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Especialista: formação do professor é investimento, não custo

5 dez 2012 - 11h05
(atualizado às 11h22)
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O futuro das transformações educacionais no mundo está na inovação, na inclusão e na incorporação de tecnologias digitais no aprendizado - mas a importância do professor em sala de aula não diminui. A avaliação é do professor de Educação Andrew Hargreaves, da Lynch School of Education da Boston College, nos Estados Unidos.

Consultor de organizações como o Banco Mundial, Unesco e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e autor de livros que são referência no assunto, Hargreaves vê na dinâmica adotada em alguns países desenvolvidos um modelo para resgatar a qualidade da educação. Essa mudança passa por uma formação mais rigorosa dos educadores, bem como políticas de incentivo à profissão.

Hargreaves discute também como a ideia do design thinking pode aproximar professores e alunos, além de promover um aprendizado adaptado às necessidades particulares de cada estudante - fugindo, assim, dos padrões utilizados tradicionalmente. "O design thinking trata de aproximar mudanças ou inovações de uma organização por meio da ideia de que todos os esforços têm um design ou uma arquitetura implícitos, baseados em suposições sobre como as pessoas se comportam, o que as motiva e como eles mudam", explica.

No livro The Fourth Way: The Inspiring Future for Educational Change (O Quarto Caminho: o futuro inspirador para mudar a educação, em tradução livre), discutiu o termo fourth way para descrever os fatores comuns e os princípios que caracterizam países e escolas com alto desempenho educacional.

"Em economias desenvolvidas, o first way das décadas de 1960 e 1970 (os anos de Paulo Freire no Brasil) tiveram excelentes ideais progressistas de justiça social e inovação, mas sem meios para alcançá-los. O second way de (Margaret) Thatcher, (Ronald) Reagan e (Augusto) Pinochet impôs uma forma de ampliação dessa mudança através da padronização, do controle e da competição de mercado. O third way de (Bill) Clinton e (Tony) Blair tentou encontrar um meio-termo entre o mercado e o Estado e proporcionando mais apoio e formação aos professores", explica. Fourth way trata de um modelo mais democrático, com mais envolvimento da comunidade e professores com mais autonomia em relação ao governo e corresponsabilidade sobre os alunos.

Confira, em entrevista concedida ao Terra, as principais observações do professor em relação à educação no mundo e no Brasil:

Terra - O senhor poderia dar exemplos de como aplicar o design thinking em uma organização?

Andrew Hargreaves - Alguns modelos presumem que o trabalho é simples, as pessoas não são dignas de confiança e precisam ser motivadas por incentivos externos. Outras arquiteturas de mudança supõem que o trabalho é complexo, as pessoas são motivadas pela satisfação intrínseca em fazer um trabalho interessante e útil e são confiáveis para encontrar suas próprias soluções para os problemas.

A organização que adota essas arquiteturas dá aos funcionários maior habilidade de decisão, incentiva-os a colaborar e reconhece que a maior inovação vem de baixo.

Terra - Que tipo de vantagem isso pode trazer para o processo de ensino e aprendizado?

Hargreaves - Isso pode ajudar as pessoas a ver a interligação de um sistema, como as partes trabalham juntas e afetam umas às outras. Nem todo mundo aprende da mesma forma - algumas pessoas aprendem bem ouvindo ou lendo; outras têm de testar fisicamente um conceito científico por meio da manipulação de materiais. Alguns aprendem rápido; outros levam mais tempo. Isso nos leva a debater quais tipos de currículos são necessários para atender a uma variedade de estudantes.

Um dos princípios de concepção do currículo é chamado design universal. Em vez de primeiro criar um edifício para só depois pensar em como ele pode ser adaptado para pessoas com deficiência, se concebe uma edificação que, desde o início, pode ser usada e desfrutada pelo máximo de pessoas possível. O mesmo vale para uma sala de aula: em vez de pensar uma que presume que todos viverão a experiência da mesma maneira e só depois fazer ajustes para aqueles cujo aprendizado é diferente, é melhor propiciar, desde o início, experiências de ensino inclusivas.

Terra - Qual é a diferença entre esse método e o tradicional?

Hargreaves - Os métodos tradicionais são padronizados. Embora haja algumas exceções, inclusive no Brasil, por mais de cem anos, o ensino tem um currículo pré-definido, para crianças agrupadas por idade e seguindo o mesmo ritmo, de uma forma bastante padronizada.

Alguns movimentos modernos de reforma querem perpetuar e até mesmo intensificar isso - concentrando apenas em alfabetização e matemática nos primeiros anos, prescrevendo o currículo de forma severa e monitorando todos por meio de testes padronizados.

Terra - O senhor poderia apontar bons exemplos de design thinking (ou do fourth way) aplicadas à educação no mundo?

Hargreaves - Entre os países que eu já havia mencionado (Canadá, Finlândia e Cingapura), o mais relevante deles para o Brasil, talvez, seja Cingapura, que passou do terceiro mundo para um país de primeiro mundo em uma geração e meia, e onde a transformação do sistema educacional foi grande parte dessa conquista.

