PUBLICIDADE

Em intercâmbio no Brasil, alunos avaliam ensino de medicina

Haitiano conta que médicos cubanos no seu país de origem não são polêmica, mas "alívio"; veja o que pensam intercambistas de medicina no Brasil

18 mai 2014 - 08h20
Compartilhar
Exibir comentários
Terremoto no Haiti, em 2010, destruiu parte das estruturas da faculdade onde T-Hercule Louis Jr. estudava. O aluno da UFRGS ainda se recorda da recepção de médicos cubanos em seu país, bem diferente da que aconteceu com o Mais Médicos no Brasil
Terremoto no Haiti, em 2010, destruiu parte das estruturas da faculdade onde T-Hercule Louis Jr. estudava. O aluno da UFRGS ainda se recorda da recepção de médicos cubanos em seu país, bem diferente da que aconteceu com o Mais Médicos no Brasil
Foto: Reprodução

Com o sonho de trabalhar para ONGs como o Médicos Sem Fronteiras, que atuam com ajuda médica e humanitária em situações de emergência pelo mundo, o alemão Johannes Friedrich, 26 anos, escolheu o Brasil para aperfeiçoar sua graduação. Para ele, aqui, os estudantes aprendem a atender “em áreas com circunstâncias precárias, como também pode ser o caso desses cenários de catástrofe”.

Desde janeiro no Brasil, Johannes cursa o 7° semestre na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Sua experiência na Alemanha, de acordo com o estudante, foi mais livre. “As aulas são de menor duração e talvez mais intensivas”, diz. Por exemplo, o aluno deve fazer seu próprio plano de estudos, o que confere maior flexibilidade ao curso. “Assim, pude ganhar pelo menos parte da minha vida em trabalhos (paralelos). Quase foi possível estudar medicina sem depender dos meus pais”, conta.

Por outro lado, o intercambista elogia a parte prática de sua graduação no Brasil. “Há (disciplinas) eletivas interessantes. Além de muitos cursos em que se atende pacientes reais sob supervisão de médicos”, destaca.

A infraestrutura para aulas práticas também é enfatizada pelo estudante haitiano da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) T-Hercule Louis Jr., 23 anos. Segundo ele, Haiti e Brasil são países completamente diferentes, pelo desenvolvimento econômico. Por isso, vê as salas de aula brasileiras como ideais para o ensino de anatomia e histologia, por exemplo.

Perto dos professores, longe dos colegas

O terremoto que atingiu o Haiti, em janeiro de 2010, destruiu parte das estruturas da universidade onde Louis estudava medicina. O aluno, de Porto Príncipe, decidiu recomeçar sua graduação no Brasil, através de bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Estuda na UFRGS há quase três anos.

Ainda que tenha estudado, por seis meses, no curso de Língua Portuguesa da universidade, Louis teve dificuldade para entender os docentes de medicina em um primeiro momento. Ao final de cada aula de anatomia, quando os colegas arrumavam as mochilas para ir embora, era hora de aprender. “Uma diferença marcante é a proximidade entre estudantes e professores. Sempre estão dispostos a receber alunos em seus escritórios e a tirar dúvidas”.

A facilidade na aproximação com seus professores, no entanto, não aconteceu com os colegas. O estudante notou certo constrangimento e afastamento, em relação a si, por parte dos demais alunos. “Interagia mais quando havia trabalhos obrigatórios em grupos. Mas, no intervalo, era mais difícil”.

“Vestibular não consegue medir o conhecimento do aluno”

Há sete anos no Brasil, o americano Daniel Sean Minney, 28 anos, não teve dificuldades com a língua nas aulas de medicina da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). “O jeito de entrar é que foi estranho, por um vestibular, uma prova que decide tudo. Não se consegue medir o conhecimento do aluno assim”, afirma.

A vinda do estudante foi uma “aventura”, nas suas palavras. Após terminar o curso de biologia nos Estados Unidos, Daniel decidiu passar um tempo no Brasil e acabou ficando. Dava aulas de inglês, viu que não era o que queria continuar fazendo e decidiu-se pela medicina. Para ele, a prova de admissão das universidades deveria envolver entrevistas e análise de currículo. Atividades sociais e extracurriculares, como projetos de pesquisa e extensão, também são critérios que defende para uma seleção mais adequada dos candidatos.

