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Mil posições separam escola federal de estadual na lista do Enem

14 set 2011 - 13h55
(atualizado às 14h52)
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Angela Chagas

O abismo que separa a Escola Estadual Dom Aquino Corrêa, na cidade de Amambai (MS), e o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa (Coluni), em Minas Gerais, não está apenas na lista das melhores escolas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2010. Enquanto o colégio federal mineiro ficou no 8º lugar entre todas as escolas - primeiro entre as públicas - a instituição de Mato Grosso do Sul aparece mil posições depois, mas como primeira colocada entre as escolas estaduais de ingresso regular. Para o doutor em educação e professor da Universidade de Brasília (UnB), Célio da Cunha, a principal diferença entre as duas está no investimento.

Veja onde estão as 50 melhores e piores colocadas no Enem

"Não fico surpreso com essa diferença. Se pegarmos a história da educação brasileira desde os primórdios veremos que sempre estiveram à frente as instituições que o governo federal patrocinou. Isso acontece porque os investimentos federais são bem maiores", afirma o professor da UnB. Segundo ele, se o mesmo recurso disponibilizado para as escolas federais fosse aplicado pelos Estados e municípios na educação básica, a realidade seria outra.

No balanço divulgado ontem, além do Coluni, apenas 12 instituições públicas aparecem na relação das 100 melhores. Todas elas têm modelo de organização diferenciado e boa parte está vinculada às universidades públicas. Ainda fazem parte do grupo os colégios militares, os institutos federais de educação profissional e as escolas técnicas estaduais. Na lista geral, a primeira escola estadual com oferta regular de vagas é o colégio de Mato Grosso do Sul, na posição 1.008.

Feliz com o fato de a escola do interior ser a primeira entre as estaduais, a diretora do colégio Dom Aquino, Vilma Oliveira da Cruz, diz que os professores se empenham para estimular nos alunos os hábitos de leitura, fundamentais para um bom desempenho no Enem. "Nossa estrutura é muito ruim, a biblioteca é muito pequena, mas os professores levam os livros para a sala de aula e estimulam à leitura", afirma. Ela também diz que a disciplina e o comprometimento dos estudantes é um diferencial da instituição.

Com 615 alunos, no ano passado a escola formou a primeira turma de ensino médio, que atingiu a média de 635,51 pontos no Enem e teve participação de 100% dos estudantes na prova. Segundo a diretora, apesar de todas as dificuldades que a escola enfrenta, dos 25 estudantes, 24 passaram no vestibular. Entre os problemas está a falta de professores pra atender as turmas. "Agora estamos com a grade de docentes completa, mas todo o ano temos que enfrentar isso. As pessoas não querem vir de fora para ganhar pouco. Também temos muita rotatividade, eles ficam um ano na escola e vão embora", afirma.

Os maiores problemas são nas disciplinas de geografia e matemática. O salário inicial, de cerca de R$ 1,3 mil no Estado, não é atrativo para quem precisa sair de outras regiões para trabalhar em uma cidade que fica a mais de 400 km da capital. De acordo com a diretora, a falta de estrutura também é outro empecilho para o ensino. "Não temos prédio próprio, há 50 anos a nossa escola funciona em espaços cedidos. Agora estamos ocupando um lugar no prédio da Universidade Estadual, mas é muito pequeno", critica a diretora. Segundo ela, não há sala de informática, laboratório de ciências, quadra de esportes e nem refeitório. "Os alunos comem com o prato na mão", completa.

Realidades diferentes

Enquanto na escola estadual os alunos contam com uma estrutura mínima para as aulas, no colégio da Universidade de Viçosa, que atingiu média de 726.42 pontos no Enem, os estudantes têm a sua disposição cinco laboratórios de ciências, bibliotecas, computadores em todas as salas de aula e toda a infraestrutura de uma universidade. Os professores possuem dedicação exclusiva, dão aulas em um turno e no outro ficam disponíveis para pesquisas, tirar dúvidas e preparar as atividades.

O salário de um educador, segundo o sindicato nacional dos professores, varia de R$ 2,2 mil a R$ 3,6 mil em nível inicial. De acordo com o diretor Hélio Paulo Pereira Filho, o quadro da escola é composto, em sua maioria, de mestres e doutores. "Temos uma exigência muito grande, nossos professores, assim como o corpo técnico, são altamente qualificados", afirma.

A escola também não enfrenta dificuldades financeiras. Os recursos são suficientes para atender os 480 alunos e toda a estrutura necessária. "Nós também somos uma extensão da universidade, e isso facilita muito", explica o diretor. Ele concorda que, quanto mais recursos, mais fácil fica para gerir uma educação de qualidade. "Eu sempre digo: se a presidente Dilma quer mudar a história do ensino no Brasil, que invista nas escolas de aplicação das universidades".

Vagas

Na escola estadual de Mato Grosso do Sul, qualquer aluno pode se inscrever para uma vaga. "Recebemos todos, dos alunos mais humildes aos mais ricos", afirma o diretora. Já na escola federal de Minas Gerais, para concorrer a uma das 150 vagas oferecidas anualmente, os alunos precisam passar por uma prova, com uma média de dez candidatos por vaga.

"Fazemos esse exame para selecionar os estudantes com o perfil mais adequado", diz Hélio Paulo Pereira Filho. Segundo ele, isso não quer dizer que o ingresso é restrito para os estudantes que têm mais condições de se preparar. "Pelo menos 50% dos nossos alunos vieram de escolas públicas", diz.

Futuro

De acordo com o professor da UnB, o sucesso das escolas federais mostra que o investimento precisa aumentar no País. "Nos últimos anos, as escolas públicas estão acolhendo um grande contingente de pessoas, que antes não tinham oportunidade de estudar. Mas para que isso resulte em qualidade do ensino, é preciso que o recurso também aumente. É só pegar o exemplo dos colégio de aplicação, quando se investe dá certo", diz Célio da Cunha.

O doutor em educação defende a ampliação dos recursos disponibilizados pelo governo federal. "Se com o Plano Nacional de Educação (PNE) conseguirmos avançar para 7% do PIB de investimento na área, já poderemos dar um salto em qualidade. Mas o ideal é avançar mais, porque precisamos recuperar o atraso histórico da nossa educação", completa.

O Colégio de Aplicação da Universidade de Viçosa (Coluni) ficou em primeiro lugar entre as escolas públicas no Enem
O Colégio de Aplicação da Universidade de Viçosa (Coluni) ficou em primeiro lugar entre as escolas públicas no Enem
Foto: Coluni / Divulgação
Fonte: Terra
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