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Falta de saneamento prejudica 450 mil alunos no semiárido

12 jun 2014 - 15h44
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Caixa dágua encontrada em uma das visitas feitas a escolas de Pernambuco
Caixa dágua encontrada em uma das visitas feitas a escolas de Pernambuco
Foto: Programa Toda Escola com Água, Banheiro e Cozinha de Qualidade / Divulgação

Escolas com banheiros compartilhados por meninos e meninas. Outras com apenas um buraco no pátio, cercado com palha, onde as crianças precisam levar um baldinho com água para lavar os dejetos. Essa ainda é a realidade de mais de 450 mil crianças que não têm acesso ao saneamento básico na região do semiárido brasileiro, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Entre os problemas que envolvem a educação brasileira, é para esse que o Unicef, em parceria global com a marca Vim, por meio da Unilever, quer chamar a atenção: a importância do acesso à água potável e à rede de esgoto nas escolas, principalmente no semiárido, região que têm maior carência em saneamento básico nas escolas e que engloba nove Estados do Nordeste e o norte de Minas Gerais. A campanha Vim para Unicef, lançada neste ano, quer sensibilizar as esferas públicas e a iniciativa privada para oferecer os serviços de saneamento, considerados como o mínimo de dignidade na hora de estudar: banheiro separados por gênero, estrutura de esgoto e oferta cotidiana de água potável.

Para o coordenador do Programa de Educação e Parcerias do Unicef no Brasil, Marcelo Roberto Garcia Mazzoli, além dos problemas de saúde, a falta de saneamento na escola tem um agravante porque é um equipamento social de aprendizagem coletiva. “Deve ser parte integrante do processo político pedagógico de uma escola trabalhar o tema da água, ensinar como conviver com os recursos naturais. Para isso, é importante que haja saneamento nas escolas, para que a mesma possa servir de referência aos direitos humanos”, explica. No caso dos contextos não ideais, Mazzoli diz que a escola deve servir de inspiração para ensinar às crianças a importância de lutar pelos seus direitos.

Os problemas que a falta de saneamento pode trazer vão desde o abandono escolar até infecções adquiridas pela água, que causam diarreia e vômito. Quando uma menina está aprendendo a se cuidar e não tem um banheiro separado dos meninos, ela pode perder a vontade de ir para a escola. Uma criança doente perde conteúdo ao se ausentar ou, se vai à escola, tem sua concentração prejudicada pelos sintomas. Todas essas situações podem levar ao abandono. E se as infecções forem recorrentes e fortes, podem até causar comprometimento cognitivo.

Banheiro encontrado em uma das escolas visitadas pelo Programa Toda Escola com Água, Banheiro e Cozinha de Qualidade
Banheiro encontrado em uma das escolas visitadas pelo Programa Toda Escola com Água, Banheiro e Cozinha de Qualidade
Foto: Programa Toda Escola com Água, Banheiro e Cozinha de Qualidade / Divulgação

Relação entre saneamento e rendimento escolar

O estudo Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento, divulgado em março deste ano, avaliou a relação entre o acesso ao saneamento e o desempenho escolar e revelou um atraso maior nos estudantes que moram em locais sem coleta de esgoto e água tratada, em comparação com alunos de mesmas condições socioeconômicas. A pesquisa foi realizada pelo Instituto Trata Brasil e pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Ao analisar dados primários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi concluído que, se possibilitado o acesso a água tratada e esgoto, um estudante pode reduzir até 6,8% seu atraso escolar.

O professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) alerta que é preciso estudar mais a relação entre o precário saneamento e o rendimento escolar e o quanto sua falta afeta o desenvolvimento biológico das crianças. “As pessoas que vivem nessas condições são suscetíveis a bactérias, protozoários ou vermes intestinais, que podem causar sucessivas infecções gastrointestinais, levando a mudanças morfológicas e fisiológicas do intestino grosso, prejudicando a absorção de nutrientes do trato digestivo. Configurando o que chamamos de enteropatia ambiental”, explica. Para ter um panorama melhor do déficit biológico em estudantes sujeitos ao problema, por conta da subnutrição pela má absorção de nutrientes, o professor insiste que são necessários mais estudos dirigidos.