O estudante também ressalta que não há uma grade rígida de disciplinas no seu país de origem. Conforme Daniel, as matérias são escolhidas pelo aluno de forma livre e podem pertencer a qualquer área. “Aqui no Brasil você escolhe o curso. Nos Estados Unidos, você escolhe a universidade”.

Mais Médicos

A polêmica que envolve o programa Mais Médicos, lançado em julho de 2013, também é acompanhada pelos estudantes estrangeiros de universidades brasileiras. O programa procura fixar médicos, brasileiros ou não, no interior e nas periferias do País, para atender no SUS. A medida foi criticada pelas entidades médicas, sob alegação de que a qualidade dos profissionais foi comprometida.

“Existe lá na Alemanha, como aqui no Brasil, a ideia xenofóbica de que os estrangeiros vêm e ‘roubam’ os empregos. No fim, os cubanos e os outros estrangeiros do Mais Médicos só podem ir onde o (médico) brasileiro formado não quer”, afirma Johannes. A seleção e ocupação de vagas, de acordo com o edital, deu prioridade a médicos formados no Brasil ou com diploma revalidado. Em seguida, foi aberto aos médicos brasileiros formados no exterior e, então, a estrangeiros graduados.

Já o haitiano Louis acredita que o problema não seja a vontade dos médicos brasileiros, e sim a falta de infraestrutura que o sistema público oferece - principalmente em cidades do interior. “Antes de trazer médicos, deveria haver investimento”, defende. No entanto, repudia qualquer manifestação preconceituosa contra profissionais estrangeiros, sobretudo aos cubanos, que apresentam “medicina de boa qualidade” na sua visão.

As primeiras reações de alguns médicos, para Johannes, foi irracional. Em agosto, estrangeiros em treinamento - entre eles, 79 cubanos - foram hostilizados na cerimônia de abertura do programa em Fortaleza. Os profissionais teriam sido chamados de escravos e incompetentes. “Isso mostra uma ignorância muito grande. É incompreensível que isso aconteça entre trabalhadores vindos de classes tão privilegiadas e com acesso a informações sobre escravidão e racismo históricas e atuais”, diz.

A “incompetência” é alegada por críticos diante da permissão aos médicos de outros países de participarem do programa sem revalidação do diploma no Brasil, ou seja, à margem do atual processo, o Revalida. Em vez da prova, há uma avaliação distinta, que gera registro provisório para atuação somente no Mais Médicos.

E se o Mais Médicos fosse lá?

De acordo com Johannes, há temor de que faltem médicos nos lugares mais afastados da Alemanha nos próximos anos. Ainda assim, por enquanto, acredita que um programa parecido com o Mais Médicos não é necessário.

O estudante lembra, porém, de ouvir ex-colegas alemães duvidarem da qualidade de ensino no Brasil, mesmo sem o conhecer. “As classes de médicos, em todos os países, pensam ser muito especiais. Além disso, nos países chamados desenvolvidos, há ainda um pouco mais de arrogância”, observa.

Para Daniel, os estadunidenses estão acostumados com a presença de médicos estrangeiros nos hospitais. “Você entra, vê médicos indianos. É muito comum”. Ainda assim, no final de 2013, médicos imigrantes relataram dificuldades para obter autorização para atuar no Estado americano. Como justificativa, o sistema de licenciamento estaria assegurando a satisfação dos critérios do setor e evitando a “fuga de cérebros” de países mais pobres.

No Haiti, Louis conta que já há uma parceria com Cuba desde 1998, que se intensificou a partir do terremoto de 2010. Médicos cubanos exercem a profissão no país, e o pagamento é feito entre os governos. Além disso, também há formação de estudantes haitianos em Cuba.“No Haiti, não houve polêmica. Foi um alívio”.

Programa Mais Médicos Programa Mais Médicos

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade