevecido, pediu ao tronitoante que lhe enviasse de imediato um sinal. Lá dos altos, dos mais elevados cimos, contava a lenda, partiu então um raio que esburacou o chão do templo. Até Zeus maravilhou-se com sua própria estátua!

Ser homem é superar-se

Em Olímpia, por doze séculos seguidos, até a supressão dos jogos ordenada em 393 pelo imperador cristão Teodósio (*), os homens rivalizaram-se, exibiram-se, vangloriaram-se, arremedando os deuses na sua interminável busca de glória num festival cósmico, onde o sobrenatural e sobre-humano se congraçaram. Os atletas, na verdade, eram os filhos de Sísifo condenados para sempre a terem que se superar, a fracassarem, a novamente se levantar, e, altivos, tentarem alcançar de algum modo a linha da chegada com decência e honra. Por isso entende-se Nietzsche ter dito pela boca do profeta Zaratustra ser o homem uma ponte e uma corda. Sempre uma ponte a ter que atravessar, a ter que se superar, sempre uma corda a esticar e a romper.

(*) Durante muitos séculos, imperadores romanos fizeram questão de, por vezes, assistirem os jogos olímpicos do Peloponeso, desde 146 a.C., transformada na província romana da Acáia. Nero, por exemplo, dado a ter dons artísticos, em 67-68, fez questão de inscrever-se nas competições de canto, arrebatando vários prêmios frente a adversários arranjados. O motivo dos sacerdotes cristãos pressionarem para o fim dos jogos devia-se não só a eles lembraram o passado pagão, mas também a um problema ideológico mais amplo. A Olimpíada celebrava o corpo e não o espírito, os jogos enalteciam o orgulho do vitorioso e não a humildade e a resignação dos vencidos. É significativo que os jogos só fossem restabelecidos no Ocidente pelas mãos do barão Pierre de Coubertin na época do apogeu do positivismo (1880-1914), no ano de 1896, doutrina cientificista que se opunha ao cristianismo.

Termos olímpicos:

Agon, agonia: Luta, combate, disputa, visão competitiva que a nobreza tinha da existência. Também se entendia como a assembleia do povo que vigiava a lisura dos jogos olímpicos.

Akon, ankyle: dardo, medindo 1,80 m., utilizado para lançamento à distância.

Apene: um carro de corridas puxado por duas mulas.

Apobates, anabates: o condutor que vai armado conduzido a biga e que dela salta para ir correr, por vezes leva junto um companheiro.

Diaulos: uma corrida a pé que obrigava ao atleta dar duas voltas no estádio.

Diskos: o disco lançado à distância pelo discóbolo.

Dolichos: corrida a longa distância.

Embolon: a divisão feita com pedra ou madeira que separava uma pista da outra nas corridas de carruagens.

Ekcheiria: a trégua obrigatória durante a duração dos jogos olímpicos.

Gymnasium: local onde os atletas nus (gymna) faziam os exercícios.

Halter: O halteres, na forma de uma pequena bola, um peso a ser arremessado.

Heraia: corrida feminina realizada em Olímpia em homenagem a deusa Hera.

Herakles (Hércules): herói grego com força extraordinária, encarregado dos doze trabalhos.

Himantes: tira de couro de boi usada para esmurrar.

Himation: um manto.

Hippios: corrida de curta distância.

Hippodrome: local para corridas de cavalos.

Palaestra: local onde os atletas preparavam-se para a competição.

Pankration: luta livre, hoje chamada luta greco-romana.

Pentathlon: competição que envolve cinco modalidades (corrida, salto, dardo, disco e luta), inventada pelo lendário Jasão, o argonauta.

Spondoroforoi: mensageiro que anunciava a trégua e a data dos jogos olímpicos por toda a Grécia.

Stadion: inicialmente uma unidade de medida equivalente a 600 pés (1.800 m) que terminou dando nome ao local das corridas.

Strigil: instrumento para raspar a pele depois do banho, para remover os vestígios da competição na terra e na areia.

Synoris: equivalente a uma biga, carruagem com dois cavalos atrelados.

Tetrippon: carruagem de corridas puxadas por quatro cavalos ou potros.

Theokoleon: residência sacerdotal.

Bibliografia:

Burckhardt, Jacob. Historia de la cultura griega, Barcelona Editorial Ibéria, 1947, 4 vols.

Finley. M.I. The Olympic Games. N.York: Dover Publications, 2005.

Flacelière, Robert. A vida quotidiana dos gregos no século de Péricles, Lisboa, Edições Livros do Brasil, s/d.

Jaeger, Werner. Paidéia. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1995.

Homero. A Ilíada, São Paulo Difel, 1961.

Pausanias. Descrición de la Grécia. Historiadores Griegos. Madri. Ediciones Aguilar, 1969.

Swaddling, Judith. Ancient Olympic Games. Londres: British Museum Press, 2004.

Young, David C. BRIEF HISTORY OF THE OLYMPIC GAMES. Londres : John Wiley Trade, 2004.

Fonte: Especial para Terra
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