Despesas de educação em Cingapura ficam atrás apenas das despesas militares. Professores iniciantes são pagos tanto quanto engenheiros, para atrair os melhores matemáticos e cientistas para o ensino. Há uma grande ênfase na inovação curricular, e há aplicações muito eficazes da tecnologia em combinação com um bom ensino, sem substituí-lo. Colaboração e comunicação são valores primordiais. Cingapurianos dizem que passam adiante suas melhores ideias porque isso os leva a inventar novas. Todos nós podemos aprender com isso.

Terra - Como o senhor vê a posição social, a reputação e a valorização do professor em uma perspectiva mundial?

Hargreaves - Nos países onde o desempenho da educação são os mais altos do mundo, como Canadá, Cingapura e Finlândia, os professores têm alto valor social. Eles são bem pagos e muito bem treinados.

Eles trabalham em ambientes bastante colaborativos, onde os professores detêm uma responsabilidade coletiva sobre os estudantes em geral, não apenas sobre aqueles matriculados em sua sala de aula. Os professores são vistos como pessoas que criam o futuro da sociedade. Eles são um investimento, não um custo.

Infelizmente, com a crise financeira global, os professores são vistos como uma carga tributária cara e um custo para os estados endividados. Portanto, há muitas medidas que visam a incentivar pessoas a lecionar por apenas alguns anos enquanto jovens (o que mantém o custo do ensino baixo), regular o ensino com mais força (o que permite remover pessoas indesejadas da profissão mais facilmente), reduzir as qualificações exigidas para o ensino e tentar substituir, sempre que possível, o método tradicional pela aprendizagem online de forma independente.

Em países em desenvolvimento, essa situação é ainda mais problemática, pois os bancos internacionais de crédito frequentemente impõem uma proibição nos aumentos de salário para professores como condição de empréstimo. O resultado é um corpo docente com baixa qualificação, sem tempo para colaborar (porque às vezes os professores têm de trabalhar em dois empregos) e sem as habilidades para mediar o uso da tecnologia na sala de aula.

Terra - Em que sentido o processo de formação de professores precisa ser melhorado?

Hargreaves - A preparação dos professores, assim como a de médicos, é extremamente importante para torná-lo um profissional. Infelizmente, a qualidade da formação do professor é muito variável. Por razões históricas, muitas instituições de ensino voltadas para esse tipo de formação contam com professores e instrutores que não foram bons educadores, ou sequer atuaram como professores.

Os que buscam essa formação são mal supervisionados nas escolas e muitas vezes são espalhados em diversas escolas (o que resulta em um suporte deficiente) em vez de trabalhar em equipes, desenvolvendo os mesmos projetos em menos escolas. Países de alto desempenho em educação têm menos instituições de formação de professores, porém de maior porte, com maior qualidade. Os educadores ficam intimamente ligados a escolas locais e também mantêm uma boa comunicação com a política governamental.

Terra - O que precisa ser mudado para melhorar a educação em países com o Brasil?

Hargreaves - Nos últimos anos, a Organização das Nações Unidas enfatizou justamente a necessidade de acesso universal ao ensino primário básico para todas as crianças. O governo brasileiro tem tomado medidas heroicas que o tornaram um líder mundial em pagar as famílias para enviar seus filhos à escola, para que eles não tenham que trabalhar ou catar coisas na rua para sustentar suas famílias, que vivem em extrema pobreza. O próximo objetivo, acredito, é o acesso universal à educação de qualidade.

O objetivo a longo prazo é mudar a preparação dos professores e melhorar sua remuneração, para que isso não os desvie do núcleo de seu trabalho. No curto prazo, há grandes evidências de que, em qualquer grupo de professores, é possível melhorar significativamente a qualidade do ensino ao reforçar o capital social dos docentes oferecendo oportunidades para que eles vejam exemplos de boas práticas em outras escolas, tecnologia para se comunicarem online etc. Esse esforço envolve um custo baixo para um retorno mais rápido, ao mesmo tempo em que o país aumenta lentamente o seu investimento na profissão docente como um todo.

A segunda questão que afeta a qualidade é a equidade. Relatórios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico mostram claramente que, se você quiser aumentar a qualidade, você tem que melhorar a equidade. Então, Brasil e outros países como ele devem procurar formas de reduzir as diferenças de qualidade entre as escolas públicas e privadas, por meio de subsídios e outras medidas.

Consultor de organizações como o Banco Mundial, Unesco e a OCDE, além de autor de livros que são referência no assunto, Hargreaves vê na dinâmica adotada em alguns países desenvolvidos um modelo para resgatar a qualidade da educação
Consultor de organizações como o Banco Mundial, Unesco e a OCDE, além de autor de livros que são referência no assunto, Hargreaves vê na dinâmica adotada em alguns países desenvolvidos um modelo para resgatar a qualidade da educação
Foto: Arquivo pessoal / Divulgação
Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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