No caso do Semiárido, Mazzoli afirma que a solução está na própria região e acredita que falta diálogo entre quem sabe fazer e quem tem recursos para tal. “O próprio sertanejo da região desenvolveu alternativas de conservação de água. Basta olhar para o próprio Semiárido. Acredito que, com boa vontade política, cerca de 85% a 90% das escolas em condições insuficientes de saneamento podem ter sua condição melhorada em um ano. Basta sair do discurso”, afirma.

Para o chefe de campo da Unicef em Belém, Fábio Morais, também é preciso compreender o contexto da região. “A característica do Semiárido é justamente a disponibilidade precária de água. O que não significa inacessibilidade. Mas para isso, é preciso que as pessoas que ali vivem compreendam as condições de clima desse ecossistema e se adequem a elas”. Além disso, Morais aponta a captação de água da chuva como uma saída para o acesso a água limpa, desde que adequadamente administrada, com armazenamento em cisternas, por exemplo. Ele afirma que o segredo é a gestão dessa água. “Precisamos construir uma compreensão de gestão de recursos hídricos. Captação de água da chuva e conhecimento para as famílias de como tratá-la e usá-la respoderiam às demandas para o consumo de água limpa”.

Pernambuco lançará licitação para reforma em oito escolas

Em Pernambuco, diversos setores da administração pública se uniram para iniciar a erradicação do problema do saneamento escolar. Segundo o secretário executivo de Articulação e Projetos Especiais da Secretaria da Criança e da Juventude de Pernambuco, Eduardo Gomes de Figueiredo, o programa Toda Escola com Água, Banheiro e Cozinha de Qualidade irá beneficiar cerca de 50 escolas em condições precárias de saneamento. Dessas, 29 já estão com projetos executivos prontos de acordo com as dificuldades identificadas em visitas feitas desde 2012. Novas cozinhas, novos moldes de banheiro e estruturas de abastecimento de água e de esgoto são exemplos de melhorias que estão nos projetos segundo Figueiredo. 

Ainda segundo o secretário, em 1º de julho deste ano, será realizada licitação para a realização das obras e reformas nas primeiras oito escolas. “Entre os problemas encontrados, infelizmente, estão escolas com canos que despejam os dejetos de esgoto a cerca de 20 metros do próprio prédio, muitas vezes sem fossa sanitária, sem padrões de higiene e proteção ao meio ambiente. Nas cozinhas, encanamentos com vazamentos, instalações mofadas. Escolas com banheiros na área externa, onde muitas vezes a criança utiliza um balde para despejar os dejetos”, relata. “Para solucionar esse problema nas escolas do Semiárido ainda teremos de discutir mais, mas é o primeiro passo: colocar a necessidade dessas intervenções para manter o jovem na escola”, conclui.

O saneamento do Semiárido em números

Segundo dados do Censo Escolar 2012, reunidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e repassados para o Terra pela Unicef, existiam 46.641 escolas municipais e estaduais no Semiárido, que no total beneficiavam 7,8 milhões de crianças na educação básica. Dessas escolas, 9,4% não tinham acesso à água, englobando 236,7 mil crianças; 5,7% não possuíam sistema de esgoto, expondo 99,3 mil crianças a doenças; e 4,9% não tinham banheiros, um total de cerca de 241,4 mil crianças. 

Na disposição geográfica, eram 4.283 escolas sem água na área rural, totalizando 209,9 mil crianças; na área urbana, 93 escolas não possuíam acesso à água para consumo, cerca de 26,7 mil crianças. Em relação ao esgoto, na área rural eram 2.587 escolas sem acesso, somando cerca de 81 mil crianças; na área urbana, eram 81 escolas e 18,3 mil crianças sem esgoto. Sem banheiros, eram 1.848 escolas rurais, totalizando 51,3 mil crianças e na área urbana, 416 escolas e 190 mil estudantes. Do total de escolas urbanas e rurais, 7.382 tinham banheiros fora do prédio escolar.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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