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O escritor sem estilo: Millôr completaria 90 anos hoje

16 ago 2013 - 09h17
(atualizado às 09h18)
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Millôr Fernandes
Millôr Fernandes
Foto: Sandra de Souza, CPDoc / Futura Press

Millôr Fernandes é jornalista amador, só recebe por fora, e não agride a camada de ozônio. Ainda que autodefinido como escritor sem estilo, apenas essa frase, dele sobre ele mesmo, já dá uma ideia do estilo de Millôr: simples, inteligente, certeiro e carregado de ironia. Ao criá-la, porém, foi modesto – não era apenas jornalista, mas escritor, tradutor, dramaturgo, humorista e desenhista. Morto em março do ano passado, ele completaria 90 anos neste mês – ao menos de acordo com uma de suas datas de nascimento. Figura recorrente nos principais vestibulares do Brasil, a obra do escritor pode voltar a ser tema nas provas deste ano.

A vida de Millôr, assim como sua obra, nada tem de convencional e é cheia de controvérsias. Nem o nome nem a data de nascimento do escritor são consenso. Na carteira de identidade, nasceu em 27 de maio de 1924, mas afirmava que a data correta era outra: 16 de agosto de 1923. Apenas 17 anos depois de toda essa confusão, descobriu que os enganos não paravam por aí. Até então, achava que se chamava Milton Viola Fernandes. Descobriu que, por um erro na certidão, seu nome era Millôr. Gostou, adotou, e o nome foi aceito pela família e pelos amigos. O local de nascimento, sim, é certo: o Méier, no Rio de Janeiro.

O carioca marca 15 de março de 1938 como o início da profissão de jornalista. É quando começa a trabalhar na revista O Cruzeiro, com apenas 14 anos. Em 1945, cria a seção Pif Paf, produzida até 1963, quando foi descontinuada por pressão da Igreja Católica. A polêmica da publicação dos desenhos A Verdadeira História do Paraíso culminou na saída de Millôr do grupo Diários Associados. "Me sinto como um navio abandonando aos ratos", comentou à época.

A Pif Paf, então, vira uma revista autônoma, que seria considerada o marco do início da imprensa alternativa no Brasil. Em 1964, o título ganha uma nova oposição: o regime militar, que fecha a revista na oitava edição, após a publicação de um texto ironizando o governo e a censura imposta pelo mesmo – a censura, aliás, foi presença constante na vida de Millôr, em textos jornalísticos, charges e peças teatrais.

Apesar de não integrar a equipe fundadora de O Pasquim, outra publicação emblemática na resistência contra o regime militar, Millôr sempre exerceu influência e participou do jornal, chegando mesmo a assumir a presidência do semanário em 1972. Em 1968, começou sua duradoura relação com a Editora Abril, escrevendo para a revista Veja. O jornalista também escreveu em outros veículos, como o Correio da Manhã e o Diário Popular, em Portugal.

Millôr Fernandes
Millôr Fernandes
Foto: Luiz Carlos David, CPDoc / Futura Press

No teatro, a temática social e política sempre estiveram presentes, e entre suas criações pode-se destacar Um Elefante no Caos, que estreou em 1960, depois de uma longa briga com a censura. Em sua biografia, 1971 é descrito por ele como o ano em que "a 'parada' com o sistema engrossa", e fazer teatro fica praticamente impossível.

Professor do Programa de Pós-Graduação em Literatura da UnB, André Luís Gomes destaca que o período da ditadura pode ser considerado um dos mais marcantes da carreira. "Ele discutiu e interferiu mais intensamente no cenário social nessa época. O Millôr jornalista, cronista e dramaturgo se pautou por essa questão e fez uma crítica social extremamente bem construída e competente", diz. Gomes destaca que o engajamento social é uma das principais características do carioca, e conseguir falar isso em uma linguagem próxima do povo era seu grande mérito – um humor refinado, com metáforas inteligentes e próximo da sociedade.

Com mais de 70 anos de carreira – escreveu até o fim da vida –, Millôr deixou obras importantes em todas as áreas em que atuou. Entre as publicadas em livro, destacam-se Fábulas Fabulosas, A Bíblia do Caos, Liberdade, Liberdade (com Flávio Rangel), entre outras.

Ironia e crítica social no vestibular e no Enem

A crítica social e a linguagem irônica de Millôr podem dar margem a diferentes interpretações e reflexões, e isso é ideal para uma prova. Professor de português do Cursinho da Poli, Claudio Rosa acredita que é possível que o carioca apareça no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou nos principais vestibulares do País – não necessariamente por seu aniversário, mas pela importância da obra.

Rosa indica que as questões éticas abordadas pelo autor são mais prováveis em um teste como o Enem, que prioriza essa temática até mesmo na prova de redação. Já na área linguística, experimentos como poemas conceituais e visuais podem ser abordados. Também não é incomum que uma charge sirva como base para a redação, e isso pode acontecer na prova deste ano. Em 2009, por exemplo, o exame trazia uma tira de Millôr para guiar o tema do texto: o indivíduo frente à ética nacional.

A Fuvest, que seleciona para ingresso na Universidade de São Paulo (USP) e para o curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, utilizou um texto de Millôr ainda em 2013, então a possibilidade de que se dedique novamente uma questão ao escritor diminui. No caso de o carioca ser mencionado na prova, a probabilidade maior é que seja em questões de interpretação de texto.

Ao responder uma questão baseada na obra de Millôr, o vestibulando deve atentar para os detalhes: mesmo nos textos mais melancólicos o humor pode estar presente. A ambiguidade e a intertextualidade também são marcas do escritor, e é comum que ele subverta ditados populares para mudar seu sentido e dialogue com outros textos. Rosa aponta que o vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por exemplo, costuma cobrar a interpretação desse tipo de recurso.

O professor de literatura do Anglo Fernando Marcílio lembra ainda que a relação da obra com a época e o contexto em que foi escrita pode ser cobrada. Apesar de a ditadura militar ser um fato marcante na escrita e nos desenhos do carioca, lembra que Millôr sempre foi um crítico feroz de qualquer forma de poder e um defensor ferrenho da liberdade, em todas as fases de sua vida.

Marcílio acredita que a cobrança de aspectos técnicos dos textos de Millôr é improvável, e aposta em questões de compreensão de texto. Para o professor, não é preciso que o estudante faça uma preparação prévia para compreender a obra do jornalista. Como eram publicados em veículos de grande circulação e por ter uma linguagem simples, apesar da erudição do autor, os textos do carioca são acessíveis para o público.

"Mas é importante lembrar que o contato com Millôr deve acontecer independentemente da prova. Para conhecimento e cultura, ele é imprescindível", afirma, ressaltando o poder de síntese e a inteligência do autor como atrativo para os jovens. "Em uma época em que se tem que dizer muito em apenas 140 caracteres, ele é um ótimo exemplo de qualidade".

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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