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Escola da Terra busca transformar o ensino em comunidades quilombolas

Programa vai levar capacitação e recursos didáticos a professores de escolas do campo e quilombolas de todo o País

20 jul 2013 - 14h08
(atualizado às 14h08)
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Programa do Ministério da Educação leva materiais didáticos para valorizar a cultura em escolas de comunidades quilombolas
Programa do Ministério da Educação leva materiais didáticos para valorizar a cultura em escolas de comunidades quilombolas
Foto: Washigton Alvez / MEC / Divulgação

Imagine uma professora que não sabe quem são seus alunos. Maria Helena de Oliveira e Souza, conhecida como Mestra Leninha, era uma delas. Durante dois anos, a educadora desconhecia a origem quilombola dos estudantes. Tudo que sabia sobre eles era apenas o que enxergava: a pele negra. Um dia, a diretora informou que a escola havia oficialmente se autodeclarado quilombola. Desde então, Mestra Leninha, 46 anos e 20 deles dedicados à educação, familiarizou-se com a cultura, mas ainda está aprendendo sobre como ensiná-los a valorizá-la. Pensando em profissionais como ela, o Ministério da Educação (MEC) lançou neste mês o programa Escola da Terra, uma capacitação especial voltada para professores de escolas rurais e quilombolas.

A Escola Estadual Santo Isidoro, no município de Berilo (MG), onde Mestra Leninha leciona, se autodeclarou quilombola em 2006. Em sete anos, apenas uma vez seus professores haviam recebido orientação de como poderiam contribuir para o fortalecimento da identidade da comunidade, por meio da Secretaria de Educação de Minas Gerais, em 2009. Mesmo assim, de forma muito rápida. Na ocasião, foi enviado um analista à escola, durante um dia, e aplicado um questionário aos professores, para fazê-los refletir sobre o tema.

A partir da experiência, Mestra Leninha começou a trabalhar com livros temáticos sobre a comunidade quilombola em sala de aula. Entre eles, está o título O Cabelinho de Lelê, que conta a história de uma menina negra que tem o cabelo diferente dos amigos e quer investigar o porquê. A professora reconhece que ainda tem muito a aprender. "Eu sei que a gente tem de ensinar os alunos a se aceitarem, mas a falta de conhecimento atrapalha muito. Eu gostaria de ter mais ideias de como aplicar a parte pedagógica", diz.

O desafio é trazer para dentro da sala a realidade em que os estudantes vivem. "Ainda na infância, os alunos precisam se perceber como sujeitos da história para valorizar sua cultura e transformar a realidade em que vivem", explica a superintendente de modalidades e temáticas especiais de ensino da Secretaria Estadual, Soraya Hissa. O papel do professor, portanto, está em aprender a utilizar recursos de uma escola comum, com suas deficiências em infraestrutura, para valorizar a cultura comunitária, com base no currículo escolar nacional.

Com o programa Escola da Terra, do MEC, serão ofertados capacitação especial e recursos didáticos a professores de escolas no campo e quilombolas. A ação integra o Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo) e será executada pelas secretarias municipais e estaduais de Educação, em parceria com universidades federais. O curso, de carga horária mínima de 180 horas, será direcionado a educadores de turmas dos anos iniciais do ensino fundamental compostas por estudantes de variadas idades, chamadas multisseriadas, e tem previsão de início para 2014.

O programa também disponibilizará material didático - entre livros, jogos e recursos para alfabetização e matemática - por intermédio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Para as escolas terem acesso ao curso e aos materiais, os gestores das secretarias municipais de Educação devem aderir ao programa. E a quantidade de recursos destinados à Escola da Terra dependerá justamente das adesões.

Potencialidade na diferença

No Brasil há cerca de 50 mil escolas multisseriadas em áreas rurais e quilombolas distribuídas em todo o território nacional. De acordo com a titular da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do MEC, Macaé Evaristo, além de adequar a pedagogia aos diferentes alunos em sala de aula, o programa tem por objetivo preparar professores para tornar a diferença cultural uma potencialidade. "A escola precisa saber como aproveitar os saberes locais e a memória dessa população para fortalecer o processo de escolarização", explica a secretária.

A Escola Estadual Santo Isidoro, no município de Berilo (MG), se autodeclarou quilombola em 2006
A Escola Estadual Santo Isidoro, no município de Berilo (MG), se autodeclarou quilombola em 2006
Foto: Geyson Magno / MEC / Divulgação

Cada curso será organizado município a município, respeitando as peculiaridades da cultura local. As aulas serão ministradas por professores de universidades que já oferecem licenciatura especializada na educação do campo.

Até mesmo para quem é de origem quilombola, e por isso conhece mais a dinâmica da comunidade, o programa parece chegar em boa hora. Professora da segunda série da Escola Estadual Santo Isidoro, Sebastiana Cassiano Sena conta que já presenciou na antiga escola onde trabalhava uma criança se sentindo ofendida quando os coleguinhas a chamaram de negra. "Nós sabemos que é preciso falar sobre racismo, mas sinto dificuldade em passar isso para os alunos", afirma.

Para Sebastiana, participar da capacitação seria uma oportunidade de aprender ainda mais sobre seus alunos, o que deve mudar a forma como leciona e torná-la mais adequada às particularidades das crianças. "Nós precisamos mesmo desse curso, me sinto perdida", confessa a professora. Pode ser apenas o primeiro passo, mas em sua sala de aula a cópia do livro O Cabelinho de Lelê já está colada no mural.